Microcefalia: dificuldades para acesso a creches persistem

A ida de crianças com necessidades especiais aos Centros de Educação Infantil da Capital depende da presença de cuidadores. Os profissionais, porém, podem até existir, mas a falta de preparo é obstáculo que persiste

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

Já faz dois anos e dez meses que a rotina da dona de casa Eliseuda Lima, 35, se divide entre vários equipamentos de saúde. O tempo é a idade de Sofia, que nasceu com microcefalia em decorrência da Síndrome da Zika Congênita, e requer atenção integral da mãe - única opção de cuidado, já que não conseguem vaga em uma unidade educacional do Município.

"Eu já fui atrás, mas disseram que eu tinha que ficar na fila de espera. Além disso, não tinha uma pessoa pra cuidar, eu precisaria passar o dia todinho com ela na creche", relata Eliseuda, lembrando ainda que "disseram que criança especial só fica deitada ou nos braços". Se for assim, ela fica em casa e eu mesma cuido".

A insegurança sobre os cuidados especiais que a filha exige também foi um fator que a fez desistir de buscar uma vaga. "Pra colocar numa creche, tenho que ter a certeza que vão cuidar e tratar bem. Tem que ter muita paciência pra alimentar na hora certa, porque ela não tem mastigação perfeita. Para dar água, engasga. Eu penso em botar, mas, ao mesmo tempo, desisto".

Cuidados

Para a dona de casa Iolanda Araújo, 26, conseguir uma vaga para o filho no Centro de Educação Infantil Rachel de Queiroz, na Barra do Ceará, não foi garantia de que Alexssander, de 2 anos e 11 meses, teria acesso à educação inclusiva - mesmo depois de insistir por dois meses para conseguir a matrícula e uma cuidadora para o pequeno. "Ele tá matriculado desde o começo do ano e tem cuidadora lá pra ficar com ele, mas só levei umas cinco vezes. Porque preciso ir e passar uma semana inteira, todo dia, pra orientar ela sobre remédio, como alimentar ele e trocar fralda".

Por ter outro filho pequeno, de 6 anos, a dona de casa "não tem como deixar ele sozinho", ficando impossibilitada de cumprir o procedimento e levar Alexssander para a creche. "Como nós somos mães, ficamos inseguras, né? Porque a gente é que sabe como cuidar das necessidades deles. Eu já falei com a diretora e ela disse que eu desse um jeitinho, no próximo ano. Vou ver se fico essa semana que eles pedem, mesmo levando o outro de 6 anos junto", projeta.

A dona de casa Sara Sousa, 23, enfrentou problema semelhante com Jennifer, de dois anos e sete meses: conseguiu vaga e cuidadora, mas a assistência era de fachada. "A cuidadora era pra Jennifer e mais duas crianças, e totalmente despreparada. Tentei explicar como cuidar da minha filha, mas ela não se motivou a aprender, disse que não tinha segurança pra isso e não chegou sequer a pegar ela no colo", descreve.

A vaga que conseguiu, então, foi abandonada. Segundo Sara, a creche chegou a ligar para saber o motivo da evasão, mas mesmo depois de a dona de casa explicar as razões, nada foi feito. "Fiquei chateada, porque eu dei um laudo bem específico sobre as necessidades da Jennifer. Isso prejudica, porque eu via ela prestando atenção nas outras crianças, via o desenvolvimento dela", lamenta.

Obrigação

O neuropediatra do Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (Nutep), Lucivan Miranda, avalia que a inclusão das crianças com microcefalia no ambiente escolar "seria extremamente positiva para o desenvolvimento", mas reconhece as limitações. "Apesar de a Lei Brasileira de Inclusão ser antiga, na prática não acontece de maneira regular, principalmente em relação às crianças com microcefalia. Elas são muito comprometidas do ponto de vista motor, têm deficiências cognitivas ou paralisia cerebral, e poucas falam ou caminham sem ajuda".

De acordo com a Defensoria Pública Geral do Estado, cerca de 40 famílias entraram com procedimentos administrativos, no ano passado, solicitando um cuidador na escola para alunos com deficiência. Em 2018, até agosto, o núcleo já havia contabilizado 17 novos pedidos, sendo esta uma das principais demandas que chegam ao Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC).

"Inicialmente, pedimos toda a documentação e um laudo médico que indique qual é a necessidade da criança: se não come sozinha, não anda, precisa de cadeira de roda, de quem troque a roupa... Cada tipo de deficiência tem uma especificidade. Depois, marcamos uma audiência com a Secretaria Municipal de Educação (SME). Normalmente, nossas demandas são atendidas", explica a defensora pública do NDHAC Nelie Marinho.

A defensora ressalta ainda que, em geral, não é preciso ingressar com uma ação contra a gestão municipal. Atualmente, informa a Secretaria Municipal de Educação, cinco alunos com microcefalia estão matriculados em Centros de Educação Infantil situados em Fortaleza.

Apoio

Até 2014, aponta a Pasta, "a rede municipal tinha 15 profissionais de apoio escolar, número que totaliza hoje 234 profissionais lotados nas escolas para o acompanhamento dos alunos com deficiência". Cada um dos profissionais atende até três alunos.

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