Ceará foi marcado pela II Guerra

Escrito por Redação ,

Mesmo longe do Estado, o conflito mudou os hábitos dos cearenses, que sofreu influência dos norte-americanos

Nos anos 40, uma base militar chegou a ser montada pelos norte-americanos no bairro que é conhecido, hoje, como Pici. Posição geográfica privilegiada que facilitava a ida de navios e aviões para a Europa destacou o Ceará Fotos: Alex Costa

Há 70 anos, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, publicava um decreto declarando guerra à Alemanha e Itália. Dessa forma, ele colocava a Nação ao lado dos países aliados na Segunda Guerra Mundial. Apesar de o conflito ter acontecido longe daqui, esse momento também teve influências no Ceará, principalmente, em Fortaleza.

O conflito não mudou apenas os hábitos dos cearenses, que chegaram a fazer o famoso quebra-quebra de lojas alemãs e italianas em 1942, mas também o espaço que eles habitavam sofreram interferências. Como, por exemplo, a construção da base militar montada pelos norte-americanos no bairro que é conhecido, hoje, como Pici.

Segundo o doutor e professor do Mestrado em História da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Erick Assis, vários aspectos podem ser destacados em relação às influências da segunda grande guerra no Estado.

Em primeiro lugar, o Ceará mobilizou uma quantidade considerável de seus habitantes pobres para atender uma política de povoamento do Governo do Estado Novo, também conhecida como a campanha do Soldado da Borracha.

Os pracinhas auxiliaram os americanos e assim foram importantes na conquista do norte da Itália, que acabaria por desestabilizar o governo de Benito Mussolini 

"Uma pesada propaganda incentivou a migração de milhares de cearenses para coletar o látex na Amazônia, matéria prima na fabricação da borracha, produto de fundamental importância no período da guerra", comentou Erick Assis.

Esse movimento migratório representou uma desagregação familiar, separações de pais dos seus lares em troca de muito sofrimento, desamparo e frustração pessoal e coletiva, ressaltou o professor.

Cinema

Ele comentou que, em relação à cultura urbana, a influência veio principalmente do cinema, algo que podia ser visto nos hábitos e costumes dos fortalezenses. Isso acabou significando uma tradução cultural do estilo de vida norte-americano.

Com isso, setores da cidade de Fortaleza tentavam respirar um certo glamour e algumas casas, no bairro da Aldeota, foram projetadas na tentativa de incorporar a arquitetura da  mansão do filme "E o Vento Levou", lançado em 1939.

"Esses e outros capítulos da história da cidade desse período, fazem parte de uma política da boa vizinhança criada pelo governo norte-americano do presidente Theodore Roosevelt", declarou o professor.

Assis afirmou, ainda, que o Ceará teve destaque no conflito devido à posição geográfica privilegiada, que facilitava a ida de navios e aviões para a Europa. Outro fato foi que, na época, os combustíveis ficaram caros e escassos, com isso, os preços dos alimentos encareciam. "As restrições alimentares só complicavam mais a vida da maioria pobre da população", avalia.

Patriotismo

Ele comentou, também, que os conflitos orquestrados pelo governo brasileiro, que envolveram o patriotismo dos cearenses, foi mais um momento que marcou bastante a segunda grande guerra em Fortaleza.

"Esse episódio foi a depredação, queima e destruição de alguns estabelecimentos comerciais pertencentes a alemães e italianos instalados na cidade de Fortaleza. Devido ao afundamento de dois de nossos navios por submarinos alemães", completou o professor da Uece.

O memorialista Marciano Lopes lembra que o conflito teve influências em toda a parte, pois foi algo que mexeu com o mundo todo. Em Fortaleza, naquela época, as pessoas ainda podiam ser consideradas ingênuas e o Brasil estar no meio de uma guerra mundial afetou bastante toda a população.

Lopes conta que era uma criança no período da Segunda Guerra e conseguia perceber que as pessoas estavam em pânico. "Todos tinham muitas dúvidas, pois poucas informações eram repassadas para a população", conta.

Para ele como esse foi um acontecimento mundial não teria como o Ceará não ser influenciado. "Podemos considerar que algumas coisas continuam as mesmas, mas muito mudou durante todo esse tempo".

O coordenador do Mestrado Acadêmico em História da Uece, Altemar da Costa Muniz, ressaltou que a entrada do Brasil na guerra foi precedida por uma grande mobilização promovida pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Inicialmente liderada pelos discentes paulistas, as mobilizações exigiam a adesão do País ao bloco dos Aliados e, assim, lutar contra o Eixo. No Ceará, as mobilizações chegaram lideradas pela União Estadual dos Estudantes (UEE), criada pela própria UNE.

