Frota de veículos já é maior que toda a malha viária de Fortaleza

Escrito por Redação ,

Se todos os veículos da Capital resolvessem sair ao mesmo tempo, faltaria asfalto para dar conta do tráfego

Mobilidade urbana é um dos principais desafios enfrentados hoje pelas capitais brasileiras. Em Fortaleza, tentar se locomover a qualquer hora do dia, sobretudo próximo aos grandes centros comerciais, se tornou um verdadeiro exercício de paciência. Mas afinal, qual espaço das ruas os veículos tomam? Se todos saíssem ao mesmo tempo, não só ocupariam toda a malha viária da Capital como faltaria asfalto para dar conta. O destaque é para os automóveis, principais responsáveis pelos congestionamentos. Eles correspondem a 52% da frota e, se fossem às ruas simultaneamente, ocupariam 70% das vias.

A Avenida Washington Soares é uma das vias da cidade com maior fluxo de veículos. Foto: Kid Júnior

Em segundo lugar no ranking estão as motos, que tomariam 16% do asfalto, seguidas das caminhonetes (12%) e camionetas (6%). Chama atenção a gritante discrepância em relação ao transporte coletivo. Apesar de os ônibus transportarem diariamente um milhão de pessoas (40% da população da Capital), se fossem às ruas ao mesmo tempo só ocupariam 2% da malha viária. É o que conclui estudo feito pelo Diário do Nordeste, tendo como base a frota de veículos de 2013 (987.807) e a malha viária de Fortaleza (2.900 km).

Priorização

Há uma visível desigualdade no uso das vias. Mas, apesar de os dados mostrarem que são os automóveis, que muitas vezes transportam apenas uma pessoa, os grandes responsáveis pelos congestionamentos, observa-se, por parte do poder público, ações tímidas que insistem em priorizar o transporte individual em detrimento do coletivo e o privado em detrimento do público. A falta de incentivo ao uso de outros modais, e calçadas cheias de irregularidades, tornando-as intransitáveis, são outras questões que precisam ser priorizadas. Falta ainda um projeto de mobilidade que pense a cidade a longo prazo.

Para minimizar o caos instalado no trânsito, quais medidas deveriam ser tomadas? Na visão de Heber Oliveira, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e doutor em engenharia de transportes, a saída é estimular, constantemente, o uso do transporte público com a restrição progressiva do transporte particular/individual. “O que se percebe são medidas paliativas e pontuais na malha urbana e em alguns equipamentos, notadamente para o atendimento de questões específicas dos deslocamentos gerados pela Copa do Mundo de 2014”, critica.
Ele acrescenta que é necessário que o poder público trabalhe efetivamente no sentido de tornar o sistema de transporte público mais confiável do ponto de vista do cumprimento de horários e percursos, além de proporcionar segurança, qualidade e oferta compatível com a demanda. Entre os fatores negativos acumulados ao longo dos últimos anos que levaram a esta realidade, cita o especialista, estão a falta de planejamento das políticas públicas voltadas ao sistema de transporte, a carência de melhorias no transporte público e a ausência de investimentos e desenvolvimento da infraestrutura urbana. Esse descaso, complementa, faz com que não se vislumbrem soluções, a curto e médio prazos, para os problemas de transporte de Fortaleza.

Forma urbana

Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), comenta que a cidade é permeada pela lógica de abrir e alargar vias, construir túneis e viadutos, para comportar uma frota automobilística cada vez mais crescente. “É como você querer se safar de um problema de obesidade apenas alargando o cinto ou comprando uma calça de número maior, não resolve, vai sempre estrangular”, frisa.
Ele defende que deve-se pensar em uma mobilidade urbana baseada no transporte coletivo, metrô, na redução da frota de veículos e na abertura de ciclofaixas e ciclovias. “Precisamos é de um outro modelo de cidade”.


Usuários preferem o conforto dos automóveis

Com um serviço de transporte coletivo sem qualidade e nem velocidade para atrair mais pessoas, motoristas de veículos particulares e usuários do transporte coletivo são taxativos ao afirmar que não trocariam o conforto do veículo particular pelos coletivos. Além de perderem o mesmo tempo de locomoção, eles alegam que ainda teriam que sofrer com o problema da superlotação e o longo tempo de espera.

O tecnólogo Naatyele Santos, 23, usuário do transporte coletivo, é um dos que não deixariam de andar de carro (caso tivesse um) para se locomover de ônibus. "Se todos pudessem ir sentados seria melhor, mas eles não respeitam. Os ônibus estão sempre lotados. Sem falar que demoram para passar", reclama.

