Cidade (in)visível

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Me contaram sobre uma Fortaleza imensa. Que de tão grande, talvez nem tanta vida eu tenha para usufruir. Enorme ela. Uma cidade de exibições e esconderijos. São muitas as fortalezas viventes. E eu, do meu canto, mais precisamente do limite da região Oeste deste Município, sei muito pouco sobre ele, mas queria saber mais. Vi que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registra Fortaleza como um território de 314,930 km² compartilhado por 2.669.342 pessoas.

Só isso já indica que o espaço é grande e bastante povoado. É esse o primeiro obstáculo a quem deseja esmiuçar a cidade? Basta para conformar a inquietação de conhecê-la?

Mas o que é conhecer um lugar? Me mostraram que Fortaleza tem praia. Precisamente a do Futuro ou a Beira-Mar. E disseram que a maioria das pessoas segue para a primeira, quando deseja usufruir do mar. Pensei: que maioria é essa? Me criei indo à Barra do Ceará, quando a travessia só era feita de barco. Naquele universo, a maioria das pessoas, no meu entendimento, frequentava a Barra. O meu referencial de cidade me fazia crer que só aquele lado era, de fato, frequentado. Anos depois, o Vila do Mar "tornou-se" atrativo. Do mesmo lado Oeste. Lotação, clientes cativos, visitantes, banho de mar. Talvez, nada tenha se tornado. Tudo sempre tenha sido na Fortaleza que, por desconhecimento, eu invisibilizava.

Penso, vez ou outra, sobre isso: nos meus lugares de certeza. Físicos e abstratos. E também nos desconhecidos ou invisíveis. Na Lagoa da Maraponga, que nunca fui a lazer; no Parque da Viúva, no Siqueira, onde andei apenas uma vez; nas Dunas da Sabiaguaba, que só subi a trabalho; nos pratinhos de comida que nunca experimentei no Conjunto Ceará ou na Cidade 2000; no "geras" (bailes da juventude) do Jangurussu, no qual só vi pelas redes sociais.

Mas, a meu favor, já vi o pôr do sol em quase todos os pontos da orla de Fortaleza (a única exceção ainda é a Praia da Abreulândia); assisti filme no farol velho do Mucuripe, no Serviluz, passei a noite ao ar livre na Praia de Iracema, subi a rampa do Jangurussu, percorri o mangue do Rio Ceará, bebi e comi no Centro da cidade de dia, de tarde e de noite, fui à Feira da Messejana, andei de barco no Cocó, tomei café no Cidade Jardim, vi exposição de artista popular no bairro José Walter.

Os meus pequenos feitos, de algum modo, me garantem que pertenço a essa cidade e dela conheço um pouco. A maioria dos personagens desses lugares que vi e experimentei são anônimos. Para mim. Não para aqueles que ali fazem o dia a dia. Encaramos a cidade como aquilo que temos de mais próximo. Finda que nosso trajeto é a única cidade possível. Uma pena! Fortaleza é vista pela janela do ônibus ou carro. Um tantinho maior quando nos permitimos sair do percurso casa-trabalho-faculdade-escola-casa.

Talvez, na sina realista, seja utópico conhecer minuciosamente esse território. Mas, investir na ação de sair das próprias caixinhas e conhecer esse lugar é rebelar ordens. Do que nos ensinaram, do que ouvimos e do que experimentamos. A imagem que você tem de Fortaleza, vem de onde?

As nossas convicções são muros reforçadíssimos. E nos dizem ser impróprio e inseguro ultrapassá-los. A Fortaleza que julgamos possível é quase sempre aquela do nosso conforto. Do nosso agrado. Do nosso bairro. Para que ela exista, pressupomos a negação equivocada do outro e da possibilidade de que a cidade seja mais do que nossos rastros. Me contaram que Fortaleza é imensa. E eu acreditei. Não me conforma a ideia que parte dela siga invisível.

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