Blocos

Quem chega próximo ao Instituto de Educação Física e Esportes (Iefes) da Universidade Federal do Ceará (UFC), no Campus do Pici, pode ver de longe três grandes blocos de concreto. Esses blocos faziam parte da ancoragem do dirigível que realizava a busca por submarinos inimigos na costa marítima.

De acordo com o diretor do Iefes, Antônio Barroso Lima, durante escavações feitas no local, foram encontradas algumas minas desativas. "Os moradores mais antigos dizem que, antes dos americanos irem embora, eles enterraram vários equipamentos nesse terreno".

Hoje, os blocos de concreto que faziam parte da ancoragem do dirigível estão expostos e chamam atenção de todos que passam pelo local

Em breve, no local, será feita uma grande reforma para a construção de um complexo esportivo que vai atender diversos esportes, tudo isso ao custo de cerca de R$ 80 milhões. Mas, Lima faz questão de ressaltar que a história do local não será deixada de lado. "A nossa ideia é mostrar o que realmente acontecia aqui e preservar a história".

Combatentes notam mudanças


Ao voltar da Segunda Guerra Mundial, os cearenses que faziam parte das Forças Armadas, também conhecidos como pracinhas, puderam notar que encontram uma cidade diferente da que eles tinha deixado para trás. Além disso, a lembrança daqueles que não conseguiram voltar ficou marcada até hoje.

Segundo o presidente da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil no Ceará e artilheiro da Marinha, Juarez Araujo Lima, os militares saíram daqui com o objetivo de lutar contra as tropas dos países do eixo. "A sensação de quando nós partimos era de não saber se iríamos voltar. Felizes são os que conseguiram voltar, pois, somente em um dos navios que foi afundado, morreram mais de 300 homens".

Ele explicou que viu muitos companheiros de batalhas voltarem com muitos problemas pós-guerra. Principalmente com sequelas físicas ou mentais. "Sorte daquele que não sofreu com nenhum tipo de sequela".

Transformações

Lima comentou que, antes de ir para a guerra, era possível encontrar mais militares do que civis nas ruas de Fortaleza. Muitos vinham da base militar norte-americana do Pici ou estavam apenas de passagem. "Todos por aqui viviam um clima de guerra", destacou.

Já o coronel reformado da 6ª Companhia de Caçapava, Antônio Alexandrino Correa Lima, passou um ano, na Itália, lutando contra as tropas dos países do Eixo. Mesmo sem experiência nenhuma em conflitos, ele fez parte de uma das primeiras tropas a serem empregadas nos campos de batalha.

"Além da falta de experiência, tivemos um treinamento muito precário devido à falta de equipamentos. Somente na Itália fomos receber um armamento de qualidade", frisou Correa.

Em uma das suas primeiras tarefas, ele recebeu o batismo de fogo, quando o local onde trabalhava foi bombardeado. "Me escondi nos arbustos para não ser atingido. Confesso que senti um frio na barriga, mas, depois, a gente se acostuma", completou.

De acordo com o coronel reformado, o exército da borracha e a paralisação do comércio do oriente foram dois fatos do conflito que acabaram influenciando a vida dos cearenses. "Com esses problemas, muitas pessoas acabaram passando por dificuldades". Além disso, até o governo brasileiro sofreu mudanças, devido ao início da ditadura.

FIQUE POR DENTRO

Alemanha deu início à guerra ao invadir a Polônia

A Segunda Guerra Mundial teve início no ano de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Imediatamente, a Inglaterra e França saíram em defesa do país invadido, declarando guerra aos germânicos. Em 1941, a União Soviética também ingressou no conflito por ter o seu território invadido pelo exército alemão. Ainda no mesmo ano, os Estados Unidos entraram no conflito após receber um ataque aéreo japonês em sua base naval de Pearl Harbor, algo completamente inesperado.

O conflito ocorreu envolvendo dois grupos de países. O Eixo era composto por Alemanha, Itália e Japão. Já os Aliados tinham como integrantes a França, Inglaterra, União Soviética, Estados Unidos e o Brasil. A Itália se rendeu em 1943. Apenas dois anos depois, a Alemanha e Japão também se renderam. Dessa forma, foi consolidada a derrota do grupo do Eixo e a vitória dos Aliados.

THIAGO ROCHA
REPÓRTER

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