Margens do Rio Ceará apresentam contrastes

Escrito por Redação ,
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De um lado, expressivo desenvolvimento; o outro, apesar de ainda preservado, não conta sequer com coleta de lixo

Num breve passeio de barco no Rio Ceará, para fazer a travessia de uma margem a outra que liga Fortaleza a Caucaia, fica claro o contraste entre os dois lados. Enquanto um concentra expressivo desenvolvimento, com construções, transporte público de fácil acesso e atividades esportivas e culturais; o outro, apenas algumas barracas e atividades tradicionais, como a pesca. Mas um fator em especial chama a atenção: a enorme quantidade de lixo acumulado nas margens. E o mais grave, não existe, por parte da Prefeitura de Caucaia, nenhuma espécie de coleta de lixo.

É o que denunciam moradores. "Aqui é o coração de Caucaia, é a entrada do município. É um ponto turístico que poderia ser visto com olhar mais atento pelo poder público. Não temos coleta de lixo. Uma praia belíssima e riquíssima dessas, mas por outro lado tão suja", lamenta Ernani Fernandes, 42, que há sete anos trabalha numa barraca improvisada às margens do Rio Ceará, praticamente no encontro com o mar.

Antes mesmo da inauguração da Ponte do Rio Ceará, há 13 anos, ir para outra margem do rio já era passeio preferido de muitos moradores. Com a inauguração da ponte e a facilidade de acesso, a opção de lazer cresceu. Mas, entre trabalhadores e visitantes, a principal reclamação é com relação ao lixo. Seu Ernani relata que na falta de uma pessoa para fazer a coleta, a opção que resta é aos barraqueiros é eles próprios recolherem os resíduos.

"A gente limpa tudo, cava um buraco na duna e enterra. Mas em tempos de maré grande isso acaba. Fica tudo submerso", conta o barraqueiro. A prática deixa um alerta de poluição às margens do rio. Como alternativa, seu Ernani sugere que a Prefeitura de Caucaia coloque, pelo menos três vezes por semana, garis para "darem uma geral". Ou, que fixe um container e uma vez por semana recolha o lixo. "O lazer que a gente tem é esse, pescar e curtir debaixo da barraquinha. Muita gente tira o sustento da pesca, o rio é muito rico nesse ponto".

Tradição

O barqueiro e pescador Henrique Barbosa da Silva, 56, nascido e criado na Barra do Ceará, lembra que iniciou em 1975 sua atividade como barqueiro. Ele diz que dos 54 barquinhos que havia antigamente, apenas 13 restaram. "Muitos desistiram. Teve uma queda muito grande no movimento com a inauguração da ponte", justificou seu Dantas, como é mais conhecido.

O pescador, que tira todo seu sustento do rio, lamenta que as dunas, na margem do lado de Fortaleza, estejam tomadas por favelas. Com elas, veio a violência. "Daqui eu gosto de tudo, do meu trabalho, do lazer, de tomar um banho de rio. Gostaria que o pessoal da favela jogasse o lixo para o lado de lá, e não para o rio. É uma desumanidade o que estão fazendo. O rio é vivo que nem nós", afirma o experiente pescador, explicando que o lixo que engancha no manguezal prejudica os crustáceos.

Recordações

Com olhar cheio de lembranças, a dona de casa Luciene Rodrigues, 52, estava ontem no pier do Rio Ceará, contemplando a paisagem. Ela cresceu no bairro, mas durante 20 anos morou em São Paulo e recentemente retornou para cuidar da mãe. "Olho para esse rio e lembro da minha infância, quando eu pescava; e da minha adolescência, dançando no Clube de Regatas", recordou. A ponte de Rio Ceará veio quando morava na capital paulista. "É uma imagem diferente, bonita de se ver. Mas quando a gente observa debaixo da superfície é triste. Não adianta ter um lugar tão bonito, mas tão violento", questionou a moradora.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Caucaia nega que não exista coleta de lixo e diz que ela é feita sistematicamente as terças, quartas e sábados. Além disso, informa que há um compactador fixado na orla, onde é feito o remanejamento em grande escala do lixo mais grosseiro que vem do Rio Ceará.

LUANA LIMA
REPÓRTER

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
É preciso ação eficaz para recuperar o Rio

Jeovah Meireles
Geólogo e professor da UFC

Ao invés de termos um local ideal para o mangue crescer, o que temos é uma enorme quantidade de garrafas pets. A entrada e saída da maré faz com que esse lixo seja levado para outras praias, afetando também a bacia do Rio Ceará. Essa ação acaba gerando a necessidade de uma política pública mais eficaz de coleta de lixo. Esses resíduos contaminam a praia, a areia, o lençol freático, o que acaba atraindo parasitas, podendo gerar problemas de saúde pública. Por isso é necessário uma ação eficaz e conjunta para recuperar as margens do rio, identificar os locais de acúmulo de lixo para retirada e recuperação desse manguezal. São ecossistemas extremamente frágeis, mas muito importantes para a biodiversidade e para a pesca. O Rio Ceará tem importância histórica, por causa do crescimento da cidade, com presença da etnia indígena Tapeba, cultural, ecológica, ambiental e simbólica para Fortaleza e para o Estado, devido a sua biodiversidade.
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