Fóssil à venda por R$ 1,2 mi

Escrito por Redação ,
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A notícia do fóssil do crânio de um pterossauro, da Formação Santana, à venda por R$ 1,2 mi choca estudiosos

Juazeiro do Norte. A supervalorização de peças de fósseis, comercializadas abertamente na Internet, preocupa as autoridades e estudiosos da área. O tráfico continua a existir e as condições de fiscalização ainda carecem de infra-estrutura necessária para serem fortalecidas.

As reservas Bacia do Araripe são uma verdadeira “mina” de achados fósseis. Exemplo disso é a oferta do fóssil de um crânio de pterossauro, da Formação Santana, por R$ 1,2 mi.

Uma raridade para cientistas do mundo inteiro, um grande motivo de tristeza para os pesquisadores e a mostra do despreparo das instituições para coibirem o tráfico. Uma articulação entre os órgãos e mais informações poderiam evitar a saída dessas espécies raras em portos e aeroportos do Brasil.

A própria Lei Federal que proíbe o tráfico, Nº 4.146, de 1942, ainda não é regulamentada e prevê apenas o pagamento de multa, estipulada no valor de R$ 100,00 a R$ 250,00, ou cumprir pena em liberdade.

O chefe do escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no Crato, Artur Andrade, admite que essa fragilidade da lei, sem artigos que coloquem outros tipos de penalidades para o crime, acaba gerando a reincidência de casos. Ou seja, a impunidade impede o fim do tráfico de fósseis na região.

Essa é uma preocupação constante das autoridades locais. Há alguns anos, a situação era bem pior. A ação articulada da Polícia Federal, do DNPM e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem ajudado a minimizar.

Ação educativa

O trabalho educativo para que a própria sociedade colabore é essencial. A criação do Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca) despertou bastante para essa questão, a partir de meados dos anos 80. Segundo o seu diretor, Álamo Feitosa, o foco deve estar voltado principalmente para conscientização dos jovens nesse sentido.

A venda aberta, denunciada por reportagem do jornal ´Folha de S. Paulo´ de ontem, gerou grande surpresa quanto à supervalorização das peças por parte dos pesquisadores da região do Cariri.

Na página da Internet (paleodirect.com/pgset2/ptbr-002.htm), o fóssil do crânio de um pterossauro, com impressionante preservação, não apenas dos ossos e articulações, mas dos tecidos moles, o que é raro em paleontologia, é oferecido à venda por US$ 700 mil, pelo magnata norte-americano John MacNamara.

Álamo Feitosa vê a saída de fósseis com grande preocupação. Ele destaca 90 áreas de exploração de calcário, nos municípios de Santana do Cariri e de Nova Olinda e, ao mesmo tempo, a carência de infra-estrutura para chegar até esses locais, além da falta de investimento na área de pesquisa, com inserção de bolsistas. “Isso iria representar um avanço na pesquisa e possibilitar a presença dos estudiosos nas áreas onde há exploração”, afirma.

Para o chefe do escritório do DNPM no Crato, Artur Andrade, esse material passa pelos portos e aeroportos e falta uma maior interação dos órgãos de segurança e fiscalização para evitar a saída. Sua proposta, então, é fazer uma campanha nacional, com cursos mostrando os fósseis e a importância deles para a ciência e para o desenvolvimento do nosso País. ´Dar uma noção, para que haja fiscalização efetiva´, diz.

SIMPÓSIO NACIONAL
Reitor espera que educação seja a saída

No intuito de ampliar a interação entre os pesquisadores da área, o reitor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Plácido Cidade Nuvens, destaca que este ano será realizado o Simpósio Nacional de Paleontologia, de 23 a 26 de julho, com o tema “A Arte na Pesquisa Paleontológica na Bacia Sedimentar do Araripe”. O evento pretende reunir diversos estudiosos do Brasil, como Alexander Kellner e Diógenes de Almeida Campos. As descobertas mais recentes de pesquisas na área serão abordadas.

“A Universidade tem uma responsabilidade educativa, assumindo o próprio Museu de Paleontologia, que este ano está completando 20 anos”, afirma o reitor.

Ele, que por alguns anos atuou como perito, no reconhecimento de peças de valor científico apreendidas pela PF. Destaca o papel do Projeto Geopark Araripe, dentro do novo contexto de pesquisa científica, no sentido de fortalecer o trabalho em torno dos fósseis.

O gerente do Geopark Araripe, Idalécio Freitas, ressalta o contrabando de fósseis de outras localidades além de Santana do Cariri e Nova Olinda, como Jamacaru, Jardim, Serra da Mãozinha e Porteiras. “Sai tudo pela BR-116”, ressalta.

Grande parte dos fósseis de grande relevância científica que poderiam estar no Cariri, hoje fazem parte de coleções de museus na Europa e nos Estados Unidos. O Museu de História Natural, em Nova Iorque, é um exemplo desse descaso das autoridades brasileiras em relação ao desenvolvimento científico no Brasil. Em museus da Alemanha e Inglaterra também podem ser encontradas espécies raras da Bacia Sedimentar do Araripe.

