Hospital Geral de Fortaleza usa protocolo de triagem para Covid-19 em pacientes com AVC

A unidade passou a realizar exames de tomografia do tórax em pacientes com Acidente Vascular Cerebral. Até a quinta-feira (21), o hospital atendeu 72 pacientes com AVC, e, destes, 36 testaram positivo para o coronavírus

Escrito por Redação ,
Legenda: O HGF está com um novo protocolo que identifica Covid-19 em pacientes com AVC
Foto: Foto: Kid Júnior

Com poucos meses de existência, a infecção causada pelo novo coronavírus ainda é cercada por dúvidas a serem esclarecidas pela comunidade médica. Uma delas envolve os potenciais impactos neurológicos da Covid-19. No Hospital Geral de Fortaleza (HGF), os casos de pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC) e suspeita de Covid-19 vêm sendo catalogados, e, embora a relação entre as enfermidades ainda não tenha sido comprovada, a unidade adotou um protocolo de triagem que vem sendo aplicado desde o dia 19 de março.

 

Ao verificarem os sintomas gripais nos pacientes com AVC, os médicos do hospital também passaram a realizar uma tomografia do tórax, além da tomografia do crânio já prevista para o quadro clínico. De acordo com Fernanda Martins Maia, chefe do serviço de Neurologia do HGF, foram observados casos de pacientes que entraram na unidade sem sintomas respiratórios, e, na tomografia, apresentaram lesões características causadas pela infecção da Covid-19.

Com a adoção do protocolo, foi possível chegar a um cenário que revela que, no mês de abril, foram registrada 83 internações por AVC no HGF. Desses, 18 pacientes apresentam alguns sintomas suepeitos da Covid-19. O hospital não repassou o número de confirmações da infecção pelo vírus gripal deste período. De abril até o dia 21 de maio, a unidade informou que atendeu 72 pacientes com AVC com suspeita de coronavírus. Desses, 50% testou positivo.

Atualmente, 31 pacientes (16 casos suspeitos e 15 casos confirmados de Covid-19) estão internados na unidade sendo tratados para AVC e também para a Covid-19. Os registros estão sendo utilizados na construção de um banco de dados que passará por uma análise criteriosa. "Talvez nós tenhamos sido o primeiro serviço a fazer isso de triagem. Adicionamos a tomografia do tórax para todos os pacientes que entravam com quadro agudo de AVC, independentemente de terem sintomas gripais", explica a neurologista.

Acesso

Apesar de não ser possível ainda estabelecer uma relação concreta entre a Covid-19 e o acidente vascular cerebral, os especialistas alertam que não se pode fechar os olhos para o cenário. "A gente tem que ter uma perspectiva um pouco mais cuidadosa. É possível que haja alguma relação", avalia. Segundo ela, pacientes que tiveram o AVC mais recentemente foram tratados com o mesmo cuidado mantido antes do início da pandemia.

Fernanda Martins explica que, desde o início da circulação do novo coronavírus no Ceará, o perfil de pacientes atendidos na unidade não mudou. A diferença observada foi nos casos de AVC hemorrágico e trombose das veias cerebrais, que passaram a ocorrer com maior frequência.

"É possível que a gente esteja tendo acesso a casos mais graves porque pacientes com casos mais leves estão evitando ir ao hospital. Isso é uma questão de saúde grave. Isso permite que eles venham a ter um AVC no futuro. É importante que o paciente que tenha os sintomas dessa doença procure os hospitais próprios para isso", ressalta.

Os principais sintomas do acidente, tanto isquêmico como hemorrágico, são fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo; confusão mental; alteração da fala, da visão ou da forma de andar; tontura e dor de cabeça repentina, intensa, e sem causa aparente.

O neurologista do HGF José Hortêncio dos Santos Neto reforça que os as manifestações neurológicas do AVC podem ter aparecidos em decorrência da infecção pelo Sars-CoV-2, mas não descarta que possa aparecer também em outros doenças causadas por vírus, como encefalite e a síndrome de Guillain Barré. "Isso não é específico do coronavírus, por enquanto. Ainda faltam dados de pesquisa. Talvez isso mude daqui a alguns meses", pondera.

Alterações

Uma análise feita por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade da Região de Joinville (Univille) também observou os sintomas neurológicos em pacientes diagnosticados com a Covid-19. Os profissionais envolvidos no trabalho revisaram cerca de 45 artigos publicados recentemente em revistas científicas, e notaram registros comuns sobre o assunto.

"O vírus anterior, o Sars-CoV, também apresentou algumas alterações neurológicas, e foi até encontrado no sistema nervoso", pontua Jean Pierre Peron, coordenador do Laboratório de Interações Neuroimunes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Segundo ele, a atenção às questões neurológicas começou com a perda do paladar e do olfato como sintomas da Covid-19. Depois, vieram características de casos mais graves, como enxaqueca, tontura e confusão mental, até chegar ao próprio AVC.

"Esses quadros neurológicos podem ter uma relação direta ou indireta com o vírus. É indireta quando o paciente produz uma série de citocinas inflamatórias, passando por alterações no metabolismo por causa disso. Isso pode ocasionar alterações neurológicas, como convulsão", detalha.

A relação direta, por sua vez, se dá quando o vírus é detectado no sistema nervoso. O AVC, de acordo com Peron, se enquadra como relação indireta. "Provavelmente, o que está sendo observado agora é que o vírus causa certos problemas vasculares ou de coagulação. Nos pulmões, se formam microtrombos, provavelmente por grande inflamação no local", diz.

Um fator que chamou a atenção foi a existência de pacientes jovens, com menos de 50 anos de idade, que tiveram AVC isquêmico e hemorrágico associado ao comportamento do vírus. Além disso, os pacientes com problemas no sistema nervoso central foram associados a casos mais graves da doença.

Peron explica que a origem detalhada desses problemas ainda não é conhecida a fundo, considerando o quão recente é a doença. O pesquisador avalia que os casos neurológicos não são tão frequentes, porém, estão começando a aparecer devido à quantidade de pessoas atingidas.

Assintomáticos

"Há estatísticas na região Norte do Brasil, por exemplo, de aumento de mortes por AVC. Alguns trabalhos mostraram que certos pacientes que são assintomáticos tiveram problemas neurológicos. São pessoas resistentes à infecção, mas têm o vírus, e ele acabou conseguindo chegar no sistema nervoso. Com certeza há algo acontecendo, mas precisa ser elucidado", observa Jean Pierre Peron.

Os materiais revisados mostram que, apesar de afetar sobretudo os pulmões, a Covid-19 também é uma doença sistêmica, uma vez que já foi associada a agravamentos intestinais, renais, e, agora, neurológicos. O pesquisador da USP observa que médicos intensivistas precisam estar atentos mesmo aos pacientes que não cheguem com todos os sintomas típicos da doença. "A situação é tamanha que, se a pessoa tiver um quadro aparente de AVC ou até confusão mental, há necessidade de cogitar que possa ser a Covid-19. Se for, pode ser que esse paciente evolua para uma situação mais agrave".

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