Mulheres rememoram presentes de vida recebidos por meio da fé

Sem a obrigação de firmar religiões ou crenças, as cartas de hoje reforçam a necessidade e a disposição de quatro mulheres em confiar, ter esperança e contribuir com os planos que elas acreditam terem vindo de outras dimensões

Escrito por Dahiana Araújo , dahiana.araujo@svm.com.br
Legenda: Velúzia Maria conta em sua carta como renasceu para ajudar outras pessoas
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Era janeiro de 2002 quando Velúzia Maria Gomes Vieira, 60, adormeceu e acordou em meio à tradicional festa de São José, que acontece entre os bairros João XXIII e Bonsucesso há cerca de oito décadas. Estava sonhando. Em dezembro de 2012, Francisca Alencar, 47, experimentava sua oitava e última tentativa de fertilização que a pudesse fazer esquecer os abortos espontâneos e lhe dar a chance de ser mãe. Ansiedade. Recordar 2007, para Séphora Barcelos, 52, é também lembrar uma história que separou, por 15 anos, ela e o amor de sua vida. Saudades. E ainda este ano que se encerra é data marcante para Caroline Benevides, 33, que relembra em carta a angústia de ver em uma das últimas ultrassonografias antes do parto, seu filho enrolado pelo pescoço ao cordão umbilical.

Quatro mulheres, quatro histórias de crença e gratidão. Elas relatam em cartas enviadas ao Diário do Nordeste, os milagres que receberam enquanto enfrentavam seus dilemas. Crentes em Deus, no Espírito Santo, e devotas a santas, santos e até a beatos, elas encerram a série da reportagem especial "Cartas de Presente" ao compartilharem como venceram dores, saudades e incertezas movidas pelo dom de acreditar.

Quando Velúzia descobriu a Leucemia Mieloide Crônica (LMC) - relata nas palavras emocionadas rabiscadas no papel - tinha 41 anos, uma vida feliz ao lado de filhos, marido e trabalhando normalmente. A partir de então, passou a conviver com a angústia e a completa falta de certezas. O medo da morte. Foram dias de esperas. O alívio veio ao saber que o doador estava em sua própria família: o irmão caminhoneiro que não via há dez anos e que morava em terra distante - São Paulo.

"Chorei muito de tristeza, medo de enfrentar o desconhecido (transplante) em uma cidade que não conhecia nada, nem ninguém. Pela manhã, saímos para o hospital, onde tive um encontro emocionante com o meu doador, meu irmão Wagner Medeiros, caminhoneiro, que não nos víamos há 10 anos. Chegando ao hospital, uma maratona de exames pré (TMO) nos dois, e de muita torcida. Nada podia dar errado. Fiquei em casa de apoio, fiz novas amizades, conheci culturas diferentes, num lugar onde presenciei muita dor e sofrimentos, tristezas e histórias, algumas histórias de sucesso também até chegar o abençoado dia do meu transplante", relembra ela em linhas.

Sonho

Foi quando ela adormeceu e, depois de sonhar com São José, acordou já tendo passado pela transfusão de sangue e cheia de esperança. "Até que, em 19 de março de 2003, às 17h35, foi um momento de grande emoção (...) eu adormeci e me transportei aqui pra Fortaleza e segui a procissão de São José, a mesma que, quando com saúde eu acompanhava há 19 anos. Na época, dormi um pouco nessa viagem, cantei louvores, uma coisa linda, mágica, sem explicação. Quando abri os olhos, já tinha sido transfundida (...) eu senti e vi o milagre do renascimento", conta a carta.

Longe de casa, em São Paulo, o dilema do tratamento se seguiu, a doença foi e voltou, a medicação pesada se intensificou, mas deu resultado positivo e hoje ela se define usando trechos de um louvor: "sou um milagre, estou aqui". Mais que isso, Velúzia se fez milagre na vida de outras pessoas e, inspirado em sua história - quando precisou passar meses longe de Fortaleza para buscar tratamento em São Paulo - decidiu criar, em 2007, uma instituição para acolher pessoas que aqui chegam em busca de tratamentos e sem morada fixa, o Grupo de Apoio a Pacientes Oncológicos do Estado do Ceará (Gapo), do qual ela, hoje, é presidente.

Assim como Velúzia viu em si, Francisca Alencar vê na filha, hoje com 6 anos de idade, as marcas de um milagre. "O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos (...) após oito tentativas de Fertilização in Vitro, finalmente, realizei desejo de trazer ao mundo um lindo bebê, cujo amor faz com que minha existência seja completa (...) Hoje, Manuela tem 6 anos e meu coração bate fora de mim", escreve.

Antes de alcançar esse sonho, a caminhada foi longa, árdua. Percurso que ela descreve em uma longa carta de quatro páginas, na qual, entre um parágrafo e outro, cita passagens bíblicas, que ora serviram de consolo, ora de esperança. Trajetória que durou sete anos, até ela engravidar da Manuela. Tempo em que ela também perdeu o pai em um acidente de carro e época em que ainda contabilizou a dor de vários abortos espontâneos, além morte de um feto de 37 semanas.

O presente da vida de Caroline também está eternizado em uma carta: a vida do filho Valentim, hoje com 6 meses. Ela descobriu, por meio de uma ultrassonografia que o pescoço do filho estava envolto no cordão umbilical. Aflição. Medo. Incerteza. Suas palavras são marcas de esperas que se firmaram numa fé.

Legenda: O presente da vida de Caroline é a vida do filho Valentim, de 6 meses
Foto: FOTO: JOSÉ LEOMAR

"A gravidez foi chegando ao finalzinho(...) e, terminando uma ultrassom, o médico avisa que meu bebê estava enlaçado com duas voltas do cordão umbilical no pescoço. O parto seria mais difícil. Meu coração ficou do tamanho de uma sementinha. Apertava tanto. Mas ao mesmo tempo, uma voz sussurrava pra mim que ficaria tudo bem, bastava buscar a Ti e confiar. Acho que o Divino Espírito Santo tem esse poder de nos acalmar com sua voz suave, né?", questiona Caroline.

Entre os milagres de vida, Séphora Barcelos relata o renascimento de seu casamento. Aos 28 anos, ela separou-se do marido, pai de seus filhos, e amargou 15 anos de dor e luta, dedicando-se a criar os filhos. Após anos de reza, ela conta em carta a sua experiência, vivida em Roma, na qual acredita ter sido apenas um dos sinais de Deus de que sua união não havia chegado ao fim. Séphora acredita, inclusive, ter sido João Paulo II um dos intercessores junto a Deus pelo seu casamento. Tanto que dedicou a ele a sua carta.

"Em uma peregrinação a Roma, fui visitar seu túmulo, era março de 2007, ainda estava lá em baixo, na Basílica de São Pedro. Naquele dia, pedi duas coisas: restauração do meu matrimônio e fazer as Promessas Definitivas no carisma Shalom. Coloquei minha aliança no cordão com o TAU (símbolo da Comunidade Católica Shalom) sobre o seu túmulo e confiei-me a sua intercessão. Quando recolhi, para minha surpresa, a aliança não veio no cordão". Depois desse trecho, Séphora conta que ela e o marido conversaram, rezaram juntos e decidiram retomar a união.

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