Cartas celebram 293 anos de Fortaleza

Palavras de afeto enviadas de vários lugares do mundo chegaram em forma de declaração à Capital, iniciando hoje o especial “Luz de Fortaleza”, que segue até 13 de abril

Escrito por Dahiana Araújo , dahiana.araujo@verdesmares.com.br
Legenda: Frases e declarações a Fortaleza foram escritas em cartas que relembram momentos vividos em diversos pontos da cidade

Se é verdade o que diz o poeta: nosso lar é onde está nosso coração, Fortaleza é morada de muito mais que os 2,6 milhões de habitantes estimados, em 2018, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cidade, um centro urbano de lamentos e alívios, celebra no dia 13 de abril, seu aniversário de 293 anos, com uma história entrelaçada a memórias de tantos de perto e muitos de longe.

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Ao longo desse tempo, a Capital se faz e se refaz com a vida das pessoas e com as marcas aqui deixadas, de saudades, conquistas e afetos. Por isso, celebrar Fortaleza é tarefa diária. Reconhecer e resistir junto à cidade também se traduz em verdadeiras narrativas de presente de pessoas como Fábio Gouveia, 31 anos. 

O microempresário nasceu no município de Mombaça, interior do Ceará, e morou 10 anos na capital cearense, onde viveu algumas das mais intensas histórias da sua vida.

“Quando eu saí do sertão central e quente, você (Fortaleza) me prometeu brisa, futuro, universo. E você cumpriu cada uma das suas promessas. Eu lutei. Sofri. Chorei. E sorri”.

Assim como o Fábio, outros dez “filhos de Fortaleza”, espalhados pelo mundo, contam em cartas enviadas à reportagem do Sistema Verdes Mares suas relações com o espaço territorial da cidade, por meio de lembranças e histórias de afeto. São pessoas que cruzaram algumas estradas, sertões e mares, mas mantêm aceso em si um brilho quando escrevem sobre a Capital.

Outros lados

“Eu sinto falta de como você me mostrou o outro lado de tudo. De todos (...) [...] Eu me ergui diante da dor da pobreza extrema. Porque você me mostrou como a beleza existe em abundância. No rosto dos amigos, na roda de cerveja barata, nos bares do Benfica, nos pratinhos da Gentilândia (...)”, declara-se Fábio, ao lembrar o tempo de faculdade em Fortaleza. Hoje, pai da Malu, de 4 anos, ele se confessa, de longe, à metrópole: “Só fui embora porque é do seu feitio esse olhar para além das ondas”. 

Muito além desse mar, que inspira quase todos os 11 autores das dez cartas, está o casal Fabiano Sakamoto, 37, e Vivian Sakamoto, 36. Ela saiu de São Paulo e fez morada em Fortaleza por nove anos. Ele deixou Porto Alegre ainda na adolescência. Aqui, os dois operários se conheceram, se casaram e decidiram ir embora para Ogaki, no Japão, onde estão há 13 anos. Lá, sentaram-se e escreveram juntos a carta.

Confira imagens da Cidade de Fortaleza:

Na escrita compartilhada, relembram a última vez que estiveram em Fortaleza, há um ano, quando trouxeram o filho, de 4 anos, para conhecer a cidade.

“Tivemos a honra de te apresentar ao herdeiro da nossa história, uma história de amor que se iniciou dentro de ti. Cidade de sol e luz, com calor intenso que aquece os corações dos que em ti se encontram”. Nos trechos da carta, Fabiano e Vivian resgatam a memória do casal e admitem: “um pedaço de nós ficou contigo [...] foste luz pra nossa união, pras nossas vidas”. 

Assim como Fabiano e Vivian, mais de 153 mil pessoas de outros lugares do Brasil e do mundo fizeram morada em Fortaleza, conforme o Censo 2010 do IBGE.

É gente nascida em outras cidades e países que ancoraram corpo e alma na Capital, por tempos e motivos diversos. “Você sabe que parte do meu coração sempre será reservado pra ti. Nenhuma das outras que já ocuparam meu coração me brindaram tua luz”, escreve o analista de contratos Samuel Giaretta, 31 anos. 

Por aqui, ficou dois anos, o suficiente para levar marcas. Natural de Getúlio Vargas (RS) e morando, hoje, em Londres, ele lembra que residir em Fortaleza não é só viver de flores.

“Sei que às vezes sofres com os problemas, com suas contradições, você sabe que nossa relação não era só flores, mas saibas também que tantos outros amores que eu já tive [...] não tinham tua alma, tua alegria, teu encanto, teu brilho, enfim, tua luz”. 

E se escrever sobre e para a terra natal “é também revisitar nossa própria memória” – como explica Isabela Bosi, mestra em Memória Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) –, a jornalista e assistente social Roberta Sjöholm, 35, revisitou grande parte do que viveu aqui antes de partir para Borlänge, na Suécia, há 10 anos.

Sua carta é a expressão fiel de quem sente uma falta enorme de toda luz que há em Fortaleza, desde a claridade do sol às luzes simbólicas de pessoas. Ao escrever, Roberta disse sentir saudade dos banhos de mar e do cheiro de pipoca. 

Ela aguarda ansiosa pela primavera que está para chegar onde mora hoje, com o marido Markus [...] e as duas filhas, Letícia, 6, e Mel, 2. “O último outono foi muito longo e tivemos dias com somente 3 horas de claridade. São nesse dias escuros, chuvosos que mais sinto falta da sua luz. Luz que enche meus olhos de lágrimas ao relembrar o nascer e o pôr do sol”.

Além dos bairros no entorno do mar, quem aceitou a ideia de escrever cartas rememorou histórias do Centro e do Benfica, espaços considerados marcantes para gente como a assistente social Jussara Bernardo, que nasceu aqui, mas hoje vive no Recife.

Não esqueceria os fins de tarde que a Praia de Iracema me proporcionou. Aquela luz no horizonte que nos abraça quando precisamos de colo. Das noites tomando cerveja com as amigas pelo Benfica”.

Jussara se debruça em histórias quando se dá conta de algo. “Certo dia voltando para Recife percebi que vivo na saudade”, diz, e revela ouvir Belchior quando a saudade chega.

E a saudade chega também para a arquiteta Larissa Viana, 35, que nasceu no Cedro, hoje mora em São Paulo, mas viveu 6 anos aqui. E a saída é visitar a cidade, por meio do Google, como fez quando passou por prédios como a Catedral, no Centro. “Uma pena que nesse passeio não deu pra visitar outros lugares tão amados e lembrados e não deu pra ver sua luz do fim do dia. Era sempre esse momento que você se tornava mais luz pra mim, essa luz tão própria, de capital que é mulher e única”. 

Essas idas e vindas “a sua Fortaleza” também fazem parte da rotina da servidora pública Luciana Linard, 40. Ela nasceu em Juazeiro do Norte e hoje mora em São Luiz (MA), mas daqui diz ter grandes saudades, pois “foi em Fortaleza que aprendi a dirigir, passei no vestibular, tirei carteira de trabalho, perdi minha mãe, tive o primeiro filho, o primeiro emprego, construí amizades verdadeiras (...). Foi aí também onde aconteceram minhas piores derrotas, que me transformaram em quem eu sou hoje”, diz em carta. Luciana transmite aos filhos também vivências. “Parte da memória afetiva dos meus filhos também está sendo construída em Fortaleza”.

Marcas 
As visitas a Fortaleza enchem corações de gente como Melizza Machado, 43. A advogada nasceu aqui, mas cruzou grandes mares até chegar a Nova Zelândia, onde mora há 15 anos. Quando se encontra com as palavras para expressar o que sente, Melizza lembra-se da infância “com gosto de família e regada aos sons dos pássaros cantando!”.

O sol é tema de algumas linhas da carta. “O Sol brilhante nos lembrando quanto somos iluminados de termos sido escolhidos para fazermos parte dessa Luz! Cidade iluminada que guarda em seu seio nossas raízes! Orgulho de ser parte da terra de Iracema!” 

E a prova de que as cidades se misturam dentro das pessoas são as linhas de Camille Machado, 44. A socióloga mescla frases que unem o português e o espanhol, ao escrever sobre sonhos, lembranças, infância e perfume do mar. E fica impossível não imaginar a emoção de Camille quando ela também se declara: “Fortaleza querida, quando me fui... A vida muda e não ‘piensas’. Acordas um bom dia olhando para trás, para os caminhos que marcaram os teus pés...”.

Declarações foram enviadas por quem passou aqui só de visita, como Vitor Carvalho, 16. O estudante, de Natal, faz um verdadeiro tour por meio das palavras, ao citar o bairro Mucuripe, “o mais inesquecível, pois é sempre iluminado”. Ele confessa a vontade de fazer morada aqui. “Fortaleza, tu és a luz da minha esperança, de um sonhador, em ficar de vez morando na cidade. De não mais lhe deixar”.

Confira as cartas completas:

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
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