Centros de Educação Infantil de Fortaleza têm falhas estruturais

Unidades apresentam salas infiltradas, espaço infantil exposto ao sol, água que escorre pelas paredes. Em outros casos, creches municipais fechadas obrigam mães e pais a deixarem os filhos em casa

Escrito por Felipe Mesquita / Theyse Viana , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Creche Nossa Senhora de Fatima, no Conjunto Ceará, ainda não funcionou neste ano
Foto: Foto: JL Rosa

No Centro de Educação Infantil (CEI) Presidente Médici, em Fortaleza, onde a pequena Débora Veras, de dois anos, ensaia os primeiros passos de sua formação estudantil e cidadã, falhas na estrutura física da unidade impedem a continuidade do acompanhamento pedagógico dela e de 62 crianças. Ao mesmo tempo, outras duas creches, a Nossa Senhora de Fátima e a Murilo Serpa, também amargam problemas, desde prestação de contas à demolição do espaço, o que obriga pais e mães a deixarem seus filhos em casa.

Salas com infiltrações e mofo, brinquedos sem coberta, além da água excessiva que escorre das paredes e dos lustres em dias chuvosos impossibilitam as atividades na residência adaptada para funcionar o CEI Presidente Médici, no Vila União, conforme denuncia a dona de casa Valéria Veras, 36, que teme pela segurança da filha e de seus colegas. "A situação é crítica. Como tudo fica molhado toda vez que chove, não tem condições de ter aula. Eles cancelam, e as professoras ligam para a gente ir buscar".

Se de um lado, os alunos por vezes retornam às suas casas sem ter aula; do outro, há quem não conseguiu sequer acesso ao ensino, mesmo com o ano letivo na rede municipal já iniciado. É o caso das crianças matriculadas nas turmas do Infantil III, IV e V do CEI Murilo Serpa, no Pici, que estão fora da classe desde o dia 29 de janeiro último. O prédio onde funcionava a creche virou canteiro de obras para a construção de um Cuca.

"Falaram que iam construir o Cuca, mas iam continuar as aulas normais. Só que, quando começaram a demolir, não teve mais como as crianças estudarem lá. Falaram que iam alugar um prédio para eles estudarem. Mas agora vem uma história que estava tudo irregular, aí ficam as crianças sem aula e o tempo correndo", lamenta uma mãe.

Em condição semelhante está a CEI Nossa Senhora de Fátima, no Conjunto Ceará, ainda sem funcionamento neste ano. A própria Secretaria Municipal da Educação (SME) reconhece o contratempo alegando que "a creche é conveniada e apresentou problemas na prestação de contas".

Enquanto a solução não chega, quem precisa deixar suas crias para assumir tarefas profissionais se queixa da falta de amparo educacional a elas, embora tenham o direito garantido no artigo 6º da Constituição Federal de 1988.

Dilema

"Eu sou diarista, mas dependo da creche para trabalhar, porque não tenho quem fique com Isadora. Desde que ela entrou na creche, tenho três faxinas fixas. Aí preciso desmarcar no fim de semana, que é quando minhas irmãs podem ficar com ela. Já não é um emprego fixo, se fosse, eu já teria perdido. Além de tudo, é uma criança e está se atrasando", lamenta Camila da Silva, 30, mãe da Maria Isadora, que estuda na CEI há dois anos.

A também diarista Cristiane Carneiro, 43, que partilha do mesmo dilema com a neta Anna Sophia, de dois anos, diz que a rotina da família mudou com a ausência da creche. Mãe, pai e avó se revezam todos os dias para manter os cuidados com a criança.

"Eu trabalho, mas preciso arranjar uma pessoa para ficar com ela. Um dia, a mãe vai mais tarde para o serviço; outro dia, o pai falta. É bem complicado", avalia.

Além da complicação de encontrar alguém para tomar conta da neta, Cristiane demonstra preocupação com o desenvolvimento intelectual da menina. "Ela estava se desenvolvendo. Criança é esponjinha, tudo absorve. Na creche, ela aprende horário, comportamento, convivência social com o outro. Guardar, agir sozinha, ter atitude. A escola é muito importante. Por isso, a disciplina e as informações vêm da escola. A gente fica sentindo falta. Quando ela se encontrava na creche, já estava aprendendo a falar, a desenvolver a criatividade. A escola ajuda bastante a soltar a criança. Estamos jogados na boa vontade de alguém".

Déficit

Para a assessora técnica do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE), Marina Araújo, o direito à educação deve estar acompanhado de condições que garantam a qualidade do ensino e a permanência da criança na creche. Contudo, junto à dificuldade de colocar em funcionamento os Centros de Educação Infantil, Fortaleza não conseguiu matricular 5.692 crianças de um a três anos de idade em 2019, conforme apontou levantamento do órgão.

"Conseguimos identificar também que Fortaleza não possui política para berçário (0 e 1 ano). Essa política precisa ser priorizada. Para além disso, a Prefeitura não vem executando a contento o orçamento público direcionado a essa política. As ações que dizem respeito à construção, manutenção e reparação dos CEIs têm uma baixa execução orçamentária, não chegam nem a 60%", descreve.

Sobre o CEI Presidente Médici, a SME informou que a "situação da unidade está sendo verificada e os encaminhamentos necessários serão tomados com a maior brevidade possível", sem detalhar datas para a reversão do problema.

Com relação ao CEI Murilo Serpa, esclareceu que a imobiliária responsável pela locação do prédio da creche não entregou a documentação necessária, mas "um novo já foi alugado, e as aulas terão início no dia 3 de abril". A Secretaria acrescentou que já "firmou convênio com uma nova entidade e o atendimento às crianças da CEI Nossa Senhora de Fátima será retomado no início da próxima semana".

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