Moradores de bairros da periferia de Fortaleza formam redes de solidariedade
Em uma corrente de ajuda, grupos formados em bairros como Conjunto Ceará, Serrinha e Messejana se unem para doar refeições, cestas básicas e materiais de higiene para os mais necessitados durante a pandemia
A solidariedade pode ser praticada com quem está logo ao lado. Pensando nisso, grupos de moradores de diferentes bairros da periferia de Fortaleza têm se desdobrado para ajudar vizinhos, pessoas em situação de rua, desempregados e trabalhadores informais que estão passando por muitas dificuldades por causa da pandemia da Covid-19.
"Assim que foi decretado o afastamento das atividades não essenciais, nós sabíamos que ia afetar muita gente mesmo. Resolvemos fazer uma ação emergencial para arrecadar alimentos e materiais de higiene e ajudar os trabalhadores informais daqui do Conjunto Ceará", conta a motorista Juliana Rodrigues, 33, que se uniu a outros nove moradores do bairro para ajudar quem mais precisa. A partir da ação, os moradores passaram a fazer campanha para arrecadar doações por meio das chamadas redes sociais.
"Nos disponibilizamos, fizemos 'vakinha' virtual para montar as cestas de alimentos e kits de higiene básico, que muita gente não tem, como sabão e álcool em gel".
Utilizando o próprio carro, Juliana se une ao grupo e faz de oito a 10 entregas diárias de cestas pelo bairro. Segundo ela, 300 famílias já foram beneficiadas.
Além das cestas, marmitas e kits de lanches para crianças já foram repassados à comunidade, através do grupo. Juliana ainda comenta que, com a atitude, tem recebido, cada vez mais, chamados para ajudar bairros vizinhos.
"A gente queria mesmo era conseguir ajudar todos, mas o pouco que estamos fazendo está ajudando muita gente". Embora já atue em redes de solidariedade há oito anos, o monitor Israel Frota confessa nunca ter "trabalhado tanto na vida como nesse tempo de pandemia". Ele conta que todos os dias são entregues sopas e refeições em praças do bairro Serrinha e nos arredores do campus da Universidade Estadual do Ceará (Uece). "Vou para vários pontos do bairro que eu sei que tem moradores de rua ou pessoas em situação de vulnerabilidade mesmo", diz.
O grupo "Ame Cuidar", o qual Israel integra, é formado por oito pessoas e se utiliza de redes sociais para divulgar ações, arrecadar mantimentos e materiais de higiene. "Já conseguimos ajudar umas 100 famílias", conta o monitor, para quem o foco é ajudar aquelas famílias sem renda durante a pandemia.
"O vendedor de salgado do bairro, a mulher do churrasquinho, a pessoa que já estava desempregada e agora se vê em uma situação pior ainda, nós vemos a necessidade de quem tá passando pelo pior mesmo", descreve.
Já a faxineira Clebiana Barbosa, 38, está usando o período de quarentena para trabalhar em prol dos moradores da comunidade Parque Santa Rosa, no bairro Messejana.
"Eu e mais umas 15 pessoas fazemos essa divulgação de amigo em amigo, de outros bairros, para conseguirmos arrecadar para os nossos vizinhos daqui mesmo. Conseguimos dez cestas básicas, mas temos expectativas de conseguir muito mais", torce.
Aos domingos, a doação ocorre por meio da entrega de sopas nas ruas da comunidade para as pessoas em situação de rua. "Nós buscamos amenizar a fome deles, mesmo com o pouco que a gente tenha para dar", pontua.
Mortes por Covid-19 em Fortaleza
Gratidão
Juliana, Israel e Clebiana, assim como outros cearenses, levam carinho e atenção a centenas de famílias em situação de vulnerabilidade. Eles são elos de uma corrente cada vez mais fortalecida. A cesta básica e o sopão representam o amor solidário ao outro.
"Não é só oferecer alimentos e outras necessidades básicas, nós damos esperança de que tudo vai ficar bem e que essa situação é passageira. Que o vírus passe, mas que o sentimento de solidariedade e empatia com o outro fique", conta Juliana, em sentimento compartilhado com Israel.
"Sinto que Deus me deu essa missão, por tudo que já passei de dificuldade na minha vida. Já enfrentei câncer, já passei pelo pior, como muitas dessas pessoas que ajudamos. Então, eu vou mesmo para as ruas, corro atrás de doações, mesmo sendo até do grupo de risco da Covid-19", comenta emocionado Israel.
Clebiana, por sua vez, não consegue descrever a sensação de ajudar, mesmo que seja com pouco. "Eu sou pobre, mas sou uma pessoa do coração bom, que adora ajudar o próximo. Eu, de verdade, me sinto feliz e realizada por poder ajudar. É maravilhoso".