Fortaleza à beira do colapso

Escrito por Redação ,
Legenda:
Foto:
60 mil novos veículos por ano circulam pelas ruas e avenidas da Capital já inchada e sem estrutura para aguentar tamanha frota de um carro para cada seis pessoas

Quilômetros de congestionamentos, impaciência, estresse e muito tempo desperdiçado dentro de um veículo. É difícil encontrar alguém em Fortaleza, seja condutor ou usuário de transporte coletivo, que não tenha uma reclamação a fazer sobre o trânsito cada vez mais caótico da quarta capital brasileira. Se antes o nó acontecia nos horários de pico - manhã, meio-dia e tarde/noite - agora é isso não existe mais. Toda hora tem problemas.

A cidade não suporta a crescente frota de veículos sem obras e implementação de medidas urgentes para evitar um colapso anunciado por engenheiros de trânsito, parlamentares, juristas e urbanistas. E o pior não está longe, avisam, poderá acontecer até 2015, quando a frota ultrapassar a casa de um milhão de veículos, sendo 81% de carros e motos. Em números relativos a abril desse ano, segundo o Detran/CE, 661.086 veículos circulam diariamente pelas 6.200 ruas e avenidas. São 402 mil carros e mais 137 mil motos. É quase um carro para cada seis habitantes. Incluindo as motos, a proporção impressiona: seria possível transportar toda a população fortalezense em carros e motos, com sobras. De acordo com a última estimativa do IBGE, Fortaleza possui 2.4 milhões de pessoas.

Explicações para o aumento acelerado da frota são muitas. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), facilidades de financiamento e melhor poder aquisitivo da população são os que mais contribuiram. Por outro lado, a cidade não acompanhou essa evolução, afirmam engenheiros de trânsito, como a professora Maria Elisabeth Pinheiro Moreira, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Segundo ela, o Plano Diretor, aprovado em 2009, indica o desenvolvimento de sistema viário básico que ainda não saiu do papel e o que está feito, como a Via Expressa, não existe como tal. "Ali não deveriam ter sinalização ou cruzamentos e sim passagens elevadas e túneis". As avenidas Bezerra de Menezes e a Aguanambi têm a classificação de vias arteriais (aquelas que, por sua importância dentro da cidade, conciliam fluidez e acessibilidade) e nunca funcionaram assim. "Fortaleza ainda tem a estrutura de trânsito dos anos 90. Assim fica impossível e isso vem sendo avisado faz tempo", assegura.

A arquiteta e urbanista Ticiane Sanford avalia que a capital se ressente de obras como viadutos e túneis. No entanto, alerta, até mesmo os existentes apresentaram problemas. O viaduto da avenida 13 de Maio, finalizado em 1992, exemplifica, foi uma obra que provocou desentendimentos. Mal planejado, houve a necessidade de se colocar semáforos embaixo do viaduto. "E o pior: nas proximidades de uma rotatória", ironiza.

A professora Vera Lúcia Mamede, do Observatório das Cidades, aponta que há vários anos o cruzamento das avenidas Engenheiro Santana Jr. e Padre Antônio Tomás está no ranking dos pontos mais congestionados da cidade. "Entra ano e sai ano e nada melhora".

De fato, afirma o vereador e ambientalista João Alfredo, a atual gestão pouco fez para melhorar a mobilidade urbana (e humana) na cidade de Fortaleza, com exceção do Transfor (novo nome dado ao antigo Bidfor, da gestão de Juraci Magalhães), cujas obras estão previstas para terminar - se não sofrer dos intermináveis atrasos das obras municipais) apenas no final de 2011. Enquanto isso, critica o parlamentar, sofremos com os engarrafamentos intermináveis e com a ausência de agentes de trânsito - cujo número é absolutamente insuficiente para a demanda da cidade - são 320 para dá conta de toda a capital.

Além disso, continua, o sistema de transporte público é ineficiente e de baixíssima qualidade (apesar do baixo valor da passagem), e com a falta de política para os ciclistas, que correspondem a quase 12% dos que se movimentam na cidade. As ciclovias, aponta, são desconectadas e mal projetadas e ainda enfrentamos a ausência de uma política de educação do trânsito que possa proteger pedestres e ciclistas, maiores vítimas de um tráfego violento que mata uma pessoa por dia em Fortaleza. "Parte desses problemas, é verdade, são estruturais e históricos, alguns deles decorrentes da política federal de incentivo ao carro individual, mas a inércia da Prefeitura só fez por agravá-los", detona João Alfredo.

Para a economista e doutora em Planejamento Urbano, Cleide Bernal, as razões para as dificuldades de circulação são múltiplas: velocidade com que a cidade é adensada; construção de prédios e equipamentos urbanos sem preocupação com o impacto no sistema de circulação e, muitas vezes, com o prejuízo desse sistema; ocupação das faixas de alargamento das vias; concentração da população e das atrações na parte mais rica da cidade; ausência de investimentos públicos à altura da demanda por circulação; erros de políticas e decisões dos governos e falta de cooperação mútua nesse campo. "Nem sempre cabe mais um se não houverem condições estruturais para comportar tantos veículos. E isso vale para o trânsito da cidade", salienta.

