Isolamento social por ocasião da Covid-19 ainda é desrespeitado no CE

Decreto já vigente no Estado impõe o fechamento de alguns setores comerciais e reitera a necessidade de reclusão, mas norma ainda enfrenta dificuldades para ser absorvida pela população local, que segue circulando nas ruas

Escrito por Felipe Mesquita, Kilvia Muniz e Nícolas Paulino , metro@svm.com.br
Legenda: Aglomeração de clientes em agência bancária na Avenida Francisco Sá, no Carlito Pamplona
Foto: Foto: Camila Lima

No cenário de pandemia, a sociedade civil deve estar alinhada com as políticas públicas de enfrentamento à disseminação de uma doença. Com os casos sucessivos da Covid-19 no Ceará, o governador Camilo Santana baixou decreto impondo o fechamento de estabelecimentos comerciais desde ontem, com exceção de farmácias, supermercados e postos de combustíveis. A mensagem de preservação e isolamento, no entanto, ainda não foi totalmente digerida por uma parcela da população, que insiste na procura de serviços com grande aglomeração social, contrariando as recomendações das autoridades de saúde.

Já no início da manhã, equipes da Polícia Militar foram deslocadas para espaços com concentração de pessoas. Na Praça da Cidade 2000, em Fortaleza, a PM precisou intervir na dispersão de cerca de 400 feirantes do bairro. O alto-falante da viatura reforçava o alerta: “A PM pede que a população evite aglomeração em locais públicos. O momento é de conscientização. Faça sua parte e ajude a diminuir a disseminação do coronavírus”. Mesmo com o aviso, parte dos vendedores permaneceu comercializando os produtos até que os militares fizeram uma segunda interferência solicitando a saída.

A suspensão foi recebida sob protestos. Segundo Francisco Edmilson, que vende frutas e verduras, os artigos já estavam comprados antes do anúncio da restrição das atividades, o que gerou a necessidade de ir à feira para não ter perdas financeiras. “O governador passou muito tarde pra gente essa decisão e a mercadoria já fica nos carros para trazer de madrugada. Ele deu 10 dias sem a feira e a perda é grande. No meu caso, eu trouxe R$ 3 mil em compras”, registra.

A desobediência às medidas restritivas alcançou ainda cidades do interior. A ronda da PM aconteceu em Cascavel, São Gonçalo do Amarante, Sobral, Icó e Aquiraz, por exemplo. De acordo com o comandante-geral da PMCE, coronel Alexandre Ávila, o dono de um bar em Maranguape chegou a ser conduzido à delegacia por ter se recusado a fechar o estabelecimento. “Ele foi autuado e hoje estaremos intensificando as ações em áreas públicas e cumprindo o decreto do governador”.

Mudança

O decreto publicado na última quinta-feira (19) prevê o fechamento de bares, restaurantes, lanchonetes, igrejas, museus, cinemas, academias, clubes, centros de ginástica, lojas, shoppings e centro comercial. O objetivo é retardar a contaminação por coronavírus no Ceará, já que com o fechamento dos serviços, as pessoas não têm contato físico - ou não deveriam ter.

Isso porque, mesmo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) orientando para que os cearenses fiquem em casa, a reportagem do Diário do Nordeste flagrou nessa sexta-feira (20) usuários em longas filas à espera de atendimento bancários. Agências do Banco do Nordeste, Caixa e Banco do Brasil controlavam a entrada de usuários, mas do lado de fora, a situação contrariava as estratégias para evitar a doença.

Na Caixa da avenida Francisco Sá, no bairro Carlito Pamplona, o movimento foi tanto que a agência não suportou a demanda física. As filas formadas pelos clientes dobraram à esquina do banco. O cortador de calçados Glauco Pereira, 46, era um dos últimos na ordem para pegar a senha de assistência. Debaixo de sol e ao lado de inúmeras pessoas, ele reconhece que a conduta poderia ter sido evitada não fosse a urgência do problema.

“Eu sei que a recomendação é evitar multidão, mas eu tinha que resolver a questão do meu PIS (Programa de Integração Social) e não existia outra maneira se não fosse essa de vir. O atendimento foi agendado para hoje pela Caixa”, alega. O profissional, que está afastado das atividades laborais, teme o contágio da Covid-19, apesar de cumprir apenas parte da etiqueta de contenção. “Como é uma doença invisível, a gente teme muito”, pondera.

Trajeto

As cenas de aglomeração também se repetiram nos coletivos da Capital. Usuários do transporte público iniciaram a manhã com denúncias sobre a redução da frota, demora e aglomeração nas paradas de ônibus. As queixas partiram dos terminais do Siqueira, Parangaba, Antônio Bezerra e Centro, com esperas de 30 a 50 minutos.

Uma passageira, que não quis se identificar, relatou que os ônibus também circularam quase sem ventilação. “Como vamos evitar aglomeração de pessoas desse jeito? As pessoas que estavam de máscaras estavam retirando para tentar respirar porque a maioria das janelas não abriam”, disse.

Tal comportamento, indica o clínico geral e imunologista Eduardo Finger, eleva a potência de proliferação do vírus, sobretudo porque o Ceará já contabilizou os primeiros casos por transmissão comunitária. Dessa forma, a curva de registros da doença se torna mais rápida.

“O vírus se propaga de modo exponencial, é uma multiplicação. O que faz toda a diferença é qual potência é essa. Pode ser de 2 ou 10. O que determina a potência que vai gerar essa curva é o número de contatos que as pessoas têm entre si”, aponta.

Ainda conforme o médico, a desobediência ao isolamento eleva a margem. “Se elas continuarem seu dia a dia indo para todos os lugares, conversando e se tocando, a curva vai ser 10, subir muito rápido e dar problema”, descreve, sugerindo a conduta ideal. “Se as pessoas não saírem de casa e ficarem calmas, você reduz muito a velocidade. É tudo que a gente pode esperar nesse momento”. 

Avaliação

A Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) informou que está sendo feita uma avaliação da demanda dos passageiros para definir a frota nos terminais. O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) afirma que toma “esforços para garantir serviço de transporte suficiente às necessidades urgentes e essenciais”. Nenhuma das entidades confirmou a redução da frota e nem informou a quantidade de veículos em circulação.

Parte dos motoristas de ônibus da Capital também reivindica que as empresas forneçam máscaras e álcool em gel para a proteção individual. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Ceará (Sintro-CE), os materiais ainda não foram distribuídos. A entidade classifica a dupla função de motorista e cobrador como uma “bomba-relógio” para o coronavírus, já que o mesmo condutor “dirige, recebe dinheiro e passa troco”.

O Sindiônibus alegou que tem feito uma “limpeza interna rigorosa todos os dias para minimizar o contágio”, nos veículos, mas não deu detalhes sobre as ações para garantir a saúde dos funcionários.

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