Ceará estuda criar "sistema de pontos" para internar jovens infratores

A adoção desse método, no qual os atos infracionais recebem pontuações que variam conforme a gravidade, busca estabelecer critérios objetivos para definir quem será internado. A medida é estudada para desafogar as unidades

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: Conforme o modelo, a prioridade de ingresso é dos adolescentes que atinjam maior pontuação
Foto: FOTO: KIKO SILVA

Uma medida excepcional que, há anos, se tornou um grande dilema. A internação de adolescentes que cometeram atos infracionais, embora prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente como uma exceção a ser aplicada em casos extremos com grave ameaça ou violência, na prática ocorre de modo numeroso. Os centros socioeducativos seguem lotados. Diante da necessidade de desafogá-los, para obedecer a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de transferência ou liberação de adolescentes em unidades que estejam 119% acima da capacidade, o Ceará estuda estabelecer um “sistema de pontos” para definir quais jovens infratores serão internados. 

A possibilidade de criação desta pontuação para a definição de prioridade nas internações, segundo o juiz da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, Manuel Clístenes, foi apresentada pela Superintendência do Sistema de Atendimento Socioeducativo do Estado do Ceará (Seas) ao poder judiciário nesta semana.

Conforme a proposta, os atos infracionais devem receber pontuações que variam conforme a gravidade. O adolescente que acumular mais pontos terá prioridade de internação tendo em vista as poucas vagas disponíveis.A estimativa é que, nesta semana, 68 adolescentes que estavam em centro socioeducativos superlotados em Fortaleza foram liberados. Destes, 58 já deixaram as unidades e outros 10 devem sair até segunda-feira (17), conforme o juiz Manuel Clístenes. 

No início da semana, 754 adolescentes estavam nas 10 unidades da Capital. O sistema conta com 687 vagas e, mesmo com a liberação, continua no limite. O juiz explica que a proposta de pontuação, apresentada de forma preliminar pela Seas, deve ser discutida e amadurecida nas próximas semanas. A medida tem caráter emergencial tendo em vista os gargalos do sistema, mas, caso aprovada, deve perdurar, já que os centros seguem lotados, apesar das liberações. 

Se a ideia for acatada, os termos desse método serão estabelecidos em uma portaria pactuada pelos poderes Executivo e Judiciário, de acordo com Clístenes. Os detalhes do procedimento, relata os juiz, ainda estão sendo debatidos. 

Modelo
A ideia tem como parâmetro o modelo proposto no Rio de Janeiro, que também sofre com a superlotação e, nesta semana, foi atingido pela determinação do ministro do STF. No Rio de Janeiro, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Governo Estadual, há dois anos, instituiram a Central de Regulação de Vagas do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). 

O órgão só saiu do papel neste ano e uma das perspectivas é operar com o sistema de pontuação, na qual os crimes mais graves têm peso maior. O ato infracional análogo a homicídio doloso, por exemplo, equivale a 50 pontos. Já para o furto são estabelecidos 10 pontos. A medida é polêmica e tem gerado discussões.

Na avaliação de Clístenes, a medida é positiva tendo em vista a necessidade de adoção de iniciativas práticas que possam alterar a atual situação das unidades.

“É necessário para podermos ter uma coisa mais definida e não ficar tão vago como está. Hoje não temos como controlar isso. Um juiz decreta uma internação conforme o entendimento dele. Isso torna mais objetiva a decisão. Por esse critério, a gente forma uma fila e à medida que forem surgindo as vagas as pessoas que têm a pontuação vão entrando”.

Crítica

Para quem atua no sistema socioeducativo, a proposta é controversa. O secretário-executivo das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude e titular da 76ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, Leo Junqueira Ribeiro, vê o critério de pontos como “uma medida desesperada”. De acordo com ele, ao estabelecer a decisão, o ministro do STF, gerou um efeito nos estados que é de “simplesmente tentar cumprir a decisão”. 

O promotor pondera, ainda, que o estabelecimento de critérios objetivos é bom, mas “cada adolescente que está no sistema tem que ser observado de forma subjetiva”. Por isso, o impacto de estabelecer uma pontuação do tipo pode ser a desconsideração das condições de quem praticou o ato infracional.

O assessor jurídico do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca), Renan Santos, ressalta que não teve conhecimento desta proposta, mas analisando de modo amplo, ele considera que a proposição, ao se basear somente em critérios objetivos e matemáticos, corre o risco de ignorar o direito daqueles que cometem algum ato infracional de serem responsabilizados a partir de uma análise ampla, que não se restrinja somente à gravidade da ação praticada. O advogado destaca ainda que a decisão do STF “vem em um momento oportuno”. 

Para ele, a alteração do problema estrutural de superlotação passa também pela “sensibilização do Poder Judiciário para entender que a internação não deveria ser a regra e que outras medidas conseguiriam atender”. 

A defensora pública da 5ª Defensoria Pública da Infância e da Juventude do Ceará, Érica Albuquerque, relatou que a questão do estabelecimento de pontos foi mencionada em uma audiência, mas que não houve ainda uma reunião formal com a Defensoria Pública. “Nós conversamos com um defensor do Rio de Janeiro, mas lá não foi implementada ainda. A gente não sabe de fato quais são os critérios. O que está sendo feito aqui é uma avaliação de todos os processos dos adolescentes”, informa. 

A defensora também reforça o argumento de que os juízes precisam estar mais atentos aos critérios para determinação de internações, já que ainda há casos de menor gravidade cuja medida aplicada é a privação da liberdade. 

O Diário do Nordeste solicitou à Seas informações sobre a proposta de criação do método de pontuação para internação nos centros socioeducativos, no entanto, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. 

Em nota, enviada no início da semana, a Seas destacou que “precisará ser criada uma nova rotina de fluxos de prioridade para internação. Os casos mais graves deverão ter prioridade para ingresso nos centros e aqueles menos graves que estão a mais tempo nas unidades, deverão sair. Todo esses critérios estão sendo elaborados e será publicada uma resolução explicando todas as normativas”. 
 

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