Meninas vendem o corpo

Escrito por Redação ,
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Garotas de 12 a 16 anos afirmam que se prostituem do fim de tarde até a madrugada e ganham 200 reais por dia

O problema da exploração sexual de crianças e adolescentes ainda faz parte da rotina da Capital cearense e não há perspectiva de que essa mazela social desapareça, pelo contrário, tende a se consolidar. Apesar de diversas campanhas e atividades nacionais, estaduais e municipais combatendo a prática, é cada vez mais comum ver meninas oferecendo seus corpos nas ruas e avenidas de Fortaleza.

Algumas esquinas do Centro ou das periferias já se tornaram pontos fixos para as garotas se insinuarem aos motoristas ou pedestres. A ousadia é tanta que elas chegam a mostrar os seios e até o bumbum a quem passa, sem nenhum pudor.

Nas avenidas Historiador Raimundo Girão e Abolição, na Praia de Iracema e Meireles, meninas dividem espaço com mulheres e travestis na movimentada noite do bairro. Circulando pelas vias não é difícil flagrar as adolescentes debruçadas sobre táxis, acenando para os carros ou provocando turistas nas calçadas.

Ao perceberem o carro da equipe de reportagem, elas viram as esquinas e correm pelas ruas secundárias, se escondendo rapidamente. Os possíveis clientes que conversavam com elas se afastam da esquina com tranqüilidade, disfarçando ou nos encarando com os olhos de reprovação de quem acaba de perder um bom negócio.

Na Avenida Presidente Costa e Silva, no Jangurussu, entre a Estrada do Itaperi e a Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, a ousadia é ainda maior. Dezenas de adolescentes se revezam, em plena luz do dia, num jogo exibicionista que chama a atenção dos motoristas, que sempre buzinam ou acenam ao passar pelo local.

Com a chegada da equipe de reportagem do Diário do Nordeste, algumas dessas meninas correm para se esconder em terrenos baldios, mas três delas não se importam com nossa presença e não aparentam nenhum incômodo em falar sobre suas vidas. D.C.L.C, 16 anos, é a mais velha e mais comunicativa do grupo e diz que começou a fazer programas porque soube que uma amiga fazia e arriscou fazer o mesmo. “Comecei há mais ou menos um mês. Eu chego aqui no fim da tarde e fico até 5 horas da manhã. Normalmente volto pra casa com 200 reais”, revela com naturalidade.

Suas colegas, B.K.F, 12, e J.S.P, 14, reforçam as afirmações e dizem que, por noite, fazem de cinco a oito programas. “O preço varia. Vinte reais é o sexo oral e pra fazer sexo é 50. Só não fazemos por trás”, dizem as meninas, absurdamente à vontade, como se descrevessem brincadeiras infantis.

Novamente D.C.L.C. conduz a conversa, afirmando que todas ali usam preservativos. “Nós não somos nem doidas de querer pegar uma Aids. As mais velhas nos ensinam as coisas boas e ruins. A gente está aqui porque quer. A polícia passa e manda a gente pra casa, mas ninguém obedece. O Ronda já me botou no carro pra me levar pra casa, mas dei o endereço errado e voltei”.

A adolescente diz que mora no Conjunto Palmeiras, apenas com a avó, já que os pais foram mortos há quatro anos. “Morávamos eu, meus irmãos e minha vó, que é doente. Agora somos só nós duas porque um irmão morreu e o outro está preso. Eu que sustento a casa”, afirma.

“Nós não abandonamos a escola. Eu estou no 2º ano do Ensino Médio e quase não falto às aulas. Com o dinheiro que ganho, posso comprar minhas coisas, meu xampu, minha saia, tudo o que eu quero”, explica D.C.L.C.

COMBATE
Cresce o número de denúncias

As denúncias de exploração e abuso sexual contra crianças e adolescentes em Fortaleza cresceram 480% no ano passado. Além disso, por ter liderado o número de denúncias desse tipo de crime durante o Carnaval do ano passado, a Capital cearense foi escolhida para o lançamento da Campanha Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Carnaval deste ano. Apesar de todo o alerta e da mobilização do poder público, o problema parece não diminuir.

