Ceará e Fortaleza sem verbas

Escrito por Redação ,
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Estado e Município estão deslocando recursos próprios para manter ações de combate à dengue

A última epidemia de dengue no Ceará aconteceu em 2006, com 25.569 casos, e, este ano, antes de encerrar o mês de maio o Estado já contabiliza 19.375 casos da doença. Levando em consideração que os gestores de saúde anunciam o pico de confirmações para depois das chuvas, a quarta epidemia de dengue no Ceará bate à porta, enquanto Fortaleza já se enquadra nesse quadro, com quase doze mil casos.

Em preparação para essa possibilidade, os governos potencializam ações como numa operação de guerra, mas trabalham sem recursos adicionais específicos, o que pode significar perigo à vista. Desde o período em que os casos de dengue começaram a aumentar, em março, o Ceará não recebeu reforço em verbas federais para intensificar as ações.

Tanto a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) como a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) não polemizam a falta de recursos para enfrentar a doença, que só vem se agravando, mas também não escondem a situação de alerta que a dengue impôs na saúde pública do Estado. “Se a dengue for controlada em Fortaleza, o resto do Ceará estará sob controle. Com a paralisação das chuvas, vai haver uma explosão de mosquitos. Estamos nos preparando e vamos reverter o processo, evitando que uma epidemia como a do Rio de Janeiro se instale”, diz o coordenador de Políticas Públicas da Sesa, Manoel Fonseca.

O teto financeiro de R$ 400 mil para manter todas as endemias, além de um acréscimo extra de R$ 200 mil dos cofres do Estado este mês, totalizando R$ 600 mil de recursos, conforme Manoel Fonseca, não é suficiente para arcar com as despesas. “Todos os recursos das endemias estão concentrados na dengue”, disse ele, explicando que cada município tem orçamento específico.

Conforme Fonseca, até o momento não há previsão de recursos extras para o Ceará e para a Capital e destaca que a Prefeitura de Fortaleza vem gastando mais do que recebe para manter algumas atividades. “Só com os agentes de endemias a Prefeitura gasta mais do que recebe fundo a fundo. O importante é que os municípios estão gastando mais, sim, mas conseguindo evitar a morte pela dengue”, ressalta.

Sem caixa extra e vivendo uma crise sem precedentes no que diz respeito à dengue, pelo aumento da gravidade dos casos, a saída encontrada para driblar a situação, conforme o secretário Municipal da Saúde, Odorico Monteiro, foi potencializar as ações. Para conseguir sustentar a intensificação das atividades, a superlotação dos hospitais e postos de saúde e o aumento dos gastos com insumos e estrutura, como o consumo de soro para reidratação, o Município ampliou em R$ 1,36 milhão os recursos por mês para os hospitais da rede.

A falta de recursos para a dengue, conforme o secretário, tem raiz na estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ser um defensor da descentralização trazida pelo sistema, considera que a separação das endemias precisa sofrer reajustes e revisão das competências do governo Federal, estados e municípios. “Os ajustes são necessários para recuperar capacidade técnica, redefinir a descentralização e as formas de financiamento do controle das endemias”.

Os recursos da área, explica Odorico, são definidos por per capta, de acordo com a população, e não agrega as complexidades urbanas. “No financiamento das endemias pelo SUS, prevalece o per capta e não o perfil epidemiológico de cada município. A abordagem urbana é complexa e não é levada em consideração. Não se trata de negação da descentralização, mas de correção de rumos do sistema”, disse.

Historicamente, conforme ele, no Brasil, dentro da antiga Sucam, instituiu-se um corpo técnico altamente especializado no controle de endemias e, depois, quando os municípios assumiram essa competência, foi se diluindo, uma vez que não foi criada nenhuma estrutura que realizasse a formação desses profissionais. “A maior parte dos municípios não tem tradição no controle de endemias e estão diante de uma nova força de trabalho”.

PRIORIDADE MUNICIPAL
Desafio é vedar 210 mil caixas-d´água

Numa cidade onde as pessoas que moram em determinadas áreas não têm acesso a água de forma uniforme e constante, além da subjetividade do semi-árido no imaginário popular, a vedação de caixas-d´água transformou-se num problema de saúde pública na luta contra a dengue. “Vedar 210 mil caixas-d´água é o meu maior desafio no momento, como secretário de Saúde de Fortaleza”, frisa titular da pasta, Odorico Monteiro.

Conforme ele, existem 378 mil caixas-d´água em Fortaleza, além de 47 mil cacimbas e 20 mil cisternas que são o paraíso do mosquito Aedes aegypti. Do total de caixas-d´água, cerca de 210 mil estão fechadas, mas não vedadas com telas. Odorico alerta a população quanto ao risco de manter reservatórios sem vedação com tela. “Esses reservatórios são os maiores criadouros do mosquito. E vamos pedir o apoio da classe empresarial para fazer isso”, adianta o secretário.

