Crianças malabaristas expostas a violências em vias da Capital

Em situação de rua, menores de idade abandonam os estudos e se arriscam no trânsito de Fortaleza para ajudar financeiramente a família. Projetos como o Ponte de Encontro auxiliam na redução de vulnerabilidades sociais

Escrito por Redação ,
Legenda: Grupos de menores arrecadam recursos em semáforos da Capital para ajudar família
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Sob o sol de Fortaleza, no trânsito agitado da Capital, o sinal fecha para os carros e abre para os malabares de crianças que carregam responsabilidades de adulto. Guilherme, Ítalo, Daniel, Túlio e Samuel (nomes fictícios), entre tantos, acordam às cinco da manhã e se deslocam para avenidas da Capital. “É a dificuldade, moça, a gente precisa”, afirma um deles antes de correr para nova apresentação. 

Os meninos malabaristas têm 11, 12, 13, 14 e 17 anos. Com roupas coloridas e rostos pintados de palhaço, eles se destacam em meio aos carros. Contudo, não há dados sobre as crianças em situação de rua. “É uma circunstância tão imediata para mais políticas públicas. E ausência de informações só contribui para que permaneçam na invisibilidade. Não tem como dar respostas sem dados”, afirma a educadora social Bibi Mesquita.

Há mais de um ano, Guilherme está em situação de vulnerabilidade. O menino de onze anos aprendeu a fazer malabarismo para ajudar a família. “Com o dinheiro, eu ajudo minha mãe com as compras do mês”, ressalta. O garoto tem quatro irmãos mais novos e, após a saída do pai de casa, aceitou o convite dos outros meninos para trabalhar nas avenidas. “Eu comecei assim, e depois eu já estava assim”, explica o tempo de rua com o movimento rápido de duas laranjas. Dos garotos que realizam a atividade, Guilherme é o único que prefere não utilizar ovos. “Ele quebrou muito”, revela o colega.

Os meninos malabaristas se viram na rua por dificuldades semelhantes. “Todo mundo se conhece. Uns são primos, irmãos ou vizinhos”, conta um deles. Segundo os garotos, a união os protege dos problemas urbanos. “Fugir da violência é tranquilo, das drogas também. A gente fica longe”, afirma. Para Bibi Mesquita, o espaço da rua é muito vulnerável para essas crianças. “A rua tem seus encantos. Às vezes, é um refúgio, mas eles estão expostos a todo tipo de violência, como sexual, física e psicológica. Uma vez estando em situação de rua, é muito rápido para que possa se agravar, são várias possibilidades”, diz a educadora.

Vulnerabilidade

A Prefeitura de Fortaleza, junto com a Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), é responsável pela execução do programa Ponte de Encontro, que desenvolve serviço especializado de abordagem social de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. De acordo com a Pasta, 2.867 atendimentos foram feitos até setembro deste ano.

As crianças e adolescentes assistidos pelo programa estão em situação de rua, não caracterizando apenas o abandono do lar, quando saem de casa para a prática da mendicância e trabalho infantil. Conforme a Funci, esses jovens são das regionais I, III e V, e migram para as áreas mais nobres da cidade na Regional II.

A evasão escolar é apontada como recorrente entre os menores em situação de rua. “Eles normalmente estão matriculados nos equipamentos escolares, porém, com altos índices de faltas”, afirma o órgão em nota.

“Estudo não. Eu perdi o ano, agora só em 2020”, afirma Samuel. Segundo o menino, a família recomenda que ele continue os estudos. Mas a orientação é a mesma para o trabalho que auxilia na manutenção da casa. Já Daniel permanece matriculado na escola, contudo, com muitas faltas no currículo escolar por conta da rotina exaustiva.

“Ele não escolhe estar na rua. Ele se encontrou em uma situação insustentável de vida. Viu na rua um espaço de refúgio. Programas sociais são extremamente necessários. Mas não podemos focar apenas nas crianças, tem que buscar as referências familiares, oferecer apoio à família, para que essa vida possa ser ressignificada”, explica a educadora social, Bibi Mesquita.

Infância nas ruas

Educação, cultura, saúde, esporte e lazer são alguns dos direitos de todos esses garotos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, não estiveram presentes na vida do jovem Nathan, 22. Ele começou a trabalhar com malabarismo no sinal aos 14. Com a morte da mãe e a ausência paterna, precisou assumir as despesas da casa. Para isso, saiu da escola na 8ª série e, desde então, segue nas ruas.

“As crianças dos malabares nos sinais estão escancarando como lhes faltam oportunidades e alternativas a esses cenários - de miséria e desigualdade - e como seus direitos têm sido violados, enquanto precisavam ser garantidos. Elas poderiam ter acesso de qualidade a políticas públicas de moradia, saúde, educação, lazer, esportes, cultura entre tantas e aí sim, brincar de malabares onde escolhessem e lhes fosse mais saudável”, ressalta a psicóloga Lis Albuquerque.

O jovem Nathan apesar das ausências, ainda carrega os sonhos de criança. “Quero fazer gastronomia, trabalhar em um restaurante”, afirma. Bombeiro, artista ou jogador de futebol são os sonhos levados pelos meninos malabaristas.

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