Entrega legal é desconhecida por mães do CE

Para o MPCE, centenas de abortos poderiam ser evitados anualmente. Desinformação é desafio

Escrito por João Lima Neto - Repórter ,

Conceber um filho é um dos atos mais singelos do dom da vida. O toque da mãe ao nascer, o rosto colado no peito e o choro são as representações mais fortes dos laços maternos. Mas nem toda mulher quer ser mãe e ter a responsabilidade de formar um ser para o Mundo. Segundo o Ministério Público Estadual do Ceará (MPCE), por meio do programa “Anjos de Adoção”, 11 mães estão em fase de doação dos filhos. A falta de condições financeiras e psicológicas são os fatores determinantes para entrega dos recém-nascidos. A entrega legal de crianças ainda é uma ação pouco explorada no Estado devido à falta de conhecimento das leis.

Na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), centro de referência em gestação de alto risco, cerca de 430 bebês nascem por mês. Uma média de 15 crianças por dia. A assistente do Serviço Social da Meac, Mara Carolina Ribeiro Gomes, afirma que poucas mães conhecem a entrega legal. Na Maternidade onde ela atua, não é algo com grandes índices, mas, nos últimos anos, houve alguns casos.

“Todo hospital é capacitado para agir em caso de doações voluntárias pelas mães, do funcionário da entrada do ambulatório até o que trabalha diretamente com gestantes de risco. Nós temos uma equipe multiprofissional que acompanha todas as pacientes. Quando existe o desejo de doar um filho para adoção, ela é acompanhada para psicólogos, médicos e enfermeiros. Em nenhum momento, levantamos questionamentos sobre a vontade. Damos apenas orientação e suporte. Geralmente, essa decisão é tomada por conflito familiar ou vulnerabilidade”, explica a assistente social.

Ainda segundo Mara, o uso de drogas por mães que querem doar os filhos é recorrente. “Muitas delas têm dependência de rua com uso de crack. Por não conseguir um tratamento elas desistem das crianças. Esse bebê, que pode sofrer com o uso de tóxicos, vai direto para o berçário. Ele passa 48h. Se tiver com alguma patologia, ele fica até estar saudável. A Promotoria da Juventude é que encaminha para abrigos”. O contato pele com pele entre mãe e filho, após o parto, já promoveu a desistências de vários casos de doação, destaca a assistente social.

Segundo o MPCE, a média de idade das 11 mães que querem doar os filhos é de 30 anos. Entre as causas notificadas pelo órgão que levam à rejeição e à entrega estão a falta de renda, incesto, estupro, adultério, gravidez não planejada e a falta de apoio do parceiro ou família, além da gravidez na adolescência. A falta de condições psicológicas, geralmente conduz as mães ao aborto ou abandono.

Conforme o MPCE, por meio da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, o perfil das mulheres que querem doar no Ceará é diferente do que se esperava encontrar. Muitas são jovens, sem formação, desassistidas pela família e sem filhos, sendo que se verificou que essa mulher, embora solteira, pode ter alcançado a meia idade e possuir sim um apoio familiar que está junto dela nessa decisão.

Ainda segundo a 2ª Promotoria, o principal motivo observado da entrega é o direito de autonomia dessa mulher, aliado ao aspecto financeiro de dificuldades subjacente, ou seja, ela não quer ser mãe no momento. Por questão de opção, aliada à dificuldade financeira de se criar uma criança, razão pela qual não se sente preparada para ser mãe no momento e, muitas vezes tendo inclusive o direito ao aborto legal ou judicial, opta por ter a criança e entregua para adoção.

Anjos

O projeto “Anjos de Adoção” consiste na fiscalização de hospitais, maternidades e demais unidades de atendimento a crianças e gestantes, devido ao crescente número de morte de gestantes em decorrência de abortos, bem como o crescente número de crianças abandonadas nesses locais. O foco é no acolhimento, atendimento inicial e atenção a mães e crianças em situação de vulnerabilidade social ou com vínculos fragilizados. A realização é do Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza, da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude e do Departamento de Agentes de Proteção.

