Espaços públicos com ações de leitura demandam cuidado coletivo

O compartilhamento gratuito de livros despontou, nos últimos anos, em Fortaleza. Garantidos por voluntários ou pelo poder público, iniciativas carecem de engajamento da própria comunidade para continuar

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.Nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: Na Praça Marcílio Dias, no Moura Brasil, as crianças demonstram entusiasmo com o novo recurso
Foto: FOTOS: J L ROSA

Na correria do dia a dia, em que a atenção é disputada por inúmeras atividades, poder parar, observar, escolher, pegar um livro e seguir com ele - ou lê-lo ali mesmo, em um espaço público - é um avanço, oportunidade nem sempre acessível se o livro precisasse ser comprado. As iniciativas de compartilhamento gratuito de livros, que despontam nos últimos anos, em Fortaleza, viabilizam justamente esse contato, tão restrito em diversos contextos. Mas, essas ações, para prosperarem, carecem de engajamento e cuidados da própria comunidade. Caso contrário, correm o risco de, apesar de positivas, sucumbirem ao abandono.

Casinhas de madeira, estantes, quiosques e geladeiras. Os suportes são muitos e espalham-se por inúmeros bairros. No entanto, nem sempre as iniciativas têm continuidade. Isso porque, avaliam os próprios usuários, na falta de apropriação, há lacunas de cuidados, manutenção e até divulgação das ações. Nesta semana, teve início um novo projeto da Prefeitura, chamado "Leitura na Praça". A ideia é disponibilizar quiosques em 60 praças públicas com livros infantojuvenis.

A ação teve início no bairro Moura Brasil, onde três praças receberam os quiosques. Cada equipamento tem 120 livros. "A manutenção desse espaço é um desafio. E eu vou tentar contar com a ajuda dos moradores. Porque eu, há muitos anos, me envolvo com ações dentro da comunidade e sei que não é fácil", relata o servidor público, Raimundo Nonato da Silva. Ele é o responsável pela gestão do quiosque da Praça Marcílio Dias.

Raimundo explica que tenta abrir o quiosque, pelo menos três vezes na semana, conforme a recomendação da Prefeitura. No local, dias após a abertura, os olhares curiosos de adultos e crianças demonstravam entusiasmo com o novo equipamento. "Tem que ter o envolvimento das pessoas do bairro. Aqui é uma região que muitas pessoas não têm condições de comprar livros. Essa é uma chance para crianças começarem e se acostumarem", reforça.

No espaço recém-inaugurado, apesar das comemorações pelo acesso a um recurso considerado positivo, um grupo de professoras que trabalha em uma escola nas proximidades da praça sugere que é preciso conexão dessas iniciativas com o entorno. Na próxima semana, outras duas praças devem receber o projeto. A Praça da Areninha do Pirambu e a Praça da Conquista, no Vicente Pinzón.

De acordo com elas, nesse caso, falta articulação do poder público para envolver as pessoas das adjacências e gerar cuidados com o equipamento entregue. "É muito importante para a gente, inclusive porque podemos envolver nossos alunos. Trazer eles para cá também", relata uma das profissionais que preferiu não ser identificada.

Continuidade

Nos últimos anos, iniciativas como o "Ninhos de Livros", com casinhas instaladas em praças e o "Geladeira Compartilhada", que reutiliza aparelhos e dá nova funcionalidade, transformando-os em abrigo para livros, incrementaram a ocupação de praças e vias. Mas, em alguns locais, no decorrer do tempo, as minibibliotecas colaborativas instaladas entre 2015 e 2016, acabaram se deteriorando e os projetos perderam força.

"Perto de onde eu moro tem uma casinha. Na praça da Cidade 2000, eu vejo muita gente usando até hoje. Mas em outros cantos da cidade sei que é difícil manter", conta o estudante Roberto Bruno Magalhães. O universitário passa todos os dias pelo Terminal do Papicu e se depara ainda com outra iniciativa de estímulo à leitura.

O local, desde 2016, assim como os demais terminais de ônibus de Fortaleza, conta com estantes onde usuários podem tanto pegar como deixar livros. Para usufruir do acervo não é necessário cadastro. Após a reposição, feita a cada 15 dias, qualquer passageiro pode ter acesso.

Literatura clássica, Direito, Administração, Filosofia, são algumas das áreas temáticas dos livros disponíveis. "É uma ação muito interessante. Eu sempre vejo que basta colocar e o pessoal pega. Eu não gostava muito de ler, mas depois que entrei na faculdade há uma cobrança maior e eu estou tentando ler mais. E hoje já gosto. Esse espaço no terminal já é conhecido e é bom, mas acho que falta divulgação. Não é só jogar os livros. Tem que fazer divulgação. Explicar melhor. Até para as pessoas entenderem mais", sugere o estudante.

No terminal, a cuidadora de idosos Marlete de Oliveira é uma usuária assídua da estante. Sabe exatamente os dias de reposição e avisa que, após a disponibilização, o acervo "rapidamente vai embora". Essa semana, ela pegou três títulos. Dentre eles, um de filosofia, assunto apreciado por ela. "Há dois anos eu pego livro aqui. Criei um vínculo, um hábito. Mas a pessoa tem que ler e devolver ou trazer outros porque é assim que deve funcionar", ressalta.

O projeto, segundo a Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor), desde 2016 já compartilhou mais de 150 mil livros. Hoje, diz a pasta, cada terminal recebe 150 livros, a cada reposição para manutenção do projeto. Questionada sobre o êxito da ação, a Secultfor afirma que "o desempenho supera as expectativas da Secretaria". Os interessados em ajudar o projeto podem doar livros na sede da Secultfor, no Centro, e na Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira, no Benfica.

Legenda: No Terminal do Papicu, após a reposição, os livros rapidamente são utilizados pelo público

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.