De monstro a bichinho: o coronavírus pelo olhar das crianças

Como as crianças entendem uma pandemia? Conversamos com meninos e meninas sobre suas percepções sobre a Covid-19. Para os pequenos, reforçar a higiene e ficar em casa é a fórmula para vencer essa batalha

Escrito por Redação ,
Legenda: Maria Clara Magalhães, 4 anos, sabe que para não adoecer, é preciso reforça a higiene

No cenário de pandemia do coronavírus, os adultos enfrentam o desafio de dialogar com as crianças e explicar o que é a doença que vem afetando o mundo, qual seus riscos e as formas de se proteger. Monstro, bolinha ou bichinho. São muitos os nomes ditos para definir o vírus que mudou a rotina de pessoas ao redor do mundo.

É justamente na mudança de rotina que as crianças conseguem perceber de uma forma mais concreta esse "inimigo invisível". Vivendo no isolamento social, deixar de passear, ir à escola e encontrar pessoas queridas são "penalidades" causadas pelo medo de adoecer pelo vírus.

"Se alguém pegar na mão, vai morrer. Não pode sair de casa porque tem o coronavirus. Não pode sair pro parque de diversão, nem pro circo do Patatí Patatá...", explica Maria Clara Magalhães, 4 anos, muito consciente do isolamento social. Ela também aponta que para não adoecer, é preciso reforça a higiene.

Para Amanda da Silva, 6 anos, é preciso permanecer em casa para se proteger, mas é inevitável sentir saudade de sua rotina antes da quarentena. "É uma doença muito forte e pode até matar. Sinto falta de brincar com as colegas na escola, mas gosto de ajudar a mamãe, varrer a casa e brincar com meus irmãos", diz a pequena resiliente.

O distanciamento é outro ponto sentido para as crianças. Não poder tocar, nem mesmo conviver com outras pessoas deixa a rotina ainda mais diferente. Cícero Lucas, 6 anos, sentiu muita dificuldade em deixar de abraçar os entes queridos, principalmente o pai, que passou 7 dias isolado no quarto até receber o resultado negativo do exame da Covid-19. Quando o resultado saiu e a família pôde, enfim, estar junta, a mãe de Lucas, Renata Brazil, 38 anos, percebeu o quanto ele havia ficado com saudade. "Me senti triste por ficar longe e só com a mamãe", comenta o pequeno.

"Eu não posso sair de casa, nem ir para a escola, porque está fechada. Estou o tempo todo lavando as mãos, passando álcool por conta da Covid-19, e brincando mais. É bem legal, mas eu não posso abraçar ninguém, nem beijar ninguém, nenhuma pessoa", compartilha Lucas.

A indígena Ludmyla Vitória, 6 anos, moradora da Reserva dos Anacés, em Caucaia, tem aproveitado o tempo de isolamento social para brincar, pintar, ler e fazer as tarefas. Porém, sente falta de "sair, passear e de minha família vir para cá". Acostumada com as brincadeiras realizadas ao ar livre, o isolamento tem causados mudanças no dia a dia, mas a menina percebe de forma positiva o fato de ter mais tempo para descansar e brincar com os pais.

Água e sabão

Manter um cuidado em relação à higiene como forma de proteção ao vírus é uma preocupação dos adultos. E, claro, chega aos pequenos envolto de recomendações. É, assim, indicando água, sabão e álcool em gel que muitos acabam definindo o tão falado novo coronavírus.

Pelo olhar de Luiza Agg, 5 anos, "o coronavírus é um bichinho bem pequenininho que tem um espetinho que entra pelo olho, pelo ouvido, pelo nariz e pela boca. A gente tem que ficar sempre em casa". Maria Fernanda Lopes, 3 anos, também diz que a Covid-19 "ama sujeira e sai de dentro da boca das pessoas que estão doentes, e ele passa muito rápido procurando as pessoas", ensina a forma de contágio.

André Caíque e Anderson Gabriel, ambos de 11 anos, tiveram mais informações sobre a doença através da Biblioteca Comunitária Papoco de Ideias, localizada no Pici. "Estamos fazendo uma corrente contra o coronavírus e como se proteger", compartilha Anderson. Já André afirma que, para se proteger, "temos que usar álcool em gel 70%, lavar bem as mãos com água e sabão e não ficar se expondo, nem indo para a calçada. Ir ao mercado só quando for urgente, porque quase todas as lojas estão fechadas por causa dessa doença", ensina o garoto.

Com um discurso mais otimista, Janaina Ribeiro, nove anos, pede que as pessoas lavem as mãos, porque dessa forma pode combater essa grave doença. "Um monte de gente está pegando o coronavírus. Tenha paz, isso vai passar, mas fique em casa. Não pode sair de casa para nenhum canto", finaliza.

Conversa

Para conversar com as crianças, Ticiana Santiago, psicóloga e psicopedagoga, acrescenta que "é muito importante usar gibis, matérias, revistinhas, joguinhos, para poder explicar não só como um ajuste ou como uma adaptação que tem que ser feita dentro de casa, mas como um novo olhar para a sociedade e à forma como está se organizando diante disso".

A dentista Débora Marques, 32 anos, inventou uma historinha em que ensina - com ajuda de massinha, bolinhas coloridas, sabão e álcool em gel- seu filho Guilherme, 4 anos, o que é essa "bolinha zangada" chamada coronavírus. O garotinho entendeu que essa bolinha deixa as pessoas "dodói" e que é preciso vencê-lo com água e sabão. Para completar, "álcogênio" (o jeitinho que ele consegue falar o álcool em gel) e máscara se precisar sair.

Legenda: Amanda, Arthur e André Caíque aprenderam mais sobre a proteção ao coronavírus na Biblioteca Comunitária Popoco de Ideias

Seja nas periferias da cidade, nas reservas indígenas ou nos bairros centrais, a chegada do coronavírus é tema das conversas em família e as crianças não podem ficar fora.

Segundo a psicóloga Ana Ignez Belém, a criança quer ser considerada e deve ser tratada como uma pessoa. "A gente não deve esconder da criança o que está acontecendo ou dizer para ela que não está acontecendo nada, porque a criança percebe", afirma.

Quando Benedita da Silva Lima, 46 anos, foi conversar com seus três filhos e o enteado, buscou ser o mais sincera possível. "Eu sempre sou muito clara com eles. Expliquei que não podiam ir para a casa da amiga, nem dos colegas. Buscava fazer com que se conscientizassem e entendessem o sentido de se manter em casa e afastados das pessoas que amamos", pontua a doméstica. Depois dessa conversa, a mãe percebeu que os filhos têm criado, diariamente, uma responsabilidade maior entre eles e também com o próximo.

Porém, para a moradora do bairro Pici, impactada financeiramente pela quarentena, foi difícil explicar às crianças que a proteção contra o coronavírus também podia ser feita com o uso de materiais para além do álcool em gel. "Quando surgiram as notícias sobre usar o álcool gel e as máscaras, eles exigiram muito. Então, eu expliquei que nem todo mundo tem condição de comprar álcool gel e que o sabão, o detergente e a água sanitária também fazem uma diferença grande".

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