De acordo com a justificativa do projeto, cabe aos agentes de proteção “atender, capacitar e empoderar essas mães e gestantes em situação de rejeição do feto ou filho através da detecção dos referidos casos e realização dos encaminhamentos necessários a que essas mães possam fazer a opção pelo parto em sigilo e entrega consciente de seus filhos em adoção a casais devida e previamente habilitados no Cadastro Nacional de Adoção (CNA)”. O programa se assegura nos termos estabelecidos nos princípios e artigos de Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal Nº 8.069.

Durante a produção da reportagem, os “Anjos de Adoção” realizaram o atendimento a um bebê abandonado no Hospital Geral Dr. César Cals de Oliveira. A criança foi deixada pela mãe na unidade hospitalar pouco tempo depois do parto. Por sofrer de problemas cardíacos, o recém-nascido foi encaminhando para o Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), onde passou por procedimento cirúrgicos. De lá, a Promotoria ainda irá decidir onde a criança irá ser abrigada.

Penalização

O Código Penal estabelece que a prática da adoção sem acompanhamento da Justiça é crime. A lei prevê pena de reclusão de dois a seis anos, o chamado crime contra o estado de filiação, trazido pelo artigo 242: “Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”.

Quem participar ou induzir o ato de adoção irregular também se engaja na pena. O correto é se inscrever no Cadastro Nacional de Adoção, realizar o curso estabelecido e aguardar o contato do Centro de cada região.

Entrevista com Dairton Costa de Oliveira*

 

Mães que querem doar sofrem pressão social e olhares de indiferença

Como funciona o trabalho dos “Anjos de Adoção”?

Voluntários do povo que se credenciam junto ao Poder Judiciário para investigar as infrações administrativas da infância e juventude. Eles visitam bailes, festas, cinemas e também hospitais e entidades de acolhimento. Serviços do teste do pezinho e cadastros de identificação também são avaliados, além da vistoria do direito de entregar o filho à adoção. Essa demanda sempre existiu. Essas mães são estigmatizadas. Existe o tal do mito da maternidade que toda mulher nasceu para ser mãe. Por conta disso, muitas delas se sentem em situação de vulnerabilidade.

O que é mais comum ocorrer fora da entrega legal?

Mães que estão em situação de pressão social buscam o aborto clandestino como solução. <MC1>Em março deste ano, o MPCE estourou uma clínica de aborto onde, na contabilidade, eram praticados cerca de 1 mil abortos por ano. Atualmente, 200 pessoas estão no Cadastro Nacional de Adoção em Fortaleza. Se desses mil abortos a gente conseguir doar os 200 em adoção, conseguíramos salvar muitas vidas no Ceará.

As leis de adoção são favoráveis a esse tipo de doação?

Acabou de sair uma nova legislação em que o Direito é um pouco melhor regulamentado. A nova legislação está dando diretrizes a juízes, tribunais e operadores do Direito de como isso deve acontecer. A partir dessa nova lei, haverá uma revolução no sentido da entrega legal. As mães não são esclarecidas sobre a entrega legal. Outro problema é do próprio Direito. Os estudos da infância e juventude são matérias optativas das faculdades de Direito e Saúde. Poucas pessoas sabem da legalidade. Uma mãe que procurou a gente foi completamente estigmatizada pelo hospital e até pelo Conselho Tutelar. Só encontrou apoio no Judiciário. Atualmente existe demanda, mas ainda é muita reprimida. Falta ainda capacitação dos atores.

Existe desconhecimento por parte da população?

Quando assistimos ao debate da infância e juventude são pessoas da área de Direito Penal. Se formos ver quem está criticando são pessoas formadas em Direitos Humanos. Não temos profissionais formados em infância e juventude. Os atores desconhecem. Tratam medida socioeducativa como pena, quando se pensa em proteção integral da criança e adolescente.

*2ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude 

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