Educação pública no Ceará: acertos e erros por trás dos bons índices

Boletim do Instituto Unibanco avalia pontos positivos que levaram o Estado a ocupar o 4º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2017; especialista aponta baixo investimento como deficiência

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Marízia, 15, estudante da rede pública estadual, aponta que liberdade de expressão fortalece vínculo aluno-escola
Foto: FOTO: JL ROSA

Um aparelho de ar-condicionado pode impactar na Educação de um Estado. A afirmação pode ser curiosa, e o efeito, simples - mas, apesar disso, integra a complexa cadeia de condições para manter crianças e adolescentes cearenses dentro da sala de aula. Estrutura, qualificação dos profissionais e, principalmente, o engajamento dos estudantes têm sido, de acordo com o Boletim Aprendizagem em Foco, do Instituto Unibanco, a "fórmula de sucesso" que levou o Ceará a ocupar o quarto lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2017.

A quarta edição especial do estudo, divulgada neste ano, trouxe o Estado como destaque, sobretudo no Ensino Médio, e avaliou os pontos-chave para a melhoria dos indicadores da rede pública. Em 2005, o Ideb do Estado totalizava 3 pontos, subindo para 3,8 em 2017 (acima da média nacional, de 3,5). Ainda muito longe, contudo, da nota 10.

Para a titular da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME), Dalila Saldanha, o primeiro grande desafio é o estudante estar na escola: a garantia da vaga. "O segundo é que ele permaneça. A estratégia para isso é currículo diversificado, que agregue valores", aponta, ressaltando que a atenção ao socioemocional também é crucial. "As transições do Fundamental I para o II e dele para o Médio são críticas, concentram os maiores números de abandono".

De lado

A taxa de abandono na rede municipal de Fortaleza chegava, em 2008, a 15% dos estudantes. Em 2018, o total foi de 0,9%. O índice de reprovações também reduziu, no período, de 13% para 3,5%. Conforme avalia Dalila, escolas de tempo integral, programas de contraturno e o monitoramento da frequência escolar contribuíram para o progresso. "Os jovens precisam estar dentro das escolas, que são encravadas nas comunidades e convivem com todas as vulnerabilidades sociais e necessidades básicas. São desafios".

A realidade da rede estadual, segundo a secretária da Educação do Ceará, Eliana Nunes Estrela, é semelhante: hoje, a cada três escolas estaduais, uma é de tempo integral. Mas, é o empoderamento dos estudantes que os mantém vinculados. A estudante Marízia Kaiane, 15, que cursa o 2º ano do Ensino Médio na Escola Estadual Doutor César Cals, atesta. "Os conteúdos são voltados pra nossa saúde, também, para aprimorar nossas qualidades além do estudo. Aqui nós temos muito estímulo, mas falta isso em outras escolas", reconhece.

Para o professor e doutor em Educação, Marco Aurélio de Patrício, a dimensão social é pilar para bons resultados. "O maior motivo para o aluno do Ensino Médio abandonar a escola é social, não pedagógico. Ele sai para trabalhar, conseguir renda. É preciso conteúdos que se mostrem úteis, o estimulem a buscar conhecimento", analisa, apontando o ensino "mecânico" como um dos maiores erros.

Valorização

"As escolas têm de implantar uma tecnologia de ensino mais prazerosa e inteligente. Isso contribui para combater o abandono. Paralelamente, vêm merenda escolar, fardamento, material didático. Avançamos, mas é preciso ter cuidado para não haver recuo", alerta o especialista.

A questão é vista como preocupante pela coordenadora pedagógica da César Cals, Cristina Costa, que, apesar de reconhecer que a instituição é "privilegiada" em relação a outras da rede, lista facilmente as carências.

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Escolas prioritárias. Em 2018, as instituições receberam da Seduc atenção e investimentos. São indicadas unidades que não atingiram metas de aprovação e combate ao abandono. As escolas de 2019 ainda não foram escolhidas

"A estrutura da escola precisa ser melhorada, com mais espaço para desenvolver projetos e salas de aulas mais confortáveis. Material falta pouco, mas é porque fazemos muito esforço para isso. Algumas salas têm deficiência de livros. É uma escola de destaque, mas temos muitos desafios", relata. "A maior valorização do professor também é necessária, não só do salário, mas condições de trabalho".

Em escolas municipais, a reclamação sobre estrutura e falta de materiais se repete. A titular da SME reconhece que "a rede é muito grande, há equipamentos muito precários, porque não existia uma política de manutenção", mas afirma que a Pasta tem repassado recursos diretamente às escolas, para "investimentos diários e garantia da autonomia, desburocratizando a reposição de materiais, por exemplo".

A futura estudante de Medicina Vitória Laura, 16, que cursa o 3º ano também no César Cals, reconhece as deficiências que ainda assolam o ensino público, mas declara que a união de esforços entre estudantes e a instituição segue sendo necessária. "Muita gente olha a escola pública com preconceito. Mas aqui a gente mostra que pode passar no curso que quiser, a gente sente potência. Não somos só máquinas de aprovação".

67 mil
Em tempo integral. O número de alunos matriculados em escolas de tempo integral em 2018 totalizou 67 mil, 31,5% do total. A meta para 2019, diz a SME, é chegar a 40%, abrangendo 88 mil alunos nos dois turnos em creches, escolas e programas de ensino

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