Medida Provisória pode aumentar tarifa de água no CE

Segundo especialistas, a MP nº 844 ameaça a universalização do saneamento básico e pode elevar os preços

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,
Legenda: De acordo com a Cagece, somente 41,7% dos 151 municípios atendidos pela empresa possuem acesso à rede. Em Fortaleza, é de 62%
Foto: FOTO: SAULO ROBERTO

Ter acesso a água potável nas torneiras e uma coleta de esgoto adequada, que mantenha as condições mínimas de higiene de casa, pode ser comum a moradores de zonas centrais de Fortaleza e da Região Metropolitana (RMF) - mas para muitas regiões periféricas e do Interior do Ceará, a rotina é conviver com a falta. A distante universalização do acesso ao saneamento básico nesses locais, aliás, pode estar posta em xeque pela Medida Provisória nº 844, que visa alterar o marco legal do assunto no País - o que, segundo especialistas, pode elevar os preços das tarifas no Estado do Ceará.

Na manhã de ontem, representantes de entidades ligadas ao setor, sindicatos e agências reguladoras se reuniram para discutir os pontos positivos e negativos da proposta, publicada no Diário Oficial da União em 9 de julho deste ano.

De acordo com o texto, a MP tem "o objetivo de garantir maior segurança jurídica aos investimentos no setor de saneamento básico e aperfeiçoar a legislação de gestão dos recursos hídricos e a de saneamento básico, assim como a interação entre as políticas públicas dessas duas áreas". A repercussão na realidade, porém, segundo analisa o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes/CE) e professor de Engenharia Ambiental e Sanitária do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Humberto de Carvalho Júnior, poderá ser diferente e prejudicar o Interior.

"É um processo de privatização do setor de saneamento básico, mais uma facada na população mais carente. Hoje temos a tarifa social para os mais pobres, e essa MP vai fazer com que os preços disparem, todos vamos pagar mais", prevê, ressaltando ainda que a medida deve por fim ao chamado "subsídio cruzado", por meio do qual "a Cagece consegue botar água e esgoto em cidades pequenas e na periferia".

"As companhias de água e esgoto do País rateiam (dividem proporcionalmente) os custos para manter o sistema funcionando. Em municípios pequenos, como Banabuiú, por exemplo, o custeio é tão elevado que os usuários não conseguem pagar a conta, e a Capital e os municípios maiores compensam. O fim do subsídio obriga que as companhias mantenham o sistema nessas cidades sem lucratividade, e isso faz com que elas não consigam bancar", explica.

As consequências da falta de água tratada e de esgotamento, como ressalta Júnior, incidem principalmente sobre a saúde pública. "O grande problema é a questão social. Não tem nenhum benefício pra população."

No Ceará, a cobertura de coleta e tratamento de esgoto ainda engatinha para chegar a todos os locais: de acordo com a Companhia de Água e Esgoto do Estado (Cagece), somente 41,7% dos 151 municípios atendidos pela empresa possuem acesso à rede, número que chega a 62% em Fortaleza. Em 2017, os números eram, respectivamente, 40,98% e 58,53%, mostrando um avanço a passos lentos.

Desafios

Para o presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR), Fernando Franco, "o Brasil tem muito o que evoluir" e "é necessário, sim, mudanças no setor de saneamento básico, resolver os déficits" - mas não é possível estabelecer os mesmos parâmetros para todo o País. "As circunstâncias do Nordeste são muito diferentes do Sudeste, por exemplo. O fim dos subsídios cruzados pode funcionar lá, mas achar que vai dar certo aqui é uma loucura. O Ceará e o Nordeste nunca vão universalizar o saneamento assim", alerta, defendendo, porém, o aumento da tarifa. "A tarifa precisa ser revista. A água ainda é muito barata aqui. Para quem não tem condição, mantém-se a tarifa social. Mas que tem deve pagar".

No Ceará, segundo a Cagece, cerca de 232 mil clientes pagaram a tarifa de contingência na conta de água, de janeiro a junho deste ano - totalizando R$ 51 milhões de arrecadação. Desse total, "aproximadamente R$ 22 milhões foram destinados a tributos, restando R$ 29 milhões utilizados exclusivamente em ações de convivência com a seca". A Cagece declara que "o valor arrecadado pela tarifa é investido em medidas emergenciais para evitar colapso no abastecimento na Região Metropolitana e em obras de segurança hídrica", como ações de combate às fraudes de água na rede, retirada de vazamentos e melhorias nos sistemas de abastecimento. No último mês de junho, informa a companhia, "o volume de água consumido por ligação foi de 10,6 metros cúbicos".

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