Estacionamentos podem ser responsabilizados por furto de veículos

Cobrando ou não uma tarifa pelo uso das vagas, estabelecimentos que oferecem espaços para estacionar não estão isentos de responder legalmente por danos aos veículos, mesmo afixando placas de avisos na entrada

Escrito por Bárbara Câmara , barbara.camara@diariodonordeste.com.br
Legenda: Furtos a veículos durante permanência na Zona Azul causam divergência quanto a aplicação do artigo 14
Foto: Foto: Reinaldo Jorge

É a sensação de segurança proporcionada pelo sobe e desce da cancela nos estacionamentos que faz com que clientes optem por pagar a tarifa - por hora ou fração - ao invés de peregrinar pelas ruas em busca de uma vaga.

Essa mesma tranquilidade pode se evaporar em instantes quando o carro é encontrado com uma das janelas quebrada e o interior, revirado. Pior ainda quando o veículo 'desaparece'.

O desamparo aumenta ao ler as placas fixadas em destaque: "não nos responsabilizamos pelos bens deixados no interior dos veículos". O Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, porém, prevê o contrário. "Se um estabelecimento oferece uma área pra estacionar, cobrando ou não, ele é responsável por todos os bens dentro do carro. É o serviço que está sendo prestado", explica Thiago Fujita, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE.

A regra vale para todo estacionamento disponibilizado por comércios, bancos, shoppings, hospitais e farmácias. Segundo Fujita, a partir do momento em que uma empresa se propõe a oferecer um local para estacionar, ela assume para si uma prestação de serviço, na qual está inserida a segurança dos bens.

No caso de lojas que oferecem vagas para estacionar e não cobram, juridicamente, entende-se que "o valor do estacionamento está incluído no preço de outros serviços que o comércio oferece", de acordo com o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE.

Polêmica

O mesmo vale para estacionamentos menores, delimitados por faixas pintadas na calçada recuada em frente a um estabelecimento. "Há uma certa polêmica na questão do recuo. Alguns juízes entendem como insuficiente para responsabilizar a empresa, mas, na maioria das vezes, o resultado é favorável para o cliente", destaca.

A polêmica também se estende para os casos de furto a veículos estacionados em vagas da Zona Azul. "Na sua grande maioria, a jurisprudência entende que a Prefeitura não deve ser cobrada, tendo em vista que a Zona Azul garante a rotatividade das vagas, então só se garante a possibilidade de uma troca de pessoas utilizando o espaço, mesmo existindo uma cobrança", diz Fujita. Entretanto, apesar de raros, existem casos que trazem a condenação.

Condomínios

Em um âmbito não-comercial, questionam-se as situações de danos causados aos carros estacionados dentro de condomínios residenciais. De acordo com Carlos Levi Costa, defensor público da 3ª Defensoria Cível de Fortaleza, em casos do tipo, a culpa da vigilância deve ser atestada. "A situação muda um pouco porque aplica-se o Código Civil.

Se o condomínio contrata uma empresa de segurança ou administração, essa empresa pode ser responsabilizada, assim como o próprio condomínio. É uma responsabilidade solidária", explica. No processo judicial, é discutido se quem deverá pagar serão ambas as partes ou apenas uma. O condomínio resolve internamente, e todos os moradores arcam com a despesa da possível indenização.

Orientação

Caso um cliente tenha seu veículo furtado enquanto mantido em uma área delimitada para estacionar, a orientação é entrar em contato com o fornecedor ou empresa responsável pelo estacionamento para estabelecer um acordo. Caso não seja possível, deve-se procurar então o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, ou ingressar com ação judicial contra a empresa no intuito de ser ressarcido do prejuízo.

Batalha

A opção de lutar na Justiça foi a única saída para Elaine Fernandes, 43, professora de arte e empreendedora. Em agosto de 2017, após deixar seu carro no estacionamento de um supermercado no bairro Montese, ao retornar, ela encontrou o vidro traseiro quebrado, logo acima do bagageiro.

"Tinha guardado computador, máquina fotográfica, muitos materiais de artesanato. Passei meia hora dentro do supermercado. Quando voltei, o carro tinha sido arrombado, e eu fiquei meio desorientada. Nem vi que o som do veículo tinha sido levado. Eles quebraram o vidro, abriram a porta, puxaram o banco de trás e levaram simplesmente tudo que tinha no bagageiro", lembra a professora.

De volta ao supermercado para pedir ajuda aos funcionários, a atenção foi negada à Elaine por cerca de trinta minutos. Segundo ela, apenas um guarda a acompanhou até veículo para fazer os registros em foto. Enquanto tentava o contato com a administração, outra cliente chegou denunciando ter sido vítima de crime semelhante, no mesmo estacionamento.

"Solicitei que olhassem a imagem das câmeras de vigilância. Foi quando soube que o monitoramento é feito só na entrada e na saída, o estacionamento em si não é vigiado", relata. Após ligar para a Polícia, que foi até o local, Elaine foi informada de que deveria apenas registrar um boletim de ocorrência. Só lhe restaram uma ficha a ser preenchida e o prejuízo estimando entre R$ 20 mil a R$ 25 mil.

"Resolvi entrar com uma ação judicial. A sensação de constrangimento e desamparo foi horrível. Você está dentro de um estabelecimento de consumo, você vai pagar por aquilo, e de repente você é usurpada", lamenta.

Um ano após o ocorrido, deu-se a primeira audiência. "Foi simplesmente para me dizer nada. Foram dois representantes do mercado, que não sabiam nada do caso", diz Elaine. "Outra audiência, entre outubro e novembro de 2018, também não deu em nada. Só foi dito que aquela audiência não era mais para acordo. Os depoimentos foram gravados, levaram testemunha, e agora ia para um juiz, que ia dar um veredito". Até o momento, não há previsão para que a decisão seja divulgada.

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