Elevar nível de aprendizagem em Matemática desafia Ceará

Equiparar e melhorar conhecimento da disciplina entre alunos da rede pública é outra necessidade urgente

Escrito por Lêda Gonçalves - Repórter ,

A educação é um instrumento que pode modificar pessoas, cidades e toda a realidade de um País. No Brasil, o Ceará demonstra que isso é possível, sendo um dos únicos com avanços reconhecidos, principalmente na garantia de que todas as crianças da rede pública de ensino saibam ler e escrever na idade certa. No entanto, o desafio que se impõe agora é assegurar que os estudantes concluam o Fundamental e Ensino Médio com níveis adequados de Matemática.

O Movimento Todos Pela Educação chama atenção para a questão e aponta que, em média, apenas dez em cada grupo de 100 alunos das escolas públicas aprendem o esperado para a disciplina em cada série concluída. Outro ponto que evidencia discrepâncias na rede é o paradoxo existente dentro da mesma escola pública é que ao mesmo tempo enquanto a cada ano aumenta o número de alunos campeões em Olimpíadas de Matemática ou aprovados no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a maioria termina o Ensino Médio e não consegue resolver nem uma equação simples de 2º grau ou problema que envolva percentual. A diferença entre os dois universos desafia educadores, gestores e reafirma a urgente necessidade de mudanças não só para reduzir o fosso entre escolas particulares e públicas, como para nivelar para cima o grau de aprendizagem para todos dentro da sala de aula.

Na visão de especialistas, como o professor titular do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFC) e cientista-Chefe do Estado em Educação Básica (Funcap/Seduc), Jorge Lira, o resultado do Todos Pela Educação é mais uma confirmação do registrado ao longo de mais de dez anos de avaliação educacional, quer via Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), quer via Programme for International Student Assessment (Pisa). A média nacional de proficiência em Matemática, diz, segundo a avaliação em larga escala do Ensino Médio, corresponde ao nível dois em uma escala crescente de 0 a 10. Esse estágio corresponde a capacidade de lidar apenas com problemas de baixa complexidade, que necessitam de meros procedimentos rotineiros e alguma habilidade com operações já sugeridas explicitamente nos enunciados das questões.

No entanto, ressalta, uma problemática complexa tem muitas fontes. "Vivemos em uma sociedade que, de modo geral, ignorou, durante décadas, o papel estratégico da Ciência e da Matemática para o desenvolvimento econômico". A Matemática é ainda rotulada como um "assunto difícil" ou um passatempo para excêntricos, sem qualquer utilidade prática. O fato é que estudos de vários países apontam a contribuição da matéria para a economia de um país em algo como 16% do PIB.

Porém, comenta, enquanto as reformas educacionais nos tigres asiáticos (Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul eTaiwan) conferiram um lugar central à Matemática, seguimos na contramão, aumentando o fosso entre a matemática do Ensino Superior e a das bases curriculares do Ensino Básico. "Com isto, a formação inicial dos alunos na universidade é cada vez mais distante da Matemática necessária para as engenharias e aplicações tecnológicas modernas".

As dificuldades no Ensino Médio remontam, de fato, ao Ensino Fundamental II, do sexto ao nono anos. Depois de uma bem-sucedida etapa de letramento numérico no Estado do Ceará, as crianças são confrontadas com estruturas matemáticas muito sutis. Segundo Lira, um estudante de sexto ou sétimo ano deve estudar conceitos que ocuparam alguns dos mais brilhantes pensadores da Grécia Clássica. É nesta etapa que são ensinadas as noções de proporção, semelhança, comensurabilidade, área, infinito, paralelismo, equações algébricas, entre outras. "Em um professor atuando neste nível do ensino, devem estar reunidas a habilidade pedagógica (não simplesmente um conjunto de metodologias ou teorias livrescas, mas uma real vivência educacional e uma teimosa vocação) e um profundo conhecimento das categorias lógicas e conceitos matemáticos".

O desafio, reafirma, é manter as crianças encantadas pela Matemática. "Somos naturalmente matemáticos, embora ignoremos, como pais e educadores, a curiosidade científica inata, expressa nas perguntas das crianças que não conseguimos responder", declara Jorge Lira, acrescentando que a visão matemática vai ficando embotada, da mesma forma que alguém perde o paladar ou a sensibilidade musical. Infelizmente, uma imagem deturpada da disciplina vai passando de geração a geração, já que a formação de novos professores, livres dos preconceitos que eles adquiriram em seus próprios anos de escola, ainda carece de uma completa renovação, como fizeram Finlândia e Singapura, por exemplo.

