Maioridade é desafio para jovens egressos de abrigos

Inseguranças e falta de estrutura e apoio aguardam adolescentes na porta de saída dos acolhimentos

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,

Para muitos, é a hora de começar a dirigir, sair sozinho, entrar em festas, votar por dever. Para outros tantos, completar 18 anos é sinônimo de apreensão: com vínculos familiares quebrados ou inexistentes, adolescentes que chegam à maioridade em instituições de acolhimento esbarram em inseguranças e falta de estrutura e apoio na porta de saída. Projetos governamentais e privados tentam, mas promover autonomia plena aos egressos é desafio constante.

Leia também:

> 'Atuação do Município é ínfima'

De acordo com o supervisor do Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij) da Defensoria Pública Geral do Estado, Adriano Leitinho, as principais vulnerabilidades que levam crianças e adolescentes a viverem em abrigos são "abandono pela família, maus tratos, abusos físicos e sexuais, exploração de trabalho infantil e pais adictos a drogas". Além disso, a ausência de família habita à sombra de centenas de infantes que não conseguem adoção nas 115 entidades de acolhimento do Ceará, contabilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Atualmente, das 263 crianças e adolescentes no Estado registradas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), 12 têm idade igual ou superior a 17 anos e apenas quatro delas estão vinculadas a pretendentes. Apesar disso, o número de adoções de adolescentes às vésperas da maioridade cresceu nos últimos três anos: em 2015, foi realizada uma; em 2016, três; ano passado, sete; e, neste ano, mais sete ganharam novas famílias aos 17 anos de idade.

Preconceito

O progresso, porém, não é proporcional às perspectivas de J.R., 16, que vive em abrigos desde os 9 e, agora, baseia o futuro na autonomia de que precisa para os 18, sem pai (preso) nem mãe (morta). Ele é um dos 17 acolhidos pelo Abrigo Renascer, em Fortaleza, co-administrado pela Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) e por uma ONG; e trabalha por meio do programa Jovem Aprendiz - "para juntar dinheiro e morar com os irmãos".

"Quero muito ficar efetivado, mas meu medo é que ninguém me aceite por ter vivido em abrigos, me tratarem diferente, sabe?", assume. A insegurança pela vida pós-abrigo é compartilhada com N.M., 17, órfão desde os 11. "Não aguento mais viver em acolhimentos, mas não me sinto preparado pra sair. O que me dá mais medo é o preconceito, por eu não ter família. Aqui, tenho proteção. Lá fora, tenho que me virar", estremece N.M., que vê na Educação para Jovens e Adultos (EJA) e no dinheiro que junta do estágio em um hotel a esperança de se erguer ao perder abrigo - o que, de acordo com a orientadora da Célula de Atenção à Alta Complexidade da STDS, Rita de Cássia, não ocorre de forma indiscriminada.

"Muitos chegam aqui sem letramento, mas têm que criar autonomia através do trabalho e da escolarização. O abrigo é até 18 anos, mas é desumano dizer que precisam ir embora. Então, às vezes, eles ficam mais um ano e meio, até conseguirem independência. Quando saem, as equipes técnicas acompanham por até seis meses", explica.

Conforme a STDS, 16 adolescentes participam do Projeto Abrigar, Termo de Cooperação entre iniciativa privada, Superintendência Regional do Trabalho e Poder Judiciário que "estabelece estratégias e ações de formação profissional aos adolescentes e jovens acolhidos".

O promotor de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Ceará (MPCE) Luciano Tonet ressalta que "as entidades devem, conforme preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), preparar o adolescente para o desligamento gradativo e trabalhar a autonomia deles", mas aponta a falta de apoio às equipes técnicas e a omissão do poder municipal como fraquezas do processo, fiscalizado pelo MPCE.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.