Meio ambiente

Para o secretário, o avanço da dengue também está inserido numa dimensão ecológica. “A dengue é uma doença velha, mas nova do ponto de vista ecológico, devido ao processo de urbanização que construiu nichos ecológicos especiais à reprodução do mosquito”, explica.

A questão do abastecimento de água e da subjetividade do semi-árido também é muito marcante nesse processo, conforme ele. “A população de Fortaleza tem a alma do semi-árido, tem a necessidade de acumular água. Existem casas que têm uma média de cinco potes com água. Então, trata-se de uma questão muito complexa, sem contar com o clima, quente e úmido, que são condições que fogem ao controle do homem”.

Reserva técnica

A presença de caixas-d´água no País funciona como uma reserva técnica, diz o presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Ceará (Crea-CE), José Maria Freire.

“Os países desenvolvidos já aboliram as caixas-d´água. Embora tenhamos um sistema de abastecimento confiável, dificilmente haverá uma edificação que não tenha uma caixa d´água como reserva técnica, para serem usadas em caso de escassez de água”, explica.

CUSTO EXTRA
MS pode ressarcir a Capital em R$ 60 mi

Um aporte de R$ 60 milhões por ano - o que representa R$ 5 milhões a mais por mês - poderá melhorar o custeio da saúde em Fortaleza. Isso porque a Comissão Intergestores Bipartite do Ceará (CIB), que é um colegiado de representação das instâncias dos governos estadual e municipais, deliberou, através da Resolução Nº 82/2008, que Fortaleza solicite ao Ministério da Saúde (MS) o ressarcimento de R$ 60 milhões anuais referente à aplicação de recursos próprios para atendimento a pessoas residentes em outros municípios, na assistência de média e alta complexidade, nos hospitais da rede.

Na prática, o Estado e os municípios reconhecem, através da Resolução, que Fortaleza fica com a conta de saúde de municípios do Interior por atender seus pacientes. “O Ministério da Saúde tem que compensar o Município pelo transbordamento financeiro interfederativo. A população da Capital banca os hospitais e parte desses recursos está comprometido pelo atendimento da população de outros municípios. Com isso, acaba faltando recursos para a assistência básica”, explica o secretário Municipal da Saúde, Odorico Monteiro.

Conforme ele, o documento foi entregue ao ministro da Saúde, que foi receptivo à demanda, mas ainda não há definição sobre o repasse. “Precisamos construir urgentemente 25 postos de saúde porque a estrutura que temos hoje é insuficiente. Além disso, queremos implantar seis Unidades de Pronto Atendimento 24 horas para dar assistência àquelas pessoas que não precisariam ir aos hospitais”, disse.

Conforme o texto da CIB, 50% dos pacientes atendidos no Instituto Dr. José Frota (IJF) residem em outros municípios, e também 30% das internações do Frotinha de Parangaba, 15% no Hospital Nossa Senhora da Conceição, 11% do Frotinha de Antonio Bezerra e 9% do Frotinha de Messejana.

FIQUE POR DENTRO
Descentralização prejudicou controle

Enraizada na história do Brasil, a dengue acompanha a população do País desde o início do século passado. Quem travou o primeiro combate frontal com o Aedes aegypti, depois de conseguir zerar a morte por febre amarela, foi o médico Oswaldo Cruz. Graças ao seu legado e do também médico Emílio Ribas, pelo trabalho em campo realizado em 1958, a Organização Pan-Americana de Saúde acreditava que o mosquito teria sido erradicado no Brasil, mas ele reapareceu em 1967, no Pará, e voltou em 1977 ao Rio.

O controle das endemias passou por muitos órgãos, que foram extintos ou redimencionados - o que contribuiu para o enfraquecimento da força de trabalho e conhecimento do mosquito, que nesse período só se fortaleceu e se adaptou ao ambiente urbano.

A primeira epidemia de dengue no Brasil aconteceu em 1986 e 1987. Nessa época, a Superintendência de Campanhas de Saúde (Sucam) e seus técnicos atuavam na eliminação dos focos. Em 1990, a Sucam foi extinta e o controle da doença passou a ser feito pela Fundação Nacional de Saúde, que depois se transformaria em Funasa. Houve a municipalização da saúde e a conseqüente descentralização. Com isso, hoje os recursos passaram a ser enviados diretamente para as prefeituras.

Naiana Rodrigues/Paola Vasconcelos
Repórteres

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