Cearenses aguardam medicações de alto custo há cerca de um ano

Pacientes com Hepatite C, que dependem de remédios fornecidos pelo Ministério da Saúde, enfrentam descontinuidade da distribuição desde o início de 2018. Dentre os motivos, a Pasta relata impasses judiciais com fabricantes

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

A doença tem evolução lenta, mas vai se manifestando aos poucos, ao longo de anos, até décadas. Muitas vezes, quando se descobre a hepatite C, o paciente já está numa condição crônica, levando-o a uma corrida desenfreada em busca do tratamento. Contudo, cearenses com a doença estão à espera do medicamento referência para tratar a enfermidade há um ano, mas um impasse entre o Ministério da Saúde e o laboratório fabricante vem barrando a distribuição em todo o Brasil.

Além da hepatite, falta medicamento para Parkinson

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Óbitos no Ceará. O número de mortos pela hepatite C, entre 2007 e 2018, supera os óbitos causados pelas hepatites A e B, juntos. Os dados são da Sesa.

"Esse foi um ano de retrocesso no tratamento das hepatites", qualifica Francisca Agrimeire Leite, presidente do grupo cearense ABC Vida de Apoio ao Portador de Hepatite C, sobre os últimos oito meses de angústia dos enfermos. "A situação no Ceará é semelhante ao resto do País; pacientes estão aguardando a medicação desde abril e nada, porque ela é centralizada no Ministério da Saúde, que disse que ia comprar mais barato, mas não cumpriu o que foi prometido".

10 mil
Novos casos por ano. No Brasil, estima-se que entre 1,4 e 1,7 milhões de pessoas vivam com hepatite C. A meta é tratar 50 mil pacientes por ano até 2024.

A medicação a que ela se refere é o sofosbuvir, droga criada há apenas cinco anos e que é capaz de curar o paciente sem a necessidade de transplante de fígado, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em julho deste ano, a entidade conseguiu o registro do antiviral para produzir o genérico, em parceria com laboratórios privados. O preço de cada tratamento seria de pouco mais de R$ 5 mil reais, quando o custo por paciente já chegou a US$ 84 mil.

Estima-se que os genéricos permitiriam economia de cerca de R$ 1 bilhão ao Ministério da Saúde. No entanto, em setembro, a Justiça concedeu a patente do sofosbuvir à farmacêutica americana que já o produzia. Com a medida, apenas a companhia estrangeira pode vender o remédio no Brasil, inviabilizando a produção de genéricos nacionais. Desde então, as partes travam uma batalha judicial - enquanto a população espera.

Predominância

No Ceará, segundo a Secretaria Estadual da Saúde, foram notificados 50 casos de hepatite C de janeiro a junho deste ano. Em 2017, foram 223. A maior taxa de detecção do Estado fica na macrorregião de Sobral, em Ipaporanga, seguido da macrorregião Cariri, no município de Porteiras. Há predominância de casos em indivíduos do sexo masculino.

O coordenador da área técnica de IST/Aids e Hepatites Virais de Fortaleza, Marcos Paiva, alerta que a demora no recebimento da medicação é prejudicial ao quadro geral do paciente.

"A utilização desse medicamento é extremamente revolucionária porque ele oferece possibilidade de até 95% de cura. Se esperava que se resolvesse logo essa queda de braço. Se você demora a fornecer, nós partimos para tratamentos alternativos que não têm a mesma eficácia", explica, confirmando que há pacientes esperando há mais de um ano pelos remédios.

Meta

O Brasil é signatário do Plano de Metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a eliminação da hepatite C até 2030. Para atender às metas, o Ministério da Saúde informou estar em processo de aquisição de 50 mil novos tratamentos. Além disso, no dia 15 de outubro, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) deliberou pela incorporação do sofosbuvir ao Sistema Único de Saúde (SUS). O prazo máximo para efetivar a oferta na rede pública é até abril de 2019.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que vai recorrer da decisão da Justiça que suspendeu a oferta do medicamento sofosbuvir aos pacientes com hepatite C. "A não aquisição do medicamento afeta diretamente a assistência à saúde de 15.115 brasileiros que vivem com a doença e que esperam o medicamento que pode curá-los, há quase um ano", declara.

A Pasta informou que, em pregão realizado em novembro, cumpriu "rigorosamente" todas as etapas para a formalização dos processos de aquisições de medicamentos e insumos, ressaltando que a suspensão gerará prejuízo de quase R$ 66 milhões aos cofres públicos.

"Recurso que poderia ser utilizado, por exemplo, para a construção de 17 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e garantiria o atendimento de dois milhões de pacientes no SUS", compara.

Entretanto, o Ministério não informou quantos pacientes seriam atendidos pela remessa de sofosbuvir no Ceará e nem deu previsão para a distribuição do medicamento.

Transplante

A Conitec reconhece a escassez de dados epidemiológicos sobre hepatite C por conta do silêncio da doença. Cerca de 80% dos pacientes são assintomáticos, e a maioria é diagnosticada tardiamente, quando a doença já está em fase avançada, com complicações secundárias. Dentre elas, a cirrose e o câncer hepático, fatores que tornam a hepatite C uma das principais causas de transplantes de fígado.

Entre janeiro e setembro de 2018, foram realizados 162 transplantes de fígado no Ceará, conforme o Registro Brasileito de Transplantes (RBT), levantamento mais recente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Em setembro, também segundo a entidade, havia 153 pacientes ativos na lista de espera pelo órgão.

Demora no repasse de algumas drogas prejudicam o tratamento de pacientes com a doença de Parkinson, bem como de hepatite, cujo diagnóstico já costuma ser tardio pelo caráter assintomático da doença

 

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