Com estrutura em risco, prédio centenário segue ocupado por famílias

Local onde funcionava a antiga Escola Jesus, Maria e José, no Centro de Fortaleza, tem cenário de destruição, mas abriga moradores desde janeiro deste ano. Não há previsão para a saída dos ocupantes

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Em algumas áreas do prédio abandonado, parte do teto sucumbiu à chuva e desabou. Adultos e crianças continuam utilizando as áreas.
Foto: Foto: Fabiane de Paula

O que antes era espaço para edificar, educar, é, hoje, sinônimo de destruição. No prédio da antiga Escola Jesus, Maria e José, no Centro de Fortaleza, o telhado escorre um pouco mais a cada dia de chuva, as paredes cansadas de 112 anos cospem tufos de areia e mal se sustentam, enquanto as portas e janelas são crucificadas com tocos de madeira e pedaços de ferro, em nome da falsa sensação de segurança. O cenário é inabitável. Mas, apesar disso, é moradia para mais de 20 famílias desde janeiro deste ano, sem prazo para mudança.

A dona de "casa" Rita Maria, 50, é uma das habitantes mais antigas da ocupação, cujos moradores se renovam em períodos cada vez mais curtos. Segundo ela, mais de 20 famílias já foram embora, "algumas porque conseguiram casas em conjuntos habitacionais, outras porque não aguentavam mais viver nessa situação e voltaram a pagar aluguel". Além disso, segundo Rita, uma outra ocupação no bairro Conjunto Ceará foi destruída, e as famílias migraram para o espaço no Centro.

De todas as "salas de aula" da construção, que se estende por um quarteirão inteiro na Rua Coronel Ferraz, apenas três ainda estão desocupadas. "Tem muita gente novata, chegou família com três crianças, e eu digo logo que quando chove tem que se cobrir com plástico. Aqui está entregue ao léu", lamenta Rita. "Eu saí da minha 'casa', mas já tem outra família lá", preocupa-se, descrevendo o cômodo em que a linha de madeira, parte da estrutura de sustentação do telhado, está se soltando da parede, de onde já caem pedaços de tijolos e cimento, como que denunciando um prédio à beira de virar pó.

Desocupação

A ocupação da construção centenária teve início há 11 meses, quando foi feita, "imediatamente, junto com a Defesa Civil, visita técnica alertando as pessoas sobre os perigos de permanecerem no equipamento, prédio que se trata de patrimônio histórico tombado. Na reunião com os ocupantes, foram destacadas as péssimas condições do imóvel e os riscos da ocupação", informou a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor), por meio de nota.

A Pasta, gestora do prédio, afirma ainda que "a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) vem mediando a situação, inicialmente com o cadastro das 78 famílias que ocupavam o imóvel, seguida de reuniões para negociar o processo de desocupação, além de acompanhar o preenchimento dos dossiês para que elas fossem contempladas com moradias". Nesta semana, a Secretaria das Cidades do Estado "garantiu, após uma intensa articulação, que as famílias restantes devem ser direcionadas para conjuntos habitacionais do Estado". Nenhum prazo foi informado à reportagem.

Enquanto isso, Rita e outras famílias persistem na espera. "Todo mundo tá cadastrado, só esperando as vagas nas casas. Eu já fui sorteada, mas tô só na espera. Eu quero é sair daqui, Deus me livre de continuar", impacienta-se a veterana, observada por Luziana Ferreira, 31, que chegou à ocupação na última quarta-feira (5), com os filhos de um, 14 e 15 anos de idade, após ter esgotado qualquer condição de pagar aluguel no bairro José Bonifácio com o salário de empregada doméstica.

Acompanhamento

"O que eu mais queria mesmo era um canto pra morar, um emprego, escolas pros meus filhos e creche pra essa aqui", relata Luziana, enquanto amamenta e conta as marcas de picadas de mosquitos na pele fininha da bebê que ainda nem anda. Os sonhos são exatamente os mesmos de Serjani Nascimento, 30, moradora da ocupação há três meses.

Na companhia de duas das três filhas, uma de 11 e outra de 13 anos, ela saiu "só com documentos e a roupa do corpo" da casa onde morava no bairro Quintino Cunha, quando o ex-companheiro ateou fogo na residência. O tempo sob o teto em ruínas é pouco, mas suficiente para sentir os maiores problemas e a tensão da insegurança diária. "Em noite de chuva, é nós limpando e alagando de novo. Tem muita goteira, piora tudo". Mesmo no perigo, é a única opção para não viver na rua.

Intervenções

Ainda conforme a Secultfor, todos os órgãos municipais envolvidos na questão realizam um acompanhamento periódico da situação com relação às famílias e às condições do imóvel e, após ser desocupada, "a edificação passará por intervenções emergenciais de contenção estrutural e obras de reparos", declaração já proferida pelo prefeito Roberto Cláudio em agosto deste ano, quando reconheceu que "o prédio tem risco de desabamento". Segundo os moradores, contudo, a única vez em que profissionais da gestão municipal apareceram foi na primeira visita técnica, ainda em janeiro deste ano.

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