Câncer de próstata tem novo medicamento sem prazo de aprovação

Ainda em estágio experimental, a Darolutamida atua no controle da fase resistente à castração da patologia. O fármaco reduz os níveis de PSA no sangue do paciente e retarda o desenvolvimento de metástases

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@diariodonordeste.com.br

Legenda: O paciente voluntário recebe o medicamento em forma de comprimido para dosagem diária em sua própria casa
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Até o fim do ano, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), 2.730 homens podem ser diagnosticados com câncer de próstata, no Ceará. Embora sejam submetidos ao tratamento inicial, 30% deles correm o risco de evoluir para uma fase mais grave da patologia, chamada de não metastática resistente à castração, sem possibilidade de terapia curativa.

Um novo medicamento, porém, ainda em caráter experimental e com prazo de aprovação indefinido, tem sido utilizado em pacientes oncológicos de Fortaleza para controlar a doença e retardar o surgimento de metástases, quando o tumor se espalha por outras partes do corpo.

A Darolutamida é a mais recente opção terapêutica descoberta após aplicação do estudo Aramis, iniciado nos Estados Unidos, em 2014, com contribuições de 409 centros de pesquisa de outros 39 países.

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voluntários do sexo masculino são avaliados em nível global, cinco deles acompanhados no Instituto do Câncer do Ceará (ICC), único do Estado envolvido na análise da droga e dos efeitos obtidos na condição clínica dos pacientes.

Todos os homens cearenses observados na pesquisa têm histórico clínico semelhante: passaram por cirurgia ou radioterapia, mas a doença voltou a se manifestar de forma mais acentuada com a elevação dos níveis do Antígeno Prostático Específico (PSA, na sigla em inglês), uma enzima produzida nas células da próstata que aponta as alterações por meio de exame de sangue. Uma vez constatada a variação, os pacientes iniciam um tratamento para bloquear os níveis de testosterona, sendo medicamentoso ou cirúrgico através da orquiectomia, conhecida como raspagem dos testículos.

"O risco maior é porque quando eles se encontram nessa fase, desenvolvem a metástase em um curto período. O nosso foco é exatamente os de alto risco, principalmente aqueles que têm um PSA acima de 8 ng/ml e que pode duplicar de valor em até 10 meses depois da recidiva. A gente chama de câncer de próstata não metastático resistente à castração, porque não foi detectada nenhuma metástase através dos exames de imagem, mas o PSA continua subindo", explica a oncologista do ICC e investigadora principal do estudo Aramis, Larissa Mont'Alverne.

Resultados

Era esse o quadro de saúde dos cinco pacientes recrutados antes do uso da Darolutamida. A droga chegou a Fortaleza em fevereiro de 2016, dois anos após o início da pesquisa. Para incluí-la no tratamento, o grupo precisou assinar um termo de consentimento e seguir com rigor o protocolo estabelecido: tomar um comprimido via oral por dia e retornar ao consultório a cada 16 semanas com exames de imagem (tomografia de tórax, abdome e pelve), além de cintilografia óssea e exames laboratoriais atualizