Má qualidade do ensino infantil é causa de fracasso no Enem

Escrito por Redação ,
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Incentivo à leitura é importante desde a infância, para que resultados apareçam em avaliações de alunos

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) avalia escolas a partir de alunos que estão terminando a educação básica. Mas é no início do processo, na educação infantil, que muito do fracasso ou do sucesso é definido. A atenção dos pais na aquisição da linguagem, as histórias contadas e cantadas e a pronúncia correta das palavras, quando se unem a fatores como formação do professor, tornam-se decisivos na aquisição e desenvolvimento da linguagem. O problema é que as creches, escolas e mesmo os pais nem sempre estão preparados.

Para o presidente do Conselho de Educação do Ceará (CEC), Edgar Linhares, a formação mais importante se dá na educação infantil e antes das primeiras palavras, por volta de um ano de idade. Segundo o professor, que é mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, com um ano a criança tem competência para aprender sete palavras por dia; com dois, 17 novos vocábulos. O ideal, na avaliação do professor que ensinou nas Universidades Federal (UFC) e Estadual do Ceará (Uece), é que a criança ingresse no Ensino Fundamental sabendo 30 mil palavras. "Se for assim, fatalmente essa criança será bem alfabetizada. Não se alfabetiza porque o aluno não tem vocabulário".

Aí está o problema. Em pesquisa com 2.500 estudantes do 2º ano do Fundamental I, Edgar Linhares conta que 51% "liam alguma coisa" e que 49% "não liam nada", inclusive frases fáceis para a idade e compatíveis com o desenvolvimento do aluno. "Tem uma fase de percepção, em que a criança emite sons, sibila, que é a primeira etapa da fala. Depois ela pronuncia a primeira palavra, entre os sete e 12 meses", informa o educador, acrescentando que o mais importante é "encher a criança de vocabulário".

Garantido isso, a aprendizagem se dá por etapas: a consciência fonológica de que a voz é traduzida em símbolos e gráficos; exercício e treinamento para decodificação da escrita; fluência, que é representada pela rapidez com significação na leitura; atividade de leitura para aumentar o vocabulário; e, por fim, a compreensão.

Pobreza

O problema, na opinião do professor, é que a escola pública "é paupérrima". "Todo país civilizado tem escola em tempo integral e incentiva a leitura na escola e em casa. A leitura é primordial", avalia.

Outro problema é que boa parte das escolas não prioriza ou apresenta a leitura como atividade prazerosa e de conhecimento. Linhares, que é membro da Associação Internacional de Leitura, destaca que, em 1994, fez pesquisa considerando que cada escola deveria ter pelo menos cinco livros por aluno.

Dezesseis anos depois, o professor constata que apenas 11% das 10.100 escolas cearenses estão dentro desse padrão e 30% não têm sequer um livro paradidático para os alunos.

Diante dessa situação, Linhares acredita que o resultado do Enem é consequência da falta de leitura. "Não adianta ensinar Matemática se a criança não sabe ler", ressalta, classificando o exame como "uma boa vontade sem base científica". De todo modo, o professor frisa que, para passar no Enem, "é só botar o aluno para ler; quem sabe ler aprende é só, não adianta forçar". O ideal é iniciar o hábito na primeira infância. O texto da sala de aula, por exemplo, deve ser lido dez vezes ou mais. "Os meninos leem uma frase, as meninas, outra, depois todo mundo lê cantando", ensina o professor que já foi assessor do Ministério da Educação (MEC) e há 20 anos está no CEC.

ESTRATÉGIA DIFERENCIADA
Leitura e interpretação de texto são apostas das instituições

Ensino diferenciado, infraestrutura e disciplina. Essas são as razões dadas pelos gestores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (Ifce), Pré-Vestibular do Colégio Farias Brito e Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará para os seus resultados de destaque no ranking das melhores escolas do Estado, a partir da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2009, divulgado, na ultima segunda, pelo Ministério da Educação.

Mas, estas razões não são únicas. Pois, para alcançar esses resultados, as escolas tiveram que investir bastante em vários aspectos da educação, não somente do ensino Médio, mas desde do inicio da vida escolar do aluno. Apenas o conjunto de todo esse esforço fez com que o resultado pudesse aparecer.

"O Ifce trabalha com a valorização do aprendizado do estudante. Por isso nos adaptamos melhor ao Enem", afirmou o pro-reitor de ensino do Instituto de Ciência e Tecnologia, Gilmar Lopes. Ele acrescentou que o envolvimento dos professores com a instituição também ajudou bastante no resultado.

Lopes, explicou que o ambiente diferenciado da instituição, onde tem mais laboratórios do que salas de aula, ajuda os estudantes, pois eles aprendem bastante na pratica. Isso faz com que os alunos saibam interpretar melhor as questões.

Para o pro-reitor esse resultado do exame não foi uma surpresa. "Historicamente, nós temos bons resultados no Enem. Mas, queremos sempre mais", disse.

O Farias Brito foi a melhor escola particular, do Ceará, no ranking. Para o diretor do pré-vestibular do colégio, Jorge Cruz, se deve a melhor preparação realizada junto aos professores e também o vasto material didático fornecido aos alunos.

"O treinamento feito com os nosso educadores é completo. Inclusive, eles são preparados por uma das professoras criadora do Enem, Maria Ines", comentou Cruz.

O diretor acredita que a nova abordagem feita pelos professores agiu diretamente no resultado do Enem. "Agora é feito o trabalho para que os alunos saibam interpretar textos, imagens, gráficos e tudo mais que o exame exige", frisou Cruz.

No Colégio Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará o método de ensino não mudou devido ao Enem. Para o diretor de ensino, tenente coronel Roberto Castro Sandres, a diferenciação para as outras escolas estaduais se deve a estrutura da escola e a disciplina dos estudantes.

"Ao chegar aqui, os professores se deparam com ótimas condições de ensino, por isso eles se sentem privilegiados ao poder ensinar no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros", declarou.

Além disso, a unidade de ensino conta com os professores do Estado e também com educadores militares. Assim, é possível ter uma quantidade de carga horária de aulas maior do que nas outras escolas do Ceará.

INVESTIMENTO
Unidades do Piauí entre as melhores do Brasil

Ceará e Piauí não são simples vizinhos. Um e outro de vez em quando participam de uma competição velada. Dessa vez, com o resultado do Enem 2009, o nosso vizinho não só ganhou como se destacou nacionalmente, assumindo a terceira colocação no ranking das melhores instituições. Entre as 50 escolas com melhor média total no País, 15 são do Rio de Janeiro, 11 são de São Paulo e seis são do Piauí.

Por pouco o Instituto Dom Barreto, de Teresina, não apareceu como a escola no topo da lista, pois ficou com média de 741,54, enquanto o campeão Colégio Vértice, de São Paulo, ficou com 749,70. A segunda escola piauiense melhor classificada foi o Instituto Antoine Lavoisier de Ensino (11º). Depois estão o Colégio Lerote (22º), o Colégio Sagrado Coração de Jesus (29º) e o Colégio São Francisco de Sales (33º). No ranking cearense, em primeiro lugar ficou o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (Ifce, antigo Cefet), com média 681,55.


PARCERIA
Seduc investe em novas medidas

A partir de avaliações externas como o Enem, os órgãos públicos constroem, reveem e formulam políticas públicas na educação. No Ceará, a colocação das escolas estaduais no resultados do exame está servindo de suporte para continuar programas e reformular outros já no primeiro ano do Ensino Médio (EM), não só no terceiro, quando são feitas as avaliações.

Na Secretaria da Educação Básica do Estado (Seduc), o setor responsável pela elaboração dessas políticas no EM é a Coordenadoria de Desenvolvimento da Escola. Segundo a assessora dessa seção, Hernita Carmem Sousa Teófilo, os resultados são utilizados como referência para a retomada das ações e mesmo para reflexão. "O Enem e o Spaece são importantes para que a gente reflita. Essa gestão tem investido muito nas escolas, na formação de professores, em laboratórios de informática, ciências, em acompanhamento pedagógico", diz.

Contudo, ela mesma ressalta que é preciso rever medidas, conversar com os educadores. "Na verdade, esses são resultados de uma caminhada que mostra uma defasagem de aprendizagem que vem de muito tempo. Muitas vezes não se consegue corrigir a tempo de uma avaliação externa. Por isso estamos apostando mais no 1º ano, na perspectiva de corrigir esse percurso", antecipa.

Prova disso é que a Seduc, segundo Hernita, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), está desenvolvendo projeto para focar algumas atividades e a formação dos professores no Enem. "Queremos fortalecer todo o Ensino Médio", resume, acrescentando que isso inclui "continuar investindo em infraestrutura, acompanhamento pedagógico e na gestão com foco no desempenho do aluno".

Para a assessora, os avanços no EM são lentos e não aparecem rapidamente como nas séries iniciais.

MARTA BRUNO
REPÓRTER
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