O chefe do DNPM no Cariri, Artur Andrade, lamenta essa situação e diz que o DNPM nacional já tomou conhecimento desse caso da venda da peça que ele acredita ser de um Tupuxuara, palavra indígena, descrito por Alexander Kellner. “É uma pena acontecer situações dessa natureza. Um estudioso que quiser se aprofundar em alguma pesquisa nesse sentido, tem que ter dinheiro para se deslocar do Brasil e fazer um estudo em Nova Iorque”, explica Artur.

O delegado titular do Posto Avançado da Polícia Federal em Juazeiro do Norte, Tarcísio Abreu afirma que, mesmo não tendo acabado o contrabando de fósseis, há alguns anos a situação era bem pior, principalmente relacionada a pedras de peixe fossilizados.

Alguns estrangeiros que atuavam no contrabando foram indiciados. Havia comércio livre dessas peças em feiras livres de São Paulo. Normalmente, o trabalho da PF tem sido integrado ao DNPM e ao Ibama. O delegado afirma que poucas tem sido as apreensões no Cariri nos últimos meses. Lembra apenas de um caso de biopirataria, envolvendo um francês, preso com produtos que seriam levados à Europa.

De acordo com o delegado há épocas do ano na região mais favoráveis para esse tipo de crime. Os meses de junho e julho são os mais comuns. “Os lavradores da região consideram isso normal e acabam repassando para os traficantes”, explica.

Segundo Artur Andrade, um lavradores admitiu que, se a família estivesse necessitando se alimentar e alguém oferecesse de R$ 300,00 a R$ 400,00 numa peça, não pensaria duas vezes em repassar ao invés de entregar ao DNPM. Uma situação lamentável e real no Cariri.

DISFARÇADOS COMO TURISTAS
Imagens também são usadas

O professor Álamo Feitosa — que defendeu recentemente tese de doutorado sobre os fósseis da Bacia Sedimentar do Araripe — destaca que o primeiro caso de contrabando de fósseis na região foi registrado em 1800, lamentando o que classifica como “sangria desatada”.

Outra modalidade de usurpar a riqueza fossilífera da região, que o Feitosa chama de contrabando, tem sido não mais de levar os fósseis, mas de obter suas imagens, como fez o pesquisador inglês David Matill. Conforme suas informações, o pesquisador chegou ao Museu de Santana e, sem autorização, fotografou praticamente toda as peças, montou um livro e lançou o catálogo pela Cambridge Press, à venda na Internet por US$ 150,00.

“Ele é um dos que a PF (Polícia Federal) está de sobreaviso. Entra como turista, se instala em pensões simples e fica comprando cachaça para os lavradores e dando pequenos presentes, no intuito de conquistá-los e obter os nossos fósseis. Vira um verdadeiro ´deus´ nas comunidades”, explica. A última vez que o inglês esteve na região, segundo Feitosa, foi no fim de 2006.

No museu, há mais de cinco mil peças, que abrem campo para várias áreas de pesquisa, envolvendo desde a paleobotânica ao estudos dos fósseis de dinossauros, pterossauros e tartarugas.

O pesquisador ressalta a necessidade de maior envolvimento dos pesquisadores para evitar que esse tipo de atividade continue ocorrendo.

ENTREVISTA
O DNPM poderia procurar trazer esse crânio, mas é constrangedor

Artur Andrade
Chefe do Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNPM) no Cariri


O que será feito para resgatar o crânio de pterossauro que está sendo comercializado pela Internet?

O DNPM já tomou conhecimento. Não sei dizer como esse fóssil saiu da região. Veremos, por meio da PF e do Ministério Público, como dever ser efetuada uma investigação nos Estados Unidos, onde se encontra a peça, verificar como saiu e tentar recuperá-la. Isso já aconteceu com um material que foi levado para Paris e conseguimos o retorno.

Como fica o DNPM diante da situação de ter que proteger esse patrimônio?

O DNPM poderia reverter essa situação, no caso de procurar trazer esse crânio, mas é constrangedor. O site inclusive oferece mais peças da região, a exemplo de uma placa calcária com ossos de uma asa de um pterossauro.

A impunidade favorece o tráfico?

Por ser um crime afiançável e de muitos terem a certeza de pagarem o processo em liberdade, favorece. É importante ser intensificada a atuação dos órgãos como o DNPM, PF e Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entre outras instituições.

GEOPARK ARARIPE

Caderno Especial:
Publicado no dia 17 de outubro de 2007, o ´Regional´ deu ênfase ao Geopark Araripe, cujo objetivo é dar visibilidade à riqueza existente sob o solo e estimular o desenvolvimento da pesquisa, do turismo e da cultura regionais. Na reportagem, realizada na Bacia Sedimentar do Araripe, também foram focadas a poluição e destruição do patrimônio natural e o tráfico de fósseis.

Elizângela Santos
Especial para Cidade

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