Esculturas danificadas no Centro aguardam reparos

Estátuas simbólicas tanto para a Capital quanto para o Estado são alvos de depredação há anos. O roubo de placas de identificação também é uma constante

Escrito por Barbara Câmara ,

No braço esquerdo, a mão empunha uma corrente partida. Onde deveria estar o braço direito, vislumbra-se um vazio. A imagem simbólica acima da entrada principal do Parque da Liberdade, também conhecido como Cidade da Criança, é representada na figura de um índio, cuja parte foi arrancada em um ato de depredação. Assim como tantas outras esculturas espalhadas pelo Centro, a estátua já teve dias melhores.

"Foi há mais ou menos uns quatro anos que quebraram o braço do índio. Eu não cheguei a ver quando aconteceu, mas essas coisas são feitas à noite. 'Eles' roubam, depredam de noite", narra o comerciante Manoel Simplício, 63.

Da lateral de sua barraca, é possível avistar com clareza o enxame de abelhas que se alojou na cavidade desmembrada da estátua, e circula livremente no alto da entrada do parque. "(O enxame) está aí faz tempo. Uma vez, as abelhas desceram (da escultura) e muita gente foi ferroada. É um perigo, mesmo", diz Manoel.

Frequentador da Cidade da Criança desde 1973, o comerciante relembra o período em que o local era associado à calmaria e lazer, tempo em que, segundo ele, "existia muita inocência". Dentro do parque, a estrutura conhecida como Ilha do Amor já foi ponto de encontro para jovens casais. Hoje, a figura do Cupido ainda se mantém sobre um pedestal no centro do pequeno espaço, porém, com arco, flecha e a mão direita quebrados. Outras estátuas espalhadas pelo parque tiveram suas placas de bronze arrancadas, e agora estão sem qualquer identificação.

Os turistas que chegam ao local, segundo Manoel Simplício, fazem fotos dos monumentos e se esforçam para entender o que representam, recorrendo à população para tirar suas dúvidas.

"Isso é falta de zelo, essa situação do jeito que está. Já vieram funcionários da Prefeitura aqui. A gente perguntou, cobrou e eles diziam que ia ter reforma, foi prometido um restauro. Mas nunca falaram uma data", lamenta Manoel.

A poucos quarteirões dali, um cenário similar se apresenta na Praça General Tibúrcio, a tradicional Praça dos Leões. Além do desgaste e rachaduras que marcam os animais esculpidos, a figura da escritora Rachel de Queiroz, com pernas cruzadas e mãos repousando sobre o colo, feita em ferro, teve seus óculos levados em mais de uma ocasião. Até o dia 15 deste mês, o adereço continuava ausente.

"Hoje, eu não escuto mais tanta reclamação. Há uns cinco anos tinha bastante, hoje as pessoas não falam muito. Mas tá aí, né, todo mundo vê. Ela continua sem os óculos", relata Armando Barbosa, 59, que visita a praça há 13 anos, durante a feira de livros. No local, a placa de bronze também foi arrancada de seu espaço ao lado da escultura.

Na Praça Caio Prado - ou Praça da Sé -, do alto de uma estrutura de pedra, a estátua de Dom Pedro II se mantém imponente, apesar do punho da espada apoiado solitário pela mão esquerda, sem a lâmina. A peça original se desprendeu da escultura de ferro há algum tempo, e hoje está abrigada no interior da banca de revistas de Magno Félix, 52. "Eu não vi quando caiu, mas um rapaz pegou, na hora, e guardou pra me entregar. Até hoje, ninguém quis colocar de volta", relata o vendedor, que trabalha na praça há 13 anos.

Vínculos

Para a historiadora Cláudia Oliveira, professora do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), tais monumentos desempenham um papel importante de contar a história do Ceará e do Brasil, tornando necessária a cultura de 'ler' as estátuas. "É fundamental que haja uma cultura escolar em que professores, do Ensino Básico ao Ensino Fundamental, apresentem a cidade aos seus alunos", afirma.

Quando monumentos são destruídos ou apagados, segundo ela, há o significado que expressa um momento histórico em que a cidade não enxerga a sua própria construção. Para modificar tal realidade, seriam necessárias políticas públicas voltadas à preservação, além de projetos educativos e pedagógicos. "Ninguém nasce amando a sua cidade. Você tem que criar vínculos, ideia de pertencimento. Não é um problema individual. É que aquilo não está sendo incentivado", diz.

Diretrizes

Em nota, Secretaria Regional Centro informou que para o conserto das estátuas, assim como em qualquer procedimento de restauração, é necessário o estudo histórico dos elementos da obra para identificar as técnicas que serão utilizadas na execução do trabalho. Tal processo permite a identificação da pintura e do material original e a constatação dos possíveis danos na obra.

Segundo a Pasta, uma equipe técnica da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) está realizando um relatório com a identificação e diagnóstico das estátuas situadas em equipamentos tombados no âmbito municipal, como o Passeio Público de Fortaleza e o Parque da Liberdade (Cidade da Criança).

"Esse documento aponta diretrizes para a realização da obra de restauro das estátuas, desde a elaboração do projeto, execução e acompanhamento das intervenções que serão propostas", afirma.

O relatório está sendo finalizado e será encaminhado para os órgãos responsáveis pela manutenção do espaço até o fim do mês de janeiro, de acordo com a Secretaria Regional. O processo será acompanhado e aprovado pela Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor.

Com relação aos monumentos das praças Caio Prado e General Tibúrcio, a Secretaria Regional do Centro informa que está aguardando avaliação para posterior estudo que embasará a restauração.

"A Praça General Tibúrcio foi requalificada em 2016, e a Caio Prado, em 2018. Ambas receberam intervenções em toda a estrutura, como limpeza dos monumentos, restauro do mobiliário urbano e melhorias na iluminação e no projeto paisagístico e recomposição", notifica a Pasta.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.