Falta de suporte para atender crianças afeta atuação de conselheiros

Em Fortaleza, durante anos, as condições estruturais dos conselhos tutelares foram inadequadas. Hoje, o problema foi reduzido, mas conselheiros alegam que falhas na rede de atendimento prejudicam o resultado do trabalho

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: O Conselho I é um dos únicos que ainda funciona em prédio alugado na Capital
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

A eleição dos conselheiros tutelares deixou em evidência o trabalho de pessoas que precisam estar na linha de frente no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violações de direitos. Os Conselhos são equipamentos já conhecidos, aos quais a população recorre quando, por exemplo, conflitos, violências e negligências são detectados. Mas, para além dos dilemas da eleição, como tem funcionado esse serviço em Fortaleza? Qual a estrutura para atuação dos conselheiros? E como tem sido esse atendimento?

Durante anos, as dificuldades estruturais foram expressivas nas sedes dos conselhos na Capital. Hoje, a situação física e as demandas materiais, avaliam os conselheiros, estão mais equacionadas, embora ainda careçam de melhorias. Mas, obstáculos, sobretudo, de retaguarda para garantir a proteção efetiva das famílias que buscam os oito conselhos, ainda perduram.

A capital cearense tem 40 conselheiros atuando em unidades nos bairros Mucuripe, Jacarecanga, João XXIII, Conjunto Ceará, Dias Macêdo, Monte Castelo, Boa Vista, Centro e Parreão. As unidades dos dois últimos bairros citados ainda funcionam em prédios alugados.

Necessidade

O custo médio mensal de manutenção desses Conselhos é estimado pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) em R$ 9.500,00. Além disso, a Prefeitura paga R$ 5.949,42 de remuneração mensal a cada conselheiro.

Um dos gargalos de Fortaleza é o déficit de unidades. A Resolução de 170/2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), orienta que os municípios devem ter uma proporção mínima de um equipamento para cada 100 mil habitantes. Seguindo esse parâmetro, a Capital deveria ter 26 Conselhos. A lacuna afeta os atendimentos.

"Hoje podemos dizer que temos uma estrutura razoável, com carro, salas, internet, mas o dilema é dar seguimento aos atendimentos diante da grande demanda", afirma o conselheiro tutelar Henrique Ferreira. De acordo com ele, as unidades contam com cinco conselheiros, quatro vigilantes, dois motoristas, um auxiliar administrativo, dois educadores sociais, um profissional de serviços gerais, um psicólogo e uma assistente social, divididos por escala.

Esse quadro tem se mantido nos Conselhos, mas temos muitos problemas em garantir o suporte para quem precisa. Um exemplo é o acolhimento, com poucas vagas. Só temos quatro acolhimentos e um abrigo de família", conta Henrique.

A situação é reiterada pela conselheira Stela Fernandes. "A estrutura melhorou bastante porque era muito ruim. Mas o que realmente não funciona é a rede de atendimento. O conselheiro tem que garantir o direito, mas como se eu encaminho um adolescente ou uma criança para o Caps e essa consulta demora? E a culpa não é do Caps, a demanda é grande. A rede não tem suporte. Tem que ficar em fila de espera", alerta.

O conselheiro Tiago Simões reforça a avaliação. "A rede é muito falha. Na minha regional tem muita demanda de saúde, crianças esperando. No Cras e no Creas há espera por um benefício eventual. Não adianta ter um equipamento esvaziado. Isso impacta o nosso trabalho".

As falhas, assegura Tiago, vão desde a ausência de suporte emergencial como a garantia de alimento até a segurança de vagas em creches, escolas e atendimentos psicológicos. "Os problemas são identificados, comunicados ao Conselho, mas não tem como agir porque não temos o suporte".

Um consenso é que o Conselho V, tem a pior situação, pois, explica o conselheiro Rodrigo Pinheiro, é o equipamento com a maior demanda e abrange uma área muito grande e adensada.

21 bairros
são atendidos pelo Conselho V; dentre as oito, a unidade é a mais sobrecarregada.

"Temos cadastrado no sistema cerca de seis mil denúncias que estão sendo apuradas no nos últimos anos. Metade delas são no Conselho V. Vários processos não conseguem tramitar com a velocidade adequada. Pra ser ter uma ideia, quem mora no José Walter tem que ser atendido no Conjunto Ceará", observa.

Pesquisa

Os problemas relatados constam nos resultados de análises sistemáticas realizadas desde 2017 pelo Núcleo de Pesquisas Sociais (Nupes) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em parceria com o Ministério Público do Ceará (MPCE). Segundo a coordenadora do Nupes, Andréa Luz, o gargalo do conselho V é evidente.

"Na Regional V, os atendimentos são muitos. Em 2018 e 2019, os conselheiros estavam fazendo mutirão para ajudar", conta a professora. Ela ressalta, ainda, que muitas solicitações precisam de acompanhamento e relação direta com outros órgãos, como os Centros de Referência de Assistência Social.

"Não tem a retaguarda. É um problema da estrutura do sistema de garantias de direitos. Tem toda uma rede que precisa também estar efetiva para, quando a denúncia chegar, ser resolvida", pontua.

Em 2019, até o início de outubro, foram feitos 1.238 atendimentos nas unidades. O número é bastante distinto dos registrados em anos anteriores. Conforme a Funci, órgão ao qual os conselhos são vinculados no Município, isto pode ter ocorrido, pois desde o início do ano, os conselhos adotaram o Sistema para Infância e Adolescência (Sipia) do Governo Federal e esse formato evita a duplicidade de registros.

Questionada sobre os obstáculos de atendimento e a necessidade de ampliação dos Conselhos, a presidente da Funci, Glória Marinho, se limita a dizer que duas novas unidades devem ser criadas, uma na Regional V e outra na VI. A estimativa de inauguração é em março e junho de 2020, respectivamente.

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