Frota

Dimas Barreira, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Ceará (Sindiônibus) diz que a queixa dos usuários é verdadeira e destaca que o transporte coletivo tem que ter prioridade na via e ser mais barato. Ele afirma que, em 20 anos, a frota de veículos dobrou. O problema é que os ônibus não andam. "Temos que colocar mais veículos nas ruas para oferecerem o mesmo serviço. Se antes eles davam um determinado número de viagens, hoje dão muito menos".

Barreira explica que todo mês mais ônibus são colocados nas ruas para oferecerem o mesmo serviço, o que encarece o transporte e agrava o problema do trânsito, além de oferecer um pior serviço, pois a viagem fica mais demorada. De acordo com o Sindiônibus, a velocidade média dos coletivos, que antes era de 23 km/h, hoje, na melhor das hipóteses, é de 14 km/h. Exemplo clássico é o do Centro, onde os ônibus não circulam mais, param somente no entorno.

Como solução, Barreira aponta a priorização de tráfego nas vias. Ele informa que, em horário de pico, um ônibus transporta, em média, 80 pessoas em Fortaleza. Enquanto isso, ocupa na via o mesmo espaço que dois automóveis e quatro motos. "As pessoas só vão deixar o carro quando o transporte coletivo andar mais rápido", frisa.

Plano de ações

Em dezembro do ano passado, a Prefeitura lançou o Plano de Ações Imediatas em Transporte e Trânsito de Fortaleza (PAITT). Com consultoria da empresa McKinsey & Company - reconhecida mundialmente na área de mobilidade urbana -, o PAITT será realizado até dezembro deste ano e prevê o estudo e a implantação de soluções de fácil execução que contribuam para melhorar o trânsito da cidade.

Na primeira fase, até junho de 2014, será feito o planejamento e a definição das macroações, a partir da interação com a sociedade durante debates e seminários, que deverão reunir entidades de classe, universidades, associações e representantes do setor produtivo. Na segunda fase, de julho à dezembro, serão implementadas as iniciativas pensadas coletivamente nesses seminários e debates. A ideia é buscar soluções para problemas pontuais de mobilidade por meio de intervenções simples, que não utilizem a infraestrutura física viária, ou seja, sem precisar de obras e não tenham grande impacto orçamentário.

Opinião do especialista

Gislene Macêdo
Pesquisadora em mobilidade humana  

“Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições”. O poeta Manoel de Barros nos sinaliza hiatos. São hiatos os pontos de contato na cidade que se desencontra. Lembrássemos mais que somos parte da humanidade, talvez os hiatos urbanos fossem lenda. Mas não é lenda que alcançamos o ponto de ebulição no quesito (i)mobilidade. Segue exposta a ferida urbana de vias para carros, cuja evidente prioridade do uso do espaço público gera uma aparente hegemonia de mobilidade. Outros insurgentes nas vias se fazem notar pela negação da supremacia do automóvel (e motos).

É no encontro que os hiatos perdem a razão de existir. Como Fortaleza vive na tensão dos hiatos, expandir vias não impedirá a formação de novos pontos críticos. Outros gargalos surgirão até a exaustão das mesmas saídas, de cálculos que não solucionam a equação equânime da ocupação dos espaços da cidade. Em nome do encontro sejamos a interseção. A crítica se insurge como contraponto a ideias hegemônicas que impedem a lucidez do hoje e da Fortaleza que queremos ser em muitos amanhãs. No cotidiano, o que tem acontecido são conflitos de sobreposição de espaços, disputa por territórios, conquista de lugares, posições, o que nos coloca, por vezes, uns contra os outros, onde a relação desproporcional entre tempo e espaço nos confronta com o modo que transpassamos lugares. Tornam o resultado da fórmula sempre impossível, mesmo que os cálculos parecem estar 100% corretos!

Mesmo assim, essa zona incompreensível dos conflitos entre pessoas concebe a contenção e o controle como saída concreta para os desvios de nosso (des)convívio. Os projetos de mobilidade não dialogados são apresentados à população como se houvesse, de fato, escolhas possíveis diante das já manipuladas opções. É possível encontrar saídas diferentes à situação do trânsito de nossa cidade. A pergunta é: conseguiremos enfrentar suave, firme e constantemente a “força da grana que ergue e destrói coisas belas”? Maquiar as vias é insuficiente para uma estética urbana do bem viver."

LUANA LIMA
REPÓRTER

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