Fiscalização por videomonitoramento é suspensa pela Justiça Federal no Ceará

Após determinação judicial, órgãos de trânsito estão proibidos de registrar infrações a motoristas por meio de câmeras aéreas de controle. Cobrança do Ministério Público Federal, decisão ainda não tem caráter retroativo

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@verdesmares.com.br
Legenda: Enquanto novas infrações não podem ser registradas, ainda não há definição sobre penalidades já aplicadas
Foto: foto: JL Rosa

Estão suspensas as multas geradas, desde ontem (5), por meio do sistema de videomonitoramento no trânsito de Fortaleza. A decisão foi tomada pela 1ª Vara Federal do Ceará. Enquanto novas infrações não podem ser registradas, ainda não há definição sobre penalidades já aplicadas. O caso agora será julgado em segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), em Recife, Pernambuco.

Na prática, órgãos de trânsito já estão impedidos de aplicar penas a infrações cometidas no interior de veículos. A Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) e a União são rés na Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal no Ceará (MPF-CE), que resultou na sentença. Como fundamento da decisão, o órgão justifica que o sistema de videomonitoramento, cujo alcance atinge até 400 metros de distância, com zoom 20 vezes maior que o normal, representa uma "violação à legalidade, intimidade e à privacidade" dos condutores.

As imagens de monitoramento são geradas pelo controle de Tráfego em Área de Fortaleza (CTAFOR). Em dezembro de 2018, um perito contratado pelo MPF analisou as cenas transmitidas na sala, o modo como são operados e a cobertura do equipamento. O professor de Engenharia, Mário Azevedo, responsável pelo parecer técnico que foi anexado ao processo, concluiu que, de fato, as câmeras captam a parte de dentro dos automóveis.

"Existe uma visão do interior do veículo, mas o acesso é estritamente controlado pela AMC. É uma sala totalmente separada com código para entrar. A meu ver, estaria garantido que somente um agente público tem acesso às imagens. Elas não são gravadas, congeladas, não podem ser colocadas em câmera lenta, voltar. É um auxílio para um mesmo agente estar em vários locais da cidade", descreve o especialista na área.

Mudanças

Dessa forma, o MPF estabeleceu que câmeras aéreas não podem multar por uso de celular ao volante, falta de cinto de segurança, farol baixo apagado durante o dia, avanço de sinal vermelho e excesso de velocidade. Será permitido apenas a anotação de infrações por estacionamento proibido, em faixa de pedestre, fila dupla, tráfego na contramão e conversão proibida. Motociclistas sem capacete, visor e de chinelo de dedo também podem ser autuados.

As mudanças, porém, deverão ser efetivadas em nível nacional. Isso porque, segundo a decisão do juiz Luís Praxedes Vieira da Silva, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) deve apresentar, em até 60 dias, uma nova resolução sobre o uso de câmeras de videomonitoramento, incluindo as exigências descritas na sentença judicial.

Após o retorno do Contran, as medidas acerca do uso do sistema terá validade nas três esferas de Governo: municipal, estadual e federal. Em caso de descumprimento, o órgão federal pode receber multa processual de R$ 50 mil por dia de atraso. Já a AMC, se continuar punindo motoristas por meio dos equipamentos eletrônicos, poderá ser multada punida em R$ 5 mil por cada irregularidade anotada.

Legenda: Órgãos de trânsito já estão impedidos de aplicar penas a infrações cometidas no interior de veículos
Foto: Foto: JL Rosa

Devolução

De acordo com o procurador da República no Ceará, Oscar Costa Filho, as regras passaram a valer a partir da publicação da sentença. A única pendência temporária envolve o repasse da arrecadação aos motoristas penalizados pelo videomonitoramento. "Nós vamos esperar a confirmação no Tribunal para que o efeito agora seja chamado de 'ex nunc', ou seja, retroativo, condenando a AMC a devolver multas decorrentes de autuações ilegais", explica.

Por meio de nota, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania informou que a Procuradoria Jurídica da entidade analisa a decisão, embora reforce que sempre esteve amparado legalmente quanto ao uso da vigilância baseada em câmeras. "Até a presente data, o órgão cumpriu a todos os preceitos exigidos na Resolução 532 do Conselho Nacional de Trânsito estando, portanto, amparado legalmente para utilizar o videomonitoramento também como instrumento de fiscalização".

O órgão concluiu a mensagem alegando que o sistema tem como único objetivo "salvar vidas e dar continuidade à política de segurança viária que já reduziu em 40% o número de mortes" em Fortaleza nos últimos quatro anos. A reportagem do Diário do Nordeste solicitou ontem o quantitativo de multas tabuladas pelo sistema desde a sua implementação, em março de 2017, mas não obteve resposta sobre essa questão.

Desvio

À época da implantação, 41 cruzamentos de Fortaleza eram monitorados pelo CTAFOR sob a justificativa de que o intuito era despertar o "respeito à sinalização", conforme ponderou o superintendente da AMC, Arcelino Lima. No entanto, para Oscar Costa Filho, os equipamentos tiveram um desvio de finalidade, sendo este um dos motivos que embasou a ação do MPF. "Qual foi a razão da nossa luta? A nossa tese era de que as câmeras estão para serem usadas como auxílio às forças de segurança. Mas, eles passaram a utilizá-las para multar as pessoas", aponta.

Segundo o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Flávio Cunto, a abrangência das câmeras obriga o condutor a repensar o comportamento no trânsito. "Elas transmitem ao motorista uma sensação de que a pessoa está sendo monitorada de uma forma mais global. Isso faz com que ele tenha cuidado não só naquele momento próximo da fiscalização eletrônica, mas em um segmento maior da via".

A suspensão das infrações por meio dos aparelhos pode trazer como consequências o surgimento de uma conduta irresponsável na cidade. "A retirada é uma sinalização de que a fiscalização na cidade está afrouxando, ficando mais leve. Isso pode ser traduzido no aumento das infrações que trazem malefícios", justifica Cunto, citando o aumento de congestionamentos e de acidentes como efeitos colaterais da sentença.

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