Folias do passado e presente

Andar pela cidade de Aracati nesse período festivo é perceber que, a cada quarteirão, será possível ouvir, em um paredão, o último hit do momento ou quem sabe avistar um senhorzinho idoso animado pela marchinha que fez parte da sua adolescência. 

Escrito por Cadu Freitas , carlos.freitas@diariodonordeste.com.br
Legenda: Várias gerações se encontram no tradicional bloco do Zé Pereira, em Aracati. O desfile acontece sempre aos sábados
Foto: Fotos: Kid Júnior

Quando apenas uma rua divide a tradição da contemporaneidade, é possível afirmar que o espírito de Carnaval vai se moldando com o passar do tempo. Andar pela cidade de Aracati nesse período festivo é perceber que, a cada quarteirão, será possível ouvir, em um paredão, o último hit do momento ou quem sabe avistar um senhorzinho idoso animado pela marchinha que fez parte da sua adolescência. 

Metáforas à parte, a possibilidade de experimentar os diversos carnavais do município do Litoral Leste talvez seja o maior atrativo de uma cidade conhecida pela relação intrínseca com a história do Ceará. Voltemos ao passado. Índios Potyguara, povoado de Santa Cruz do Aracati, as famosas charqueadas... Todos esses temas poderiam fielmente dar conta desta crônica; contudo, a tradição no lugar é um pouco mais recente. 

Embora não se saiba quando oficialmente o carnavalesco Nogueira Ponciano puxou o Zé Pereira - manifestação cultural, cuja origem é indefinida, e ocorre em diversos municípios brasileiros sempre nos sábados de Carnaval - de Aracati e o colocou na rua, o animador cultural deixou um legado.

Em 2006, Nilse Ponciano se uniu a um grupo de amigos e reavivou os famosos desfiles realizados pelo pai em décadas anteriores. Hoje, o criador virou criatura e, mesmo após a morte, continua desfilando pela Rua Grande, local de encontros e desencontros entre o passado e o presente. Como se estivesse vivo, ele observa de cima o desenrolar da marcha e as lamparinas que relembram a cidade quando não havia luz.

Embora ainda adolescente, com apenas 13 anos, o Zé Pereira ganha a rua com um gostinho dos festejos de outrora. As marchinhas que animam crianças e idosos – estes com suas lamparinas já caracterizadas e trazidas de casa – fazem o sorriso abrir e o coração palpitar. “Carnaval é isto”, diria um saudosista. Eu vou além: Carnaval é encontro. Seja na Rua Grande ou na avenida principal de Aracati.

Com o pé no tradicional, a mudança de ambiente já é visível a poucos metros. Quando um grupo de foliões passa, repleto de goma do mela-mela da Praça da Igreja Matriz, o contemporâneo bate à porta. São manifestações culturais, afetos promovidos pela cultura e por meio da organização de um povo sedento por diversão no início do ano.

Os pés, então, parecem se mover como se fossem naturalmente em direção à avenida principal. O corpo palpita com os grandes blocos que inserem aos prédios de antigamente uma rotina adversa do restante do ano. E os casarões dançam também, se pintando com as cores do Carnaval – que não escolhe credo, sexualidade ou gênero.

Vontade de ser Carnaval
Ao contrário, o contemporâneo de Aracati é paradoxal: acolhe e encolhe. A cada pessoa que chega e se junta ao grande público, parece que o espaço fica menor. O mar de gente que curte, se diverte, com uma bebida (ou não) na mão, e dança como se não houvesse amanhã diz muito sobre a diversão atual. 

Difícil é ficar parado, sem mexer os pés, a cabeça ou até o corpo todo. Se o calor está grande, basta aguardar um pouquinho, São Pedro certamente está de plantão mandando lá de cima um sereno pra refrescar. E como refresca! A água que cai sobre os poros rejuvenesce o amor e a vontade de ser Carnaval. 

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.