Mudança na rotina por conta do Covid-19 gera incerteza nos negócios

Queda de fluxo em estabelecimentos preocupa setores do comércio. Ministério Público do Trabalho recomenda que sejam adotadas medidas de prevenção determinadas em lei.

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@svm.com.br
Legenda: A Praça do Ferreira, cenário sempre movimentado, já sente o impacto das mudanças, com poucas pessoas circulando
Foto: Foto: Camila Lima

Menos de 24 horas após o Governo do Ceará decretar emergência em saúde pública por ocasião do coronavírus, um cenário atípico pode ser percebido nas primeiras horas da manhã dessa terça-feira (17) em Fortaleza. A intensa movimentação de veículos, pedestres, passageiros de coletivos ou ônibus intermunicipais e até de frequentadores de tradicionais pontos comerciais deu lugar a vias vazias para um dia útil. Nesse cenário, setores do comércio local temem mudanças drásticas nas relações de trabalho caso a Covid-19 acometa mais pessoas no Estado e obrigue a paralisação dos serviços. Ao mesmo tempo, o Ministério Público Trabalho no Ceará (MPT-CE) monitora a aplicação das possíveis mudanças.

Embora ainda não se tenha números concretos sobre a redução nos transportes coletivos, a baixa foi constatada pela equipe do Diário do Nordeste durante passagem pelos locais. Na estação Benfica do Metrô, por exemplo, o baixo fluxo de transeuntes chamou a atenção, assim como na avenida da Universidade, e em ruas paralelas à Reitoria e à Casa Amarela da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A rotina fora do convencional também se repetiu no Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé, no bairro de Fátima. Enquanto a reportagem esteve lá, poucos usuários foram vistos na plataforma de embarque e desembarque. Funcionários de companhias, terceirizados e de quiosques, além de passageiros, foram vistos com máscaras. O mesmo aconteceu na Praça Coração de Jesus, no Centro, onde fica um terminal de ônibus, com menos passageiros que o habitual. Perto dali, o Mercado Central e a Praça do Ferreira, que recebem centenas de pessoas diariamente de todo o País, também tiveram menos frequentadores.

Recomendações

Contudo, quem continua dando expediente normal nas empresas e a rápida possibilidade de contaminação pelo coronavírus preocupa o MPT. Na tarde de ontem, procuradores se reuniram com representantes do setor empresarial e da classe sindical para discutir estratégias que garantam a saúde dos trabalhadores frente à pandemia.

Segundo nota técnica do órgão, categorias profissionais apresentam diferentes níveis de exposição ao coronavírus. Médicos, enfermeiros, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem e aqueles que coletam amostras ou realizam autópsias têm "risco muito alto". Já os que entraram em contato com casos confirmados ou suspeitos, como fornecedores de insumos de saúde e motoristas de ambulâncias, "risco alto", enquanto manifestam "risco mediano" trabalhadores que lidam com grandes aglomerações em escolas, lojas e comércio varejista. As categorias de "risco baixo" são para profissionais que tenham contato mínimo com o público em geral e ficam a mais de dois metros de distância de outras pessoas.

O documento menciona ainda a necessidade de as empresas reforçarem entre os colaboradores a higienização das mãos com água, sabonete líquido e álcool em gel. Ainda como proteção aos trabalhadores, o órgão recomenda que seja estabelecida uma política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas, com posterior isolamento e contato de serviços de saúde na identificação de casos suspeitos.

Penalidades

O procurador regional do MPT-CE, Gérson Marques, explicou que existe uma legislação recente que permite o trabalhador se ausentar das atividades em caso de sintomas da Covid-19. A lei n°. 13.979, de 6 de fevereiro deste ano, sancionada por Jair Bolsonaro, prevê que sejam adotadas medidas de isolamento, quarentena, exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas e tratamento médicos específicos. Servidores públicos ou da rede privada que precisaram se ausentar de atividades laborais por esses motivos terão falta justificada com remuneração, garante a lei.

"As empresas que não seguirem essas recomendações, primeiramente, verificamos que elas estão expondo trabalhadores a um risco de saúde, então elas podem ser responsabilizadas porque ocasionaram uma doença. Elas podem ser demandadas na Justiça do Trabalho e sofrer sanções, tanto multas administrativas como também reparações com danos morais", justifica o procurador regional Gérson Lima.

Os estabelecimentos podem ser condenados em ações coletivas ajuizadas tanto pelo MPT como pelos sindicatos patronais, sob o risco de penalidades variadas. "As multas por indenização de danos morais coletivos não têm uma fixação exata. Existem alguns parâmetros que são levados em consideração, como esse cometimento se deu, em que nível a responsabilidade da empresa ocorreu, qual o poder econômico que a empresa tem, qual a dimensão do dano que causou", detalha.

Efeitos

Cientes das orientações, empresas temem, agora, a saúde financeira dos negócios. O vice-presidente das relações trabalhistas do Sindicato dos Construtores do Ceará (Sinduscon-CE), Marcelo Pordeus Barroso, pondera que o desafio é tentar amenizar os efeitos da doença no setor. "A gente teme pelo desemprego e pela saúde financeira das empresas, porque elas vão deixar de arrecadar, de faturar, de receber as suas medições", lamenta o gestor.

O assessor jurídico do Sindicato de Restaurantes, Bares, Barracas de Praia, Buffets e Similares (Sindireste), Mário Bessa, considera como "inevitável que haja uma redução do público nos estabelecimentos", ainda que o setor esteja "preparado com boas práticas alimentares e de higiene". No entanto, o contexto de disseminação da doença aflige proprietários de empreendimentos de lazer. "Preocupa porque a maioria é de pequeno porte, conta com 10, 15 funcionários, e precisa de constante acúmulo de vendas para que o negócio gire. A reserva financeira não é grande o suficiente para aplicar férias coletivas para todo mundo durante este período de crise", adianta o advogado.

Conforme a gerente jurídica da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Natali Camarão, a precaução inicial é garantir a saúde do colaborador "porque é ele que dá a produção", mas é preciso pensar ainda na chance de executar medidas mais drásticas, como redução salarial.

"A própria CLT nos permite desde que haja uma negociação coletiva com os sindicatos e redução da carga horária. Provavelmente, as categorias possam ser afetadas, e isso seja necessário", ressalta a advogada Natali Camarão.

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Lei federal 13.979
Dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Isolamento
Conforme a norma, considera-se isolamento separação de pessoas doentes ou contaminadas ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postas.

Quarentena
Restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação, ou de bagagens, contêineres, meio de transporte ou mercadorias.

Medidas
Além das opções de isolamento ou quarentena, o trabalhador poderá se ausentar para realização de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, tratamentos médicos específicos, estudo ou investigação epidemiológica.

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