De acordo com ele, no Brasil, proliferam as teses em educação, mas poucas soluções efetivas aportam à escola. Para ele, é preciso, urgentemente, envolver matemáticos, neurocientistas, psicólogos, economistas e pedagogos num esforço conjunto e objetivo de renovação das licenciaturas. "Não cabe mais a falsa oposição, tão propalada no Brasil, entre Matemática e "Educação Matemática". Toda Matemática do mundo se faz conversando, colaborando, ensinando e aprendendo, portanto", afirma.

O professor alerta para o que pesquisadores e pedagogos têm denominado de "novo analfabetismo" quando analisam o baixo nível no Fundamental e Ensino Médio. Eles levam em consideração habilidades mínimas de leitura e interpretação e na Matemática dificuldades em resolução de problemas simples, envolvendo soma, subtração, multiplicação, divisão e proporção. Jorge Lira reitera que de fato, "testemunhamos o completo iletramento matemático de nossa sociedade". Em última análise, muitas das dificuldades com a matéria são consequências de problemas de compreensão e composição de textos. "Ao contrário do que afirma outro lugar-comum bem difundido, Matemática depende fortemente do domínio da Língua Portuguesa. Afinal, uma e outra dependem, por sua vez, de estruturas lógicas em nossas operações mentais". Símbolos, figuras e equações, frisa, são elementos adicionais de uma linguagem, algumas vezes compacta e hermética, mas não prescindem da expressão escrita e oral na língua materna. "Em resumo, temos um padrão generalizado de alunos sem fluência alguma nas duas linguagens. Efeito disso é que, sem competências mínimas de letramento, o ensino de Ciências fica também comprometido", lamenta.

A disciplina, defende, deve ser ensinada de modo que as pessoas possam reconhecer dois de seus mais surpreendentes aspectos: a sua unidade lógica, baseada na beleza, na simetria e na harmonia de suas majestosas construções teóricas; e no inexplicável poder da Matemática como modelo, linguagem e ferramenta das Ciências e da Tecnologia. "A Matemática dos espaços abstratos de infinitas dimensões é a mesma que põem em funcionamento computadores e trens-bala", argumenta.

Alternativas

De acordo com o professor, as profissões do futuro irão requerer pessoas que consigam enfrentar situações complexas e fora "do protocolo" padrão. "Portanto, treinar nossos jovens a perseverar em resolver problemas divertidos e instigantes deveria ser tomado como o método e o objetivo de um ensino moderno de Matemática", declara.

Essas ideias, adianta, são a base de um ousado projeto, apoiado pela Funcap, em parceria com a Seduc e UFC, de qualificação do ensino de Matemática Ceará, que envolve, em sua primeira edição, iniciada nesta semana, 340 professores do Estado. Esse projeto, explica, é parte de um iniciativa pioneira, o Programa Cientista-Chefe, em que pesquisadores da academia atuam junto a secretárias estratégicas na elaboração de políticas públicas a partir de uma análise de dados e indicadores sociais, educacionais e econômicos.

Em nota, a Secretaria de Educação do Estado (Seduc) reconhece que o Brasil apresenta dificuldades de aprendizagem no ensino da Matemática, considerada a disciplina de maior desafio. "O Ceará segue na busca pela melhoria dos seus resultados por entender a importância desse componente básico para outras aprendizagens. Um dos fatores que influenciam o desempenho apresentado pelos alunos nesta última etapa da Educação Básica é o percurso desenvolvido ao longo dos anos de escolaridade. Por isso, a partir de 2015, o Ceará expandiu suas ações, que já atendiam até o 5º ano, para a melhoria da aprendizagem dos alunos do 6º ao 9º ano".

Entre os principais desafios para o progresso do ensino de Matemática, aponta a secretaria, está ainda a complexidade dos termos matemáticos que origina dificuldades de entendimento na apresentação das situações-problema. Além da formação continuada para os professores e de elaboração de material, o Ceará tem incentivado o aperfeiçoamento dos profissionais, através de cursos de especialização e mestrado.

Fique por dentro

Olimpíada visa estimular estudo da Disciplina

A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), que foi criada em 2005, é uma realização do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e tem como objetivo estimular o estudo da matemática e revelar talentos na área.

A competição é destinada a alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. É promovida com recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Ministério da Educação (MEC), com o apoio da Sociedade Brasileira de Matemática (SBM).

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