E isso a população sofre na pele. Até 2008, o motorista particular, Pedro Aurélio de Menezes, fazia o trajeto Dionísio Torres - Rua Nunes Valente - até as proximidades do Terminal Rodoviário do Papicu em 12 minutos. Hoje, ele não percorre a distancia por menos de 40 minutos. Isso em dia bom, conta acrescentando que já levou 1h20 para fazer o mesmo caminho. "É muito estressante e piora quando um veículo dá prego ou encontramos buracos ou obra. Isso acontece na cidade toda e não é mas problema da Aldeota ou Centro".

Se hoje, com aproximadamente 660 mil veículos nas ruas, a velocidade média dos veículos no horário de pico é de 20 km/h, imaginemos o que acontecerá - se nada for radicalmente transformado - nos próximos dez anos, quando essa frota já tiver dobrado e mais de um milhão e 200 mil veículos estiverem se espremendo em nossas vias? questiona o engenheiro de trânsito Fernando Silvino.

A Prefeitura de Fortaleza tenta responder a indagação com as obras Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor). A promessa é minimizar o caos diário com projetos em andamento. A primeira etapa do programa já está em andamento desde maio de 2008 com a execução de alargamentos, restaurações viárias, a implantação do corredor Antônio Bezerra-Papicu, interligando os dois terminais, que também serão ampliados. Estão previstas ainda as construções de túneis e viadutos na Av. Engenheiro Santana Jr., nos cruzamentos com as vias Padre Antônio Tomás e Antônio Sales (Cocó), além do túnel da Av. Humberto Monte com a Av. Bezerra de Menezes (Presidente Kennedy/Parquelândia/Pici)

Já a segunda etapa inclui os corredores Siqueira-Centro e Conjunto Ceará-Centro, com a ampliação dos terminais do Siqueira e da Parangaba, túnel no cruzamento das vias Eduardo Perdigão com Osório de Paiva (Parangaba). Serão restauradas, ainda, as vias Alberto Sá, Renato Braga e Hermínia Bonavides (Papicu/Vicente Pinzón), Desembargador Moreira (Aldeota/Meireles), Francisco Sá (Monte Castelo/Barra do Ceará), Mozart Pinheiro Lucena (Quintino Cunha), Ministro Albuquerque Lima (Conjunto Ceará). Essas obras, que irão complementar o programa geral, devem ser concluídas até 2012.

Para os ciclistas, serão construídos mais 30 km de ciclovias na cidade, sendo que hoje Fortaleza conta com 67 km, incluindo os dois quilômetros implantados recentemente pelo Transfor na Avenida Mister Hull.

Se tudo for realmente concretizado no tempo previsto será muito bom para a cidade. A afirmação é do engenheiro paulista Paulo Sergio Custodio. Ele assumiu há pouco tempo uma das mais difíceis missões em tempos de crescimento acelerado na China: colocar ordem no trânsito de algumas das maiores cidades daquele país. Custódio participou da implantação do elogiado sistema de transporte público Transmilenio, de Bogotá, e coordenou projetos patrocinados pelo Banco Mundial na Cidade do México, Jacarta e Nova Délhi.

Ele é um defensor da melhoria do sistema de transporte público. "A elite brasileira adora dizer que só dá para deixar o carro na garagem quando o transporte público for melhor. Isso é bobagem", assevera. Para ele, só vamos ter um melhor transporte público quando a classe média voltar a usar o transporte público. Só assim terá pressão política para melhorar com mais rapidez. "Tem que começar por algum lugar, então acho que é dificultando o uso do carro. Enquanto transporte público for para pobre no Brasil, o caos não melhora", atesta.

PROPOSTAS
MPE defende rodízio na área que limita horário de caminhões


Aproveitar o quadrilátero formado pelas avenidas Barão de Studart e Padre Antonio Tomás, Rua João Carvalho, avenidas Senador Virgílio Távora, Antônio Justa e Abolição, onde os caminhões de carga e de distribuição comercial com peso total acima de 2,5 toneladas não podem circular entre 6 e 20 horas, para implantar o rodízio de carros. A ideia é do promotor do Núcleo de Atuação Especial de Controle e Acompanhamento de Políticas do Trânsito (Naetran), do Ministério Público Estadual (MPE), Gilvan de Melo. "É uma forma de reabrir o debate sobre o assunto e saber, na prática, se o rodízio em toda a cidade não é uma das saídas viáveis para essa caos que enfrentamos todos os dias", defende. Ele também quer que o rodízio seja realizado na avenida Dom Luís e ruas como a Vicente Leite, Ana Bilhar e Joaquim Nabuco, além da Beira-Mar. "Volto a defender essa proposta por achá-la a mais indicada para a nossa Capital. Se em São Paulo dá certo, aqui também poderá dá. É preciso ordenar", declara.

