Ceará tem duas casas-abrigos para vítimas de violência doméstica

Os lares podem ser solicitados pelas vítimas na Delegacia de Defesa da Mulher ou no Centro de Referência da Rede de Apoio contra a Violência. Uma triagem é feita para analisar se a mulher está em risco iminente de feminicídio

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br

Certo dia Helena (nome fictício) saiu da casa da mãe como nunca pensara: pelo telhado, como quem imita um gato. A principal diferença é que ela não tinha sete vidas, e precisava preservar a única, após a tentativa de estrangulamento do então marido. À época, se soubesse, Helena teria buscado refúgio em uma casa-abrigo para vítimas de violência doméstica. No Ceará, dois equipamentos do tipo estão em funcionamento, mantidos pelo Município e pelo Estado.

A Casa do Caminho, em âmbito estadual, está localizada onde o vento encontra a esperança de dias melhores, sem a iminência de morte. O local sigiloso é morada para pouco mais de 20 pessoas (entre mulheres e crianças). "Chamamos essa Casa, de forma bem grosseira, de 'UTI da mulher', porque é sempre a nossa última opção, após situações graves, de risco muito grande", pontua a titular da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres do Governo do Estado (Cepam), Camila Silveira.

A mulher em perigo pode solicitar endereço provisório em duas instituições: o Centro de Referência da Mulher ou a Delegacia de Defesa da Mulher. O Centro conta com uma equipe multidisciplinar que avalia se a vítima está na iminência de um possível feminicídio. Ela pode passar até quatro meses no local, de acordo com a Diretriz do projeto.

O município de Fortaleza é responsável pelo segundo equipamento no Estado. Funcionando com metade das vagas disponíveis, a Casa Margarida Alves é a outra opção de 'refúgio'. O abrigo conta com 17 profissionais, entre coordenadores, assistentes sociais, psicólogas, advogadas, educadoras sociais, cuidadoras diurnas e noturnas, cozinheiras, auxiliares de cozinha, serviços gerais e motoristas. Todas mulheres. O único homem que trabalha na Casa o faz do lado de fora, realizando a segurança patrimonial.

Direitos Humanos

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, o Brasil tem 77 Casas Abrigo vinculadas à Pasta. "O Ceará não conta com nenhum registro. Entregamos neste ano uma Casa da Mulher Brasileira e estamos realizando tratativas com a rede de enfrentamento à violência contra a mulher, para tratar a questão", revelou a Secretaria em nota. Além do Ceará, somente Amapá e Amazonas (11,11% dos estados) não detêm nenhum abrigo federal.

A supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem), da Defensoria Pública do Estado do Ceará, Jeritza Braga, destaca que um dos principais empecilhos para o pleno funcionamento das Casas é a falta de atendimento em tempo integral. De fato, os abrigos estão abertos durante os três turnos, mas o Centro de Referência, que é quem realiza a triagem de urgência, é aberto apenas em horário comercial.

"Se uma mulher chega de madrugada e quer ser abrigada, não pode. Queremos que ela tenha esse acesso. O Poder Público precisa abrir os olhos para que possamos equipar melhor estes espaços. Se um local está deixando de abrigar metade das pessoas que deveria, pode ser que estejamos perdendo essas vidas, e tudo por uma questão financeira tão pequena", enumera a defensora.

A coordenadora da Casa Margarida Alves, Paula Mourão, explica que nos momentos em que o Centro estiver fechado, os profissionais da Delegacia da Mulher entram em contato, e um abrigo improvisado é garantido à mulher em risco. "No próximo dia útil, realizamos o atendimento psicossocial da mesma forma, mas entre uma vida que está ali correndo risco e abrigá-la fora do padrão, optamos por abrigar", pontua.

Sobre a dificuldade estrutural, Paula Mourão emenda que a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) do Município, está em fase de licitação para adquirir novos colchões. Recentemente, a Pasta cedeu ao abrigo três novas camas beliches. As deterioradas não puderam ser totalmente substituídas por conta do espaço disponível. A Casa da Mulher Brasileira, equipamento estadual, também detém um espaço de passagem, onde é possível permanecer de 48 a 72h, dependendo da situação. O abrigo, porém, só iniciará as atividades em 2019.

Insuficiente

Para a pesquisadora do Núcleo de Estudos em Gênero, Idade e Família (Negif) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Celecina Veras Sales, a quantidade de Casas Abrigo no Estado é insuficiente. "Diante da situação cearense, em que temos muitos feminicídios, e que a violência contra a mulher é recorrente, acredito que essa questão da prevenção é muito importante, mas somente dois equipamentos é muito pouco, pois somente neles é possível se sentir acolhida, amparada pelo Estado", destaca.

Celecina, que é professora do Curso de Gestão de Políticas Públicas da UFC, garante que se trata de uma política pública fundamental conquistada pelo Feminismo e pela Lei Maria da Penha, mas que deve ser mais bem pensada. "É necessário um conjunto de cuidados. Não adianta fazer tanta campanha para que a mulher denuncie, é preciso pensar no depois. Porque a vítima vai à Polícia, fala, mas isso pode se voltar contra ela. É um cenário de medo e insegurança", diz.

Uma pesquisa feita pela Defensoria, com uma amostragem de 200 mulheres, aponta que violência psicológica, moral, física, patrimonial e sexual (em ordem decrescente) são os tipos de violações que mais acometeram as mulheres que procuram o Nudem. Cerca de 54% das vítimas apontaram estar há mais de cinco anos em situação de violência, sem denunciar. Helena, por exemplo, passou 17 anos em um casamento abusivo em que o ciúme era quem mandava.

"Não consigo pensar quanto tempo vai levar para eu me livrar do trauma. Sempre vou ter medo de me relacionar de novo, de sofrer outro ataque, ou um atentado contra minha vida", desabafa. Para ela, o ápice de descontrole do ex-marido tenha sido "um surto", ou "um desequilíbrio". Para além das justificativas, porém, estão o machismo e a misoginia, que vitimou 737 mil mulheres nos últimos 9 anos, segundo a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180.

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