Imóveis militares abandonados em Fortaleza serão privatizados

Condomínios onde integrantes do Exército e da Força Aérea Brasileira moravam caíram em desuso, foram depredados e hoje são esconderijos para a prática de crimes. Instituições têm transferido bens a construtoras

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Em março deste ano, o Diário do Nordeste já havia denunciado o abandono dos bens públicos. A situação permanece a mesma, quase dez meses depois
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

São condomínios fantasmas em pleno movimento da quinta capital do País. Assim podem ser descritas dezenas de imóveis construídos para abrigar militares do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB) que estão abandonadas em, pelo menos, três bairros de Fortaleza: Cidade dos Funcionários, Praia de Iracema e Aeroporto.

De acordo com as instituições, alguns dos bens foram transferidos a empresas privadas. Outros continuam sem destino definido, sendo criadouros de insetos e cenário para a prática de crimes.

O conjunto de quatro casas localizado na Rua Doutor José Furtado, na Cidade dos Funcionários, ainda guarda na fachada a regra do antigo dono: "Exército Brasileiro - Área Militar - Proibido Entrada". Mas, como o Diário do Nordeste já havia verificado no início deste ano, o local já não tem mais portas, janelas, telhado ou mesmo paredes. A cerca de arame farpado enferrujou e se rompeu. A vegetação alta é a única ocupante das ruínas em que se transformaram os bens públicos, ainda utilizados, vez ou outra, por pessoas em situação de rua.

A reportagem questionou o Exército Brasileiro sobre quando o condomínio deixou de ser utilizado pelos agentes, sendo entregue ao abandono, o que não foi revelado pela instituição. Em nota, o Comando da 10ª Região Militar de Fortaleza informou apenas que a (des)construção "não pertence mais à União desde junho de 2019", porque foi "transferida após contrato de permuta" a uma construtora da cidade. Contatada, a empresa confirmou a transação, sem revelar valores, e afirmou estar "estudando o melhor projeto" a ser implantado lá.

A construtora negou, porém, que o local esteja aberto e em abandono, mesmo a situação tendo sido constatada pela nossa equipe. Quanto à insegurança no local, o Exército Brasileiro garantiu que, antes e durante o processo burocrático, "realizava rondas diariamente com o objetivo de controle patrimonial".

Legenda: Nas avenidas Borges de Melo e Historiador Raimundo Girão, dezenas de casas estampam cenário de depredação e abandono, com denúncias de uso por criminosos e pessoas em situação de rua
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Indefinição

Se de um lado da cidade os antigos imóveis públicos já têm novos donos, do outro a situação ainda é, em parte, indefinida. Na Avenida Borges de Melo, no bairro Aeroporto, as casas de muro branco e portões azuis, construídas pelo Comando da Aeronáutica (Comaer) se estendem por, pelo menos seis quarteirões, compondo a identidade visual de uma das vias mais importantes e movimentadas da Capital. Dezenas de residências, contudo, estão em desuso. Instalações elétricas, hidráulicas, portas, janelas e grades foram saqueadas. Em março, a reportagem verificou que as construções ainda estavam preservadas. Hoje, são casas abertas a quem ousar entrar.

O destino das antigas moradias dos militares segue sem definição. A assessoria de comunicação da Força Aérea Brasileira (FAB) afirma que "o processo relativo a esses imóveis encontra-se em andamento". Atribui o status de abandono à morosidade dos trâmites públicos. Apesar disso, garante que "realiza rondas no local, para mitigar eventuais problemas de invasões e depredações".

'Alienação'

Situação semelhante se repete na Praia de Iracema, no quadrilátero formado pelas vias Historiador Raimundo Girão, 23 de Outubro, Tigipió e Historiador Guarino Alves, onde os condomínios militares também foram invadidos pelo vazio - e pela criminalidade, como reclama o pescador Francisco Daniel Holanda, morador do entorno há 48 anos. Nossa equipe chegou a flagrar um homem retirando canos e fios das casas.

"Já teve até tiroteio aí dentro, confusão de bandidos, entre eles mesmos, e com a Polícia. O povo rouba e vai aí para dentro. Mas agora vão fazer um prédio, né?", questiona. A possibilidade é real. De acordo com a FAB, os imóveis pertencentes ao Comando da Aeronáutica localizados na Praia de Iracema "foram objeto de alienação, via processo licitatório, na modalidade Permuta por Obras a Construir". Isso significa que uma empresa privada venceu a licitação para construir "dois blocos de Próprios Nacionais Residenciais para graduados em Anápolis, Goiás".

A licitação foi aberta em agosto deste ano. Como pagamento para a obra, a construtora receberá as casas militares situadas na capital cearense. O nome da empresa vencedora e os valores envolvidos na transação não foram informados. A desocupação das casas, que resultou no abandono, se deu por "uma reestruturação da instituição, que gerou uma movimentação dos militares para outras localidades, de modo que Fortaleza deixou de ter necessidade de tantos imóveis".

Legenda: Casas que abrigavam militares, em Fortaleza, foram abandonadas por instituições após desocupação. Parte dos bens foi alienada a empresas privadas, outra continua sem destino certo
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Um julgamento de concorrência publicado pelo Diário Oficial da União (DOU), em maio do ano passado, referente a outra licitação, mostrava que duas construtoras estavam "classificadas" para construir imóveis militares não em Anápolis, mas em Parnamirim, cidade potiguar, também em troca de imóveis pertencentes à Comaer.

As propostas chegavam à ordem de R$ 43 milhões. Também não foi informado sobre os destinos dados aos terrenos militares.

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