Mais de 7 mil imóveis do 'Minha Casa Minha Vida' estão inacabados no Ceará

Três unidades do programa habitacional em Fortaleza estão com obras paralisadas, sem contrato, estagnando o déficit de moradias na cidade e afetando a segurança e a saúde de quem vive ao redor

Escrito por Redação ,
Legenda: Moradores do José Walter comparam o Residencial Cidade Jardim a um bairro fantasma
Foto: Foto: Rodrigo Gadelha

José vive num barraco de pano e papelão embaixo de um viaduto de Fortaleza, exposto a chuva e vento dia e noite, em plena Regional II, a mais rica da cidade. Jesus, na Regional VI, uma das mais pobres, fez da rua sua casa há décadas. No Centro, então, nem se fala: quando a lua levanta, centenas de Marias e Joãos deitam no chão das praças. A realidade de quem não tem teto é dura e revolta: ainda mais quando se contabiliza 7.065 imóveis do Minha Casa Minha Vida inacabados no Ceará.

De acordo com a Secretaria das Cidades, 12 empreendimentos com participação do Governo do Estado estão com conclusão pendente, somando as mais de 7 mil residências a serem disponibilizadas para famílias cearenses.

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do total de imóveis inacabados são em Fortaleza e 412 em municípios do Interior. Cerca de 28 mil pessoas devem ser beneficiadas ao fim das obras.

As construções dos residenciais começaram entre 2012 e 2018, de modo que a implantação de parte delas já se arrasta por quase sete anos. Segundo a Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão dos contratos de alguns dos empreendimentos, três unidades do programa habitacional no Ceará estão com obras paralisadas e "com edital em andamento para a escolha de nova construtora". A previsão, estima a instituição, é que o processo de contratação termine ainda no primeiro semestre de 2019.

Abandono

As três estruturas mencionadas são os módulos III, IV e V do Residencial Cidade Jardim, no José Walter, e podem ser comparadas, atualmente, a um grande bairro fantasma - com direito a ruídos e gritos misteriosos à noite. "Quando eu venho da igreja, às 21h, morro de medo. É um perigo, porque os criminosos roubam o pessoal e vêm se esconder aí. Fazem de tudo aí dentro", aponta a aposentada Maria José de Almeida, 75, moradora do bairro há 15 anos, tendo assistido ao início da construção dos prédios: em 2012.

As paredes dos quatro andares de cada residencial foram todas erguidas, nos 55 blocos. Algumas tubulações de água também estão lá, mas compõem um cenário de abandono, despertando a sensação de que grande parte do dinheiro gasto ali já foi perdida. Mais de seis anos depois do início das obras, os 880 apartamentos, que poderiam beneficiar cerca de 3.500 pessoas (conta da Secretaria das Cidades), só abrigam um matagal alto, repleto de lixo de todas as naturezas - entulho, restos de comida, colchões velhos, preservativos e até revistas de conteúdo pornográfico.

Além das ameaças à segurança pública, o representante comercial Carlos Freitas, 60, alerta para outro efeito negativo da obra abandonada. "As pessoas se preocupam com o perigo visível, mas esquecem do invisível. O maior problema está ligado à saúde pública, ao risco de doenças. Se tirar esse matagal, tem muito lixo. Os casos de calazar, gripe e dengue só aumentam, aqui", reclama o morador.

Em obras

Outros três residenciais cujas obras ainda estão inconclusas ou nem sequer foram iniciadas são o Alto da Paz II, no bairro Vicente Pinzón; e Luiz Gonzaga I e II, no Ancuri. Sobre o primeiro, um funcionário que preferiu não se identificar confirmou que um imbróglio no repasse de verbas da Caixa à construtora responsável tem causado maior lentidão na finalização de cerca de 1.100 unidades. Ele negou, porém, que qualquer uma esteja com obras paradas.

Já o Luiz Gonzaga I, que conta com aproximadamente 1.120 residências, está em obras desde 2015, tendo entrega prevista para dia 7 de abril. Vizinho ao residencial já completamente erguido e parcialmente equipado está o espaço onde deveria ter sido iniciado o Luiz Gonzaga II - o que se vê, entretanto, é apenas o terreno repleto de vegetação, sem previsão alguma para ser ocupado pelos apartamentos.

A morosidade para a conclusão de obras como essas, voltadas à população mais carente de teto e de tudo, já parece ser padrão. Tanto que ecoa livre no discurso descrente de qualquer cidadão, e se acentua na empatia de quem já conseguiu um lugar, por sorte ou persistência. É o caso da dona de casa Eliade Alves, 54, que deixou a área de risco onde vivia no bairro Castelão para ocupar uma das unidades habitacionais do Cidade Jardim. "Já vivo aqui há sete meses, e é uma bênção. Tiraram a gente de lá por causa do perigo, principalmente na chuva".

Hoje, ela "só paga água e luz, e ainda é um absurdo", mas, ao olhar para a frente de casa e enxergar centenas de apartamentos inacabados, prefere mesmo é agradecer. "Tem gente que ainda não conseguiu, muita gente por aí sem casa, né?"

Em nota, a Caixa declarou "está atuando para tratar deste e outros casos de empreendimentos com obras paralisadas, a partir da criação de um grupo de trabalho específico". O banco informou ainda que o programa está passando por mudanças junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional com objetivo de corrigir situações críticas. 

"Esclarecemos que todos os procedimentos necessários foram feitos: negativação das construtoras, chamamentos públicos de concorrências via DOU, etc", completou a Caixa, que disse estimar um prazo de 24 meses para que "todos os procedimentos legais e de obras estejam finalizados".

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