Somente em 2008, o Diário do Nordeste abordou o tema duas vezes, em janeiro e fevereiro, mostrando meninas se oferecendo nas ruas e avenidas, detalhando os programas de apoio e recuperação às vitimas da exploração e atentando para o crescente número das denúncias, em todo o Estado.

Foram ouvidos representantes das entidades governamentais que trabalham a problemática, como a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), ligada à Presidência da República, além da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa) e Fundação da Criança e de Família Cidadã (Funci).

Todos avaliam que o Ceará é líder no enfrentamento ao problema e que as denúncias são um fator positivo. Significam que a população está mais incomodada com a situação. Mas ainda percebe-se que cresce o número de meninas se vendendo e a exibição dos corpos acontece com mais ousadia. O que há de errado, então? Falta investimento? As ações são insuficientes? Os envolvidos não são punidos? Só é concreta a indignação de quem se cansou de ver as garotas nas ruas.

Para mudar a realidade das crianças e adolescentes vítimas de exploração e abuso sexual em Fortaleza, existem iniciativas do poder público que mantém espaços de acolhimento e recuperação das vitimizadas. Funcionam, hoje, a Rede Aquarela, o Espaço Aquarela-Serviço Sentinela, o Programa Ação Integrada e Referencial de Enfrentamento (Pair), ações e campanhas sazonais integrando as três esferas governamentais e até uma escola de estilismo formada por vítimas, a Estilo Solidário.

As crianças e adolescentes recebem atendimento psicossocial, são encaminhadas a redes de atenção, ingressam em rotinas educativas, recebem nutrição, retornam ao convívio familiar e comunitário e são acompanhadas juridicamente.

Para denunciar casos de exploração ou abuso sexual de crianças e adolescentes em Fortaleza basta ligar para os seguintes números: 0800.2802808, 3101.2044 (Dececa) e o 100 (nacional).

CONHEÇA A LEI

Legislação

Quem se envolve com a exploração sexual de crianças e adolescentes está infringindo duas legislações:

Artigo 228 do Código Penal Brasileiro - Favorecimento da Prostituição
Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. Se a vítima for maior de 14 e menor de 18 anos, ou se o agente é seu parente, a pena passa a ser reclusão de três a oito anos. Se o crime é cometido com emprego de violência, ou ameaça, a reclusão é de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência. Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Artigo 244-A do ECA
Submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de quatro a dez anos, além de multa.

GUTO CASTRO NETO
Repórter

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Ações do poder público são limitadas

Carlos S. V. dos Anjos Júnior
versiani@ufc.br
Sociólogo e antropólogo

Não podemos considerar que os programas de combate e enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes sejam ineficazes. O problema do abuso infantil em Fortaleza ainda existe porque as ações do poder público ainda são muito limitadas. Acredito que até existe a boa vontade dos órgãos que atuam nessa área, mas falta a parte prática, as ações devem sair da burocracia. Esses programas deviam acompanhar o cotidiano noturno dessas garotas.

Apesar de haver programas sociais como o Bolsa Família, nós enfrentamos o empobrecimento e a falta de perspectiva de futuro nas comunidades das periferias da cidade. Falta investimento público em educação e trabalho e a geração dessas meninas que vemos nas ruas se prostituindo não tem perspectivas de como sobreviver. Não existem escolas públicas em tempo integral, que poderiam ocupar todo o dia das crianças.

Para agravar esse panorama, hoje, presenciamos a inoperância da família como controladora social. As famílias não têm mais como controlar as crianças. Assim, essas meninas da periferia, que têm a necessidade de conseguir dinheiro, procuram a prostituição como alternativa. É nesse momento que aparecem muitos oportunistas. Taxistas, recepcionistas de hotéis e até policiais se aproximam das garotas para sair ganhando alguma coisa.

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