Da elite ao subúrbio, Carnaval cresceu entre clubes e ruas da Capital

Dos ainda erguidos e ativos, como Ideal e Náutico Clube, aos sustentados apenas na memória, como Maguary e Tiradentes; espaços da festa entre 1950 e 1990 são recontados por foliões saudosos

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br

Nos espaços, em geral mais conservadores, imperava a liberdade daqueles quatro dias: sábado, domingo, segunda e terça-feira, quase sempre de fevereiro, eram marcados no calendário como período de folia nos grandes clubes de Fortaleza. Ainda que paletó, gravata, vestidos e chapéus dos anos 1950 ditassem um tom de formalidade totalmente disperso do contexto, as flores na cabeça e as máscaras que contornam os olhos como óculos sem lentes - mas com lantejoulas e brilho suficientes - revelavam: era Carnaval, afinal.

A festa que hoje ocupa as ruas e praias da Capital e do interior é, para aqueles que se abrigavam na segurança das arquiteturas tradicionais, "diferente demais" das décadas entre 1950 e 1990, quando os salões dos clubes fervilhavam das 22h às 4h, pontual e animadamente.

Fantasias

"Eu brinquei em quase todos! Com 12 anos, já comecei a brincar Carnaval à noite, com os meus tios e primos. Do que eu mais gostava era o Clube dos Diários, porque no último dia de folia tinha um banho de mar à fantasia, quando terminava a festa, já de manhã", relembra a aposentada Terani Bastos, 65. Por trás do sorriso e do tom saudoso, ela guarda as imagens ainda vivas. "Eu e a maioria das mulheres vestíamos fantasias de havaianas, de baianas... E alguns blocos de amigos faziam roupas próprias, se vestiam iguais", declara Terani, que encerrou os carnavais no começo dos anos 1970, quando iniciou o namoro com quem viria a ser pai de seus filhos, anos depois.

As imagens em preto e branco que eternizaram os bailes da época confirmam: entre as mulheres, aqui e ali, havia uma vestida com o que hoje chamam de "blusa cropped", ousada demais para a época, mesmo no Carnaval. Entre os homens, a abundância era de marinheiros, longe dos super-heróis vistos atualmente. Já as crianças tornavam-se índias e bailarinas, rodopiando nos salões com chão de confete.

Subúrbio

Além do Clube dos Diários, outros espaços que recebiam foliões de todas as faixas etárias - mas sempre de melhor situação socioeconômica - eram os chamados "clubes elegantes", como Náutico e Ideal, no Meireles; o Líbano, na Aldeota; e Iracema, no Centro; os dois últimos já extintos. Já a população de classes mais baixas, como remonta o historiador Miguel Ângelo Azevedo, o Nirez; rodopiava ao som das marchinhas em locais como o Clube de Regatas, na Barra do Ceará; o Secai, no perímetro reconhecido hoje como Grande Pirambu; e o Maguary, no Centro, pertencente a um antigo time de futebol homônimo.

Deste último espaço, aliás, extinto ainda nos anos 1950, sobra hoje o preto das pichações na fachada e o marrom avermelhado da ferrugem nos portões, que nem sequer chegam perto do colorido que tomava os salões na folia.

Músicas

"Nos dias mominos, todo clube fazia suas festas. Antes da década de 1950, eles tinham seus próprios blocos, mas isso foi desaparecendo. Tanto os elegantes como os suburbanos eram frequentados pelos sócios - mas, no Carnaval, quem comprasse as mesas tinha acesso", descreve Nirez.

Contrastando com a pomposidade que se imagina hoje sobre os bailes antigos, situados entre as pilastras e azulejos ainda preservados do Náutico Atlético Cearense, por exemplo; ostentava-se uma decoração simples - mas não menos importante para montar o cenário esperado o ano todo. "Existiam pouquíssimos decoradores, então a ornamentação era improvisada por senhoras. Mas era tudo animadíssimo!", rememora o aposentado José Augusto Lopes.

Na elite ou no subúrbio, em clube rico ou popular, a grande diferença mencionada pelos foliões fortalezenses das décadas antes de 2000 em relação ao Carnaval, nos moldes em que se vê atualmente, é uma só. "É basicamente a música. Antigamente, eram feitas músicas próprias para o Carnaval: você ouvia as primeiras notas e já sabia que eram canções do período momino. Hoje em dia, é qualquer uma", lamenta Nirez, endossado por Terani. "Naqueles anos, as marchinhas é que dominavam e animavam as festas. Agora, é uma música que toca o ano todinho", distingue a ex-foliã.

Nirez reconhece que os hábitos de como e onde curtir a folia carnavalesca mudam de geração a geração, lembrando que as principais vias por onde os blocos (e o chamado Corso) passavam eram Duque de Caxias, Senador Pompeu e Dom Manuel, substituídas hoje apenas pela Domingos Olímpio, que recebe a tradição do Maracatu. Apesar disso, o jornalista e historiador rememora que alguns clubes suburbanos ainda resistem. "O Clube Santa Cruz, localizado na esquina da Rua São Paulo com a Padre Mororó, no Centro, ainda faz várias festas, inclusive de Carnaval".

Os demais, em bairros como Montese e Praia do Futuro, segundo ele, desapareceram - mas, ainda assim, continuam relevantes. "Toda tradição é importante para a população de uma cidade. As festas tradicionais são importantes para manter o curso normal. Quando desaparecem, somem também as pessoas que dela participaram", sentencia Nirez.

Foto: FOTO: CAPIBARIBE NETO

Foto: FOTO: EDUARDO QUEIROZ

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