Mães de luta: rotina e persistência após o diagnóstico de microcefalia

As famílias das crianças nascidas desde outubro de 2015 falam também sobre as dificuldades encontradas no dia a dia

Escrito por Redação ,
Por trás dos 127 casos de microcefalia confirmados no Ceará desde outubro de 2015, época de surto da doença no Nordeste devido ao vírus zika, permanecem as histórias das famílias que tiveram as vidas modificadas. Se no início, o diagnóstico resulta em um impacto emocional, o passar dos dias traz a vontade de lutar pela qualidade de vida. A cada conquista dos bebês nos tratamentos, os familiares ganham força para continuar a acreditar no futuro das crianças. 
 
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A chegada de um bebê com o sistema nervoso comprometido devido à má formação cerebral impactou a vida das mães Cristiane Gaspar, Patrícia Paiva, Tereza Oliveira e Samara Cícera. Os momentos das descobertas da doença dos filhos se diferem. Em comum, sobram histórias de amor entre as mulheres que demonstram uma contínua vontade de viver para acompanharem as conquistas dos filhos.
 
Entre sorrisos e respostas a estímulos, as falas das mães se assemelham quanto à evolução dos pequenos. Registros das brincadeiras dos primeiros quatro meses de Rayan Miguel Feitosa é o que não falta na família de Tereza Raquel Alves de Oliveira, 27. “Tudo que ele faz eu fotografo ou filmo”, conta. 
 
Mesmo realizando o pré-natal regularmente, Tereza só descobriu que Rayan tinha microcefalia dias antes de dar à luz. “Primeiro, soube que tinha uma alteração nos ventrículos. Perto de nascer, soube da microcefalia. A gente chorou junto. A gente imaginava ele seguindo a profissão do pai, que é professor de Jiu Jitsu. Mas ficamos numa boa”.
 
De outubro a dezembro de 2015, segundo o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa) no dia 12 de julho de 2016, foram notificados 230 casos de microcefalia e alterações do sistema nervoso central sugestivos de infecção congênita; 52 casos foram certificados. Neste ano, houve 295 registros, e 75 confirmações. Um dos casos microcefalia com relação ao vírus zika foi o de Maria Kauany Castro. Prestes a completar quatro meses de gestação, Samara Cícera Arraes de Castro descobriu que estava com zika. Na mesma época, o exame de ultrassom morfológica realizada no Hospital César Cals revelou a má formação cerebral. “Tudo foi em outubro. No começo, eu tinha medo”, lembrou.
 
Tratamento 
 
Hoje, mãe em tempo integral, Samara conta que Kauany, de três meses, é muito ativa. A rotina de constantes idas aos hospitais faz com que Samara veja evolução no tratamento da filha: “Fui para o hospital durante a semana todinha. Ela melhorou e quero que continue”. Conforme a Sesa, o César Cals é referência em maternidade de alto risco. De outubro de 2015 até maio de 2016, 36 crianças nasceram com microcefalia no local. A Pasta ressalta que na cidade o Hospital José Martiniano de Alencar, Hospital São José, Maternidade Escola Assis Chateaubriand, Hospital Geral de Fortaleza e o Hospital Infantil Albert Sabin também estão aptos para, inicialmente, receberem essas crianças e darem o devido encaminhamento. 
Atualmente, o Hias atende 76 casos de microcefalia já confirmados e, com exceção de um, todos foram causados por zika. Antes do surto de microcefalia no Ceará, o hospital infantil recebia, anualmente, de três a quatro crianças com a doença. 
 
De acordo com o levantamento feito na instituição, o maior número de bebês com microcefalia foi recebido nos meses de novembro e dezembro de 2015. No entorno destas datas, nascia Arthur Gaspar. A mãe, Cristiane Nunes Gaspar, conta que teve o filho em um hospital do Interior do Estado, e ambos foram liberados sem o diagnóstico.
Ela lembra que chegando em casa, assistiu a uma reportagem sobre o surto da doença. Foi quando olhou para o filho e suspeitou. “Fiquei pensando e fui aos médicos. Eu me senti culpada, achei que tivesse feito algo errado na gravidez, mas minhas ultrassons não acusaram. Quando descobri, fui para o Albert Sabin e ele começou a ser atendido. Agora, está na estimulação precoce”, disse Cristiane.
 
Em Fortaleza, o Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (Nutep) e o Centro de Neurorreabilitação Sarah Fortaleza são referências na reabilitação de pacientes com microcefalia. Sobre a importância do início imediato da estimulação precoce após o diagnóstico, a fisioterapeuta do Sarah, Andréa Vendruscolo, ressalta que o cérebro da criança está em constante desenvolvimento nos primeiros anos de vida. “A alteração neurológica pode deixar deficiências motoras e cognitivas. Mas mesmo tendo essa lesão, outros neurônios podem se comunicar entre eles e se desenvolver”.
 
Desde novembro de 2015, o Sarah Fortaleza acolheu 83 bebês com microcefalia (36 de Fortaleza e 47 de outras localidades). Destes, 45 são com suspeita de infecção pelo vírus zika. Para o agendamento da primeira consulta não é preciso que a família seja encaminhada de outro hospital. Basta entrar em contato por meio do site. Hoje, conforme levantamento da Rede, 79% dos atendimentos na sede de Fortaleza são de pacientes do Ceará. Seguidos por 17% provenientes do Rio Grande do Norte.
 
A pediatra da unidade, Juliana Albuquerque da Rocha, ressalta que o instituto está preparado para acompanhar o paciente durante a vida inteira. “O cérebro da criança se desenvolve intraútero. Durante a gravidez, o que deve ser feito por essa criança é dar muito amor. Com o tempo as demandas mudam”.
 
Família
 
No Sarah, enquanto acompanhava a sessão de estimulação, Patrícia de Paiva Peixoto, mãe do Lorenzo Peixoto, de sete meses, contou que tudo ainda é novo para ela, o marido e os outros dois filhos, mas, desde o diagnóstico, a união da família prevalece. “Tive o Lorenzo na porta do hospital, foi tudo rápido. Percebi a diferença no formato da cabeça, mas achei que era porque vinha prendendo. Com 10 semanas de gravidez eu tive zika. Quando ele nasceu e me disseram, eu perguntei o que era microcefalia”, lembra Patrícia. 
Aos 10 anos, Antônio Paiva, irmão de Lorenzo, participa dos exercícios. Os gestos da criança arrancavam sorrisos do bebê enquanto a mãe acompanhava tudo de perto. “O Lorenzo uniu mais a gente. Na nossa família é amor, dedicação e preocupação”, diz a mãe. Nem sempre, esse amor é encontrado nas ruas. Patrícia e Tereza destacam que seus filhos já foram vítimas de olhares preconceituosos. 
 
Para o futuro, Tereza se diz preparada, e adianta que sua preocupação é com a saúde do filho. “Ele já sofreu preconceito em lugar público. Eu estava com ele e minha irmã, que está grávida, e uma pessoa chegou e perguntou se a minha irmã não tinha medo da criança dela nascer igual a ele. Eu disse que não era uma doença contagiosa. Hoje não dou mais ouvidos”, disse.
 
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