A diretora de Planejamento do Detran/CE, Lorena Moreira, prefere não comentar a proposta do MPE. Para ela, qualquer intervenção que mexa com o cotidiano da cidade deve passar por um estudo profundo. "É preciso analisar a sua viabilidade".

Já o presidente da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania de Fortaleza (AMC), Fernando Bezerra, avalia que para se decidir pelo rodízio de veículos seria necessário muito tempo de estudos e mesmo assim, a Capital não comportaria tal ação e adianta que esta será a última saída para Fortaleza.

No entendimento do ambientalista João Daniel de Araújo, a solução não passa por rodízio de carros ou pela abertura de mais vias e viadutos. "Além de não termos mais espaços para isso, essa cultura do cimento e do asfalto só leva a cidade a perder áreas verdes e espaços públicos que são tomados da natureza e da cidadania para o tráfego de mais e mais veículos", certifica.

A mudança, aponta o professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, do Observatório das Metrópoles, há de ser radical e profunda e começa com a rediscussão e redimensionamento do uso do solo urbano, fazendo com que o trabalho, o comércio e o lazer possam estar próximos aos locais de moradia, o que diminuiria a necessidade de deslocamentos a grande distância. A segunda mudança é romper com os valores da civilização do automóvel individual, que, apesar de representar algo em torno de 15 a 20% dos usuários, pode ocupar até 80% das vias públicas nas grandes cidades. "A irracionalidade é tão perversa, que 80% dos automóveis circulam com apenas uma pessoa: o próprio motorista". Para ele, o incentivo deve ser para o transporte público - ônibus, trens, metrôs, veículos leves sobre trilhos) e ecológico (não motorizados: pedestres e ciclistas).

O problema do transporte e do trânsito exige solução sistêmica, integrada, avalia o economista e professor Paulo César Batista. Em qualquer grande cidade do mundo, diz, o trânsito chegou à exaustão pelo excesso de automóveis. Ele indica a necessidade de desconcentrar a cidade e evitar que as pessoas sejam obrigadas a se deslocar de um canto para o outro no deslocamento entre emprego, residência, lazer, escola, saúde, compras e acesso às comodidades da vida. Esse é um princípio poderoso. É fundamental, portanto, passar a usar de forma mais determinante indicadores de circulação para a aprovação de prédios e equipamentos geradores de tráfego. "O investimento público deve usado como indutor de desconcentração, através de novos investimentos em infraestrutura, escolas, hospitais, equipamentos esportivos e culturais em região de expansão".

Outra saída, seria o pedágio urbano. Para o estudioso, o uso de automóvel é subsidiado no Brasil, o governo gasta muito mais com quem tem carro do que com o transporte público. A gasolina deveria ser mais cara. O automóvel precisa pagar o alto custo que provoca à sociedade.

Opinião do especialista
Investimento em transporte público é uma das alternativas


José Wagner de Paiva Queiroz
Psicólogo especializado em trânsito

Não foi apenas a quantidade da frota de veículos que cresceu sensivelmente nos últimos anos, mas também o número de condutores de veículos que são habilitados mensalmente em especial na capital cearense. Foram, segundo dados do Detran, até fevereiro desse ano, foram emitidas em Fortaleza, 467 mil habilitações categoria B. Somando todas as categorias esse número chega a 718 mil motoristas. O número impressiona. A confusão é tremenda. Acredito que a curto e a médio prazo, o setor de transportes coletivos, investir e propor ao cidadão, que costumeiramente se desloca ao trabalho em veículo particular, o uso de ônibus com conforto e qualidade (ar-condicionado, assentos estofados e com rotas pré-estabelecidas, segundo o interesse dos cidadãos). O metrô poderá ser uma das alternativas para colaborar neste sistema. A longo prazo, intervenções de engenharia como a construção de viadutos, novas vias, alargamento de ruas, passarelas em pontos de fluxo de pessoas para diminuição de semáforos, redirecionamento de ruas e avenidas. Em paralelo, campanhas de conscientização ao cidadão, lembrando-o e reforçando comportamentos adequados e seguros no trânsito, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, para que haja uma melhor convivência. A informação (a educação) leva à conscientização e a conscientização leva à mudança de comportamento
das pessoas.

Posteriormente, após o processo educativo, também defendo a fiscalização no rigor da lei de trânsito. E o Poder Judiciário,segundo a situação de infração no trânsito, deve aplicar penas alternativas de sensibilização da população quanto à convivência no trânsito. Só assim, tenhamos um trânsito menos violentos e que comprometa menos a comunidade.

Melhorias

"Além do rodízio, a construção de estacionamentos-garragens pode ser alternativa"

Antônio Gilvan Melo
Promotor de Justiça

"É preciso desconcentrar a cidade e evitar deslocamentos desnecessários"

Paulo César Batista
Economista e professor

"Investimentos em ciclovias e melhoria do transporte público são alternativas"

João Alfredo Telles
Parlamentar


LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER
Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.