Faixa etária de 30 a 39 anos tem maior número de mortes por Aids

Nos últimos 10 anos, o Estado do Ceará contabilizou 782 óbitos de pessoas, com essas idades, portadoras da doença, segundo levantamento da Secretaria da Saúde. No acumulado da década, foram registradas 2.408 mortes

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@svm.com.br
Legenda: Teste rápido do HIV é disponibilizado nas 113 unidades de atenção básica
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

De recém-nascidos a idosos, nenhuma faixa etária está livre da possibilidade de ser infectada com o vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Nos últimos 10 anos, a doença fez o Ceará registrar 2.408 óbitos, tendo o público mais afetado de 30 a 39 anos, o que representa 32,4% do total de mortes. 

Contudo, as causas para a concentração majoritária de mortes nessas idades ainda são inexistentes. De acordo com a assessora técnica da Secretaria Estadual (Sesa), Magda Almeida, os motivos concretos capazes de explicar o resultado serão descobertos somente a partir de estudos. 

“A gente não sabe exatamente aqui no Ceará quais os motivos. É um estudo que precisa ser feito, considerando que existe terapia antirretroviral e as pessoas já têm acesso. É falha terapêutica, é resistência ou abandono de tratamento? Temos que investigar”, pondera a gestora. 

Os dados de mortes por Aids são da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica da Sesa. Conforme o levantamento, a segunda maior taxa de mortes na década foi de pessoas de 40 a 49 anos. Por outro lado, o menor índice ficou direcionado nos idosos com idades a partir de 80 anos, que tiveram 11 óbitos. 

Perfil

Os números do IntegraSUS trazem o detalhamento dos diagnósticos de HIV no Ceará. Embora o recorte seja apenas de janeiro de 2015 a dezembro de 2019, o balanço traça o perfil dos pacientes por gênero, idade, escolaridade e raça, além de apontar os casos de cada município do Estado.

Segundo a plataforma, cuja atualização é feita pela própria Sesa, 8.457 casos de HIV positivo foram identificados no período. A taxa de detecção entre 2015 e 2017 cresceu 21,7%, quando passou de 17,09 por 100 mil habitantes para 20,81. Nos últimos dois anos - 2018 e 2019, porém, a proporção decresceu de 20,75 para 17,77 por 100 mil habitantes, o que representa uma queda de 14,4%.

Todos os 184 municípios cearenses tiveram pelo menos um diagnóstico de HIV. Com 4.877 casos, Fortaleza tem a maior prevalência do vírus. A quantidade representa 57,67% do total. Outras duas cidades da Região Metropolitana (RMF) seguem ao lado da Capital liderando a incidência: Caucaia que anotou 358 casos, e Maracanaú (329) .

Para o enfermeiro e coordenador da área técnica de IST/Aids da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS), Marcos Paiva, a alta incidência do HIV se justifica pelo contexto de vulnerabilidade da Capital, que acumula a maior densidade populacional do Estado. “Você encontra bolsões de populações mais vulneráveis em quantidades superiores a de outras cidades, como pessoas em situação de rua”.

Ao mesmo tempo, ele considera que a facilidade no acesso ao teste rápido contribuiu para o maior número de diagnósticos. “Antes era um teste realizado apenas em laboratório e nem todo mundo tinha acesso. E quando os testes passaram a ser disponibilizados em serviços especializados e nas 113 Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), a possibilidade de você encontrar casos reagentes ampliou o número”, reforça Marcos Paiva. 

Prevalência

O IntegraSUS revela também que a relação sexual de homens com homens é o principal meio de transmissão do vírus HIV no Ceará. Isso porque, dos 8.457 casos, 5.033 foram do grupo masculino. “No mundo todo, essa é a categoria mais expressiva. O coito anal tem um risco maior de transmissão de vírus HIV que a relação vaginal”, diz Magda Almeida. Outros 98 aconteceram por transmissão vertical, quando a gestante passa o vírus para o bebê; 67 por uso de drogas injetáveis e 15 por transfusão sanguínea, por exemplo .

A dona de casa Sabrina Vieira, 33, convive com o HIV desde 2014, quando descobriu o vírus durante as consultas do pré-natal. De cara, alimentou o que ela considera como maior receio após o diagnóstico: “morria de medo de a bebê também contrair. Também me doeu muito o fato de eu não poder amamentar, mas eles trabalharam meu psicológico até que eu superei isso”, relata. 

Aos sete meses de tratamento descobriu que a carga viral estava indetectável, o que anula a possibilidade de transmissão. Entre idas e vindas ao Hospital São José, onde continua sendo acompanhada, ela diz acumular “cansaço”, não pelo deslocamento de casa até a unidade, mas em virtude da falta de estrutura e organização do local. 

Medidas

“Hoje em dia eu faço tratamento psiquiátrico lá. E esse serviço lá é muito ruim, porque eles não conversam com o paciente, não olham no nosso olho, nem um ‘como é que você está?’”, pontua Sabrina, que confessa a necessidade de ser ouvida. “Eu já tive crise de pânico, depressão, ansiedade, então é sempre bom contar com alguém para conversar e dar um conforto”.

Além da ampliação no ambulatório do hospital, “porque muitos pacientes ficam sentados” e na sala de atendimento “que falta para os médicos, já que uns ficam esperando os colegas terminarem para atender seus pacientes”, Sabrina Vieira defende ainda uma maior participação do Estado em campanhas de prevenção do HIV. “Precisamos de mais ações de conscientização. Acho que se fala pouco nisso”, opina.

Por meio de nota, a assessoria do Hospital São José informou que “o atendimento do serviço ambulatorial ocorre normalmente e de maneira ordenada, conforme marcação de consultas”. E para melhorar o atendimento e o acesso ao serviço, diz que “está em andamento o projeto de ampliação do ambulatório. O local já foi adquirido pelo Governo do Ceará e fica em frente ao HSJ. O projeto atende a todo o ambulatório, o que inclui o atendimento psicológico”.

Faltando menos de um mês para o carnaval, no entanto, o Ceará ainda não tem campanha de prevenção ao HIV/Aids. “A gente estava dependendo muito das ações ministeriais, e esse ano, acredito até pela dificuldade do Ministério da Saúde abordar a temática, ainda não temos”, esclarece Magda Almeida, da Sesa.

A reportagem do Diário do Nordeste entrou em contato com a assessoria de comunicação da Pasta federal para buscar informações sobre ações da campanha temática, público-alvo e datas de execução. A resposta para a demanda, contudo, não foi enviada até o fechamento desta matéria. 

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