Das montanhas

Escrito por Márcio Dornelles , marcio.dornelles@diariodonordeste.com.br
Foto: FOTO: FABRÍCIO LEOMAR

Há sempre uma montanha indo e vindo. Costumo ir até ela, enquanto, permanentemente, ela habita em mim. Todas as pedras, pequenas e grandes, que me levam ao fim de uma trilha, têm um preço. De quando em quando, ao retornar às cidades que também moram por perto, cheias de concreto, sinto que carrego menos do que levei. É um sentimento estranho, que exige, comumente, uma reflexão sobre o tempo de todos.

Depois de tantas subidas e descidas, na última imersão no mar de pedras, voltei com ainda menos, asseguro. Deixei lá por cima um pedaço importante do que eu era ao mergulhar naquele mundo. Demorei a me perceber alheio à realidade. Acreditava, por muitos instantes, que os pés ainda estavam cravados no barro e nos pedregulhos, à sombra da coluna invejável de oceano sólido, de onde só se pode ver nuvens, matos, lagoas e, aqui e ali, construções. À noite, pequenas luzes se multiplicam, o céu parece abocanhar o topo da montanha e bichanos noturnos dão o ar da graça. Logo era madrugada e as rochas não tardaram a amanhecer.

Da subida

Na última viagem, eu e o amigo-irmão Fabrício Leomar, ou apenas Tio Chico, fomos ao alto daquela montanha, imponente no miolo do Ceará, para desafiá-la, como ainda não tínhamos feito. Chegamos ao pé da pedra no início do dia seguinte e tratamos de encará-la à luz da Lua.

No sopé, a aconchegante casinha da nossa Dona Fátima, a mãe que adotou aqueles teimosos garotos em meados de 2010. Era preciso contorná-la para iniciar a trilha, em meio a latidos, cochichos e o barulho de uma porta se abrindo. Não pagamos para ver. Ainda tínhamos um longo e escorregadio morro para subir. O encontro com Dona Fátima, tradicionalmente na chegada, ficou para depois.

A caminhada foi demorada e, por isso, mais longa. No trajeto, com poucas referências de localização, nos perdemos. Era estranho, embora estivéssemos reféns da escuridão. Tantas foram as visitas, eu haveria de saber, de cor e salteado, aquele caminho. Lá no alto, o tempo - sempre ele - estava um tanto diferente.

Da descida

Horas-anos se passaram até que resolvemos descer. Enquanto Sol e nuvens deitavam no horizonte, nos abraçamos no penhasco para emergir. O caminho foi mais silencioso que o comum, até que avistamos aquele refúgio, que nos remetia a tantas e importantes lembranças. Entretanto, a casa estava ainda mais quieta. Dona Fátima não morava mais lá. Havia partido para uma montanha mais distante. Um novo rochedo se formou.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.