Juventudes negras: embora com pouco apoio, projetos se destacam

Por meio de manifestações culturais, religiosas e políticas, jovens da periferia de Fortaleza se mobilizam em busca do resgate de direitos básicos, respeito e mitigar invisibilidade histórica; escassez de recursos é o grande obstáculo

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

Direito é aquilo que é justo, correto, honesto. É garantia congênita - ou deveria ser. Para muitos, é utopia presente só no papel da Constituição Federal, constantemente ignorada em vários âmbitos e aspectos. Para tantos outros, é luta. É assim para os jovens negros de Fortaleza, que "inventam e reinventam suas lutas individuais e coletivas por visibilidade como sujeitos de direitos", como descreve a Pesquisa Nacional sobre Organizações de Juventude Negra, realizada pelo Itaú Social em parceria com o Observatório de Favelas.

A busca pelo que deveria estar posto como básico, aliás, jamais deve ser romantizada: estapear-se diariamente com o racismo, a violência e a ausência de políticas públicas representa força, sim, mas está longe de ser bonito e ideal. Apesar disso, diversas instituições sociais da Capital transformam luta em arte: como o Maracatu Nação Bom Jardim, que reúne 20 jovens entre 14 e 24 anos para fazer os gritos por respeito serem ouvidos.

"O racismo, principalmente o institucional, é forte, um dos principais fatores para homicídios de jovens - que sofrem muito com o estigma de serem pobres, negros e da favela. Então, discutimos como olhar para realidade e fazer da arte um instrumento de denúncia. Quando compomos uma loa é para entender a nossa responsabilidade de enfrentamento", afirma Ingrid Rabelo, integrante do maracatu e assessora de juventudes do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS).

Criado em 2016, o grupo surgiu do "potencial que o Bom Jardim tem para trabalhar a cultura afro" e aborda o maracatu não só em estética, mas memória social e ferramenta para transformar um território castigado por rótulos opostos ao da paz.

"Atraímos os jovens para falar de desenvolvimento político, sustentabilidade do território. Os batuques e a brincadeira do maracatu fazem com que a gente agregue a juventude para desconstruir os preconceitos com a cultura afro e falar de questões que interessam a todo mundo: paz, moradia digna e direitos"

A sustentabilidade econômica do projeto, porém, vive sob tropeços, por meio de parcerias e editais públicos esporádicos. "Para termos cultura como direito humano, precisamos de outros: educação, liberdade de ir e vir, de ser e de expressar manifestação cultural. A educação vem quando esses jovens estão na escola e falam de resistência negra com propriedade, porque vivenciam uma cultura e exigem que seja respeitada. O ir e vir vem com a segurança. Quando o Estado não dá esse direito, eles não conseguem vir ensaiar. Mudamos horário, flexibilizamos para o que está posto, mas não baixamos a cabeça".

A falta de apoio financeiro e de políticas públicas que aproveitem o potencial criativo dessas organizações são os dois maiores desafios para o alcance dos objetivos, conforme analisa a gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social, Patrícia Guedes.

"É preciso que os formuladores de políticas escutem a riqueza de propostas e alternativas desses jovens, aprendam com eles, e que o Poder Público os apoie. Muitos projetos não sabem até quando poderão ficar ativos, e é de interesse de uma sociedade democrática desenvolver formas de apoiá-los", frisa.

(In)formar
A busca por parcerias para oferecer cursos de percussão, cânticos e produção de instrumentos musicais a jovens em vulnerabilidade é um dos trabalhos do Grupo Toque de Senzala, fundado em 2008 para unir adolescentes e adultos de terreiros de umbanda e candomblé e disseminar a cultura em espaços públicos, como explica um dos membros, Giuliano de Freitas, 31. "Nosso alvo são as escolas. A maior dificuldade não é nem com os alunos, mas com professores e diretores. São os mais preconceituosos. Já chegamos a ser barrados", relembra.

A ideia principal do grupo é informar à sociedade para quebrar preconceitos sobre as religiões de matriz africana em um País cultural e predominantemente dominado pelo catolicismo - mas as ações e discussões transcendem as crenças.

"Lutamos pelos direitos humanos e sempre nos empoderamos dos conceitos de saúde, segurança e moradia como uma forma de trazer conhecimento e força para a comunidade", reforça Giuliano. "O importante é que a juventude negra se empodere, seja social ou religiosamente. Os tempos estão difíceis, mas a gente certamente vai vencer".

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