Escutas terapêuticas em praças de Fortaleza ampliam acesso a apoio psicológico

Iniciativas de profissionais e organizações em Fortaleza têm ofertado acolhimento psicológico gratuito à população em espaços públicos. As ações ajudam o contato inicial de diversos públicos com processos terapêuticos

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: A opção por praças públicas visa levar a terapia para locais agradáveis e menos padronizados.
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Cadeira à espera e junto a ela um psicólogo disposto a escutar quem sente necessidade de falar. Não tem divã tradicional. Nem consultório fechado. As praças são o cenário e a proposta é ouvir sem julgamentos e de modo qualificado quem passa por angústias, sofrimentos e desequilíbrios. Nesse fim de semana, a Praça do Ferreira e o Passeio Público - Praça dos Mártires, no Centro de Fortaleza, receberão dois grupos de profissionais que irão ofertar gratuitamente escutas terapêuticas. As duas iniciativas têm organização distinta, mas atuam com a mesma finalidade: gerar possibilidades de ajuda a quem precisa de atendimento psicológico na Capital.

Em Fortaleza, onde o atendimento psicoterapêutico, a exemplo de diversas cidades do País, ainda é restrito e há fatores limitantes - o gargalo financeiro, a alta demanda e os tabus ligados ao tema -, a oferta de acolhimento psicológico em locais públicos por parte de instituições e profissionais voluntários ocorrem desde 2018, de forma esporádica. As iniciativas são chances para a população compreender os próprios dilemas e desmistificar assuntos ligados à saúde mental.

No sábado (6), o Instituto Bia Dote, que atua com prevenção ao suicídio e preservação da vida, levará o projeto Terapia na Cidade para a Praça do Ferreira, das 8h às 11h. A ação se repetirá durante todos os sábados de julho e a expectativa é que volte a ocorrer também em agosto e setembro. A cada hora, duas psicólogas se revezarão no atendimento. Não há agendamento prévio nem triagem e os acolhimentos serão feitos por ordem de chegada.

Experiência

Esta já é segunda vez que o Instituto realiza esse tipo de ação em Fortaleza. A primeira ocorreu em outubro e novembro de 2018, quando as escutas foram realizadas na Praça da Gentilândia, no Benfica. O projeto, explica a presidente do Instituto, Lucinaura Diógenes, não é um atendimento psicológico convencional, mas pode ser considerado um "acolhimento ou uma escuta com fins terapêuticos que são conduzidos por profissionais qualificados".

Isto porque, ressalta ela, a demanda por atendimento "é muito grande". Mas, nem sempre é correspondida pela oferta de serviços públicos. Os gargalos são inúmeros. Um deles, os custos da terapia. Segundo valores de referência da Federação Nacional dos Psicólogos, o mínimo que pode ser pago aos psicólogos por uma avaliação psicológica, por exemplo, é R$ 128,30 e por um acompanhamento psicoterapêutico é R$ 104,96 por sessão.

"Podemos dizer que a psicoterapia ainda é um serviço elitizado. Nossa iniciativa é pontual. Não é uma terapia. Mas é uma escuta e o profissional vai sem julgamento. Quando a pessoa começa a falar, vê que é uma escuta respeitosa e é uma forma de se autoconhecer".

Outro objetivo é a quebra de tabus. Conforme Lucinaura, é relevante que as pessoas se aproximem e percebam como funciona a psicoterapia, tratamento historicamente envolto de estigmas. A avaliação é reiterada pelo psicólogo Adriano Pordeus, integrante do Projeto Escuta, que também tem realizado acolhimentos terapêuticos em espaços públicos na Capital.

"A ideia do escuta foi baseada em iniciativas de outros estados, sobretudo, de grupos organizados em São Paulo. Aqui sentimos a necessidade de criarmos um serviço de acolhimento, uma espécie de plantão psicológico. Víamos a necessidade das pessoas de falarem das suas dores, dificuldades e emoções e a gente também sente a dificuldade das pessoas de se aproximarem da psicologia", relata ele.

Espaços

A opção por áreas públicas, nos dois casos, explicam os idealizadores, busca ambientar os acolhimentos em locais agradáveis e menos "padronizados". "Somos regidos por um código de ética que determina o sigilo e o conforto do paciente. Por isso fizemos o questionamento ao Conselho Regional de Psicologia sobre essa possibilidade de prestarmos o serviço nas praças e o Conselho não fez nenhuma consideração contrária. Nesses locais, as pessoas se sentem mais relaxadas, mais felizes. Temos uma preocupação no sentido de buscar lugares amplos. Conversar sem que tenha outras pessoas ao redor", afirma Adriano.

Nas praças, cadeiras são levadas pelos grupos de psicólogos. Se nas sessões convencionais os atendimentos duram cerca de 50 ou 60 minutos, nos espaços públicos não há tempo de atendimento específico. A duração da escuta depende da necessidade de cada pessoa atendida.

Em experiências anteriores, o grupo do Instituto Bia Dote avalia que a procura foi razoável e nas quatro ações realizadas no Benfica, entre outubro de novembro, cerca de 30 pessoas foram acolhidas. No Projeto Escuta, a procura nas duas edições realizadas - uma na Praça das Flores e outra na Praça da Imprensa Chanceler Edson Queiroz -, chegou a ser de 50 pessoas.

Características

O perfil do público é diverso, acrescenta o psicólogo. Nas edições anteriores foram acolhidas pessoas que tinham necessidade de atendimento e estavam protelando; que não tinham condições de pagar o tratamento devido à baixa renda salarial; e também pessoas que já tinham procurado atendimento particular.

Embora as atividades sejam chances de acesso inicial à psicoterapia, os organizadores das escutas ressaltam que esse tipo de atividade não tem como suprir a demanda por tratamentos contínuos. As ações atendem necessidades pontuais e contatos iniciais. O ideal, ressaltam eles, é que quem tem necessidade e não tem condição de ingressar no tratamento particular, deve buscar posteriormente, tanto os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), como as clínicas das universidades, que ofertam atendimento gratuito ou a baixo custo. Ainda que estas opções, admitem eles, tenham déficits e uma procura acentuada no dia a dia.

A psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Layza Castelo Branco, explica que essas iniciativas, ao servirem de acolhimento inicial, com a finalidade de um encaminhamento mais direcionado, podem ser vistas como relevantes.

"Sabemos desse estrangulamento por conta dos locais em que a prestação do serviço de psicoterapia é gratuita. Tais locais têm filas de espera grande. Na Uece, por exemplo, há ficha de inscritos que não foram acolhidos desde 2015. Em novembro de 2018, quando divulgamos que abriríamos novas inscrições, começamos a distribuir senhas 6h30 e às 8h já havia acabado as 150 senhas".

Tratamento

Por outro lado, ressalta a psicóloga, quando se observa a realidade dos atendimentos psicológicos pagos, "há sim espaços de acolhimento e terapeutas que poderiam acolher e que têm vagas". Isso, analisa ela, demonstra que ainda há uma desvalorização da sociedade sobre a consideração desse serviço.

"Ainda escuta-se muitos comentários de pessoas que tratam com desprezo, claro que por ignorância, falta de informação, a psicoterapia ou, muitas vezes, as pessoas valorizam, mas preferem priorizar tratamentos biomédicos. Como se a realidade do corpo fosse mais contundente do que os sintomas psíquicos. Lembrando que, muitas vezes, esse real do corpo fala, denuncia, o que o psiquismo adoecido quer expressar", destaca.

Serviço:
Terapia na Cidade
Acolhimento terapêutico ofertado em locais públicos por profissionais do Instituto Bia Dote. A ação ocorrerá todos os sábados de julho, das 8h às 12h, na Praça do Ferreira, em Fortaleza.

Escuta na Praça
Acolhimento terapêutico é ofertado em locais públicos por 20 psicólogos voluntários. A ação ocorrerá no dia 7 de julho (domingo), de 9h às 12h, no Passeio Público - Praça dos Mártires, em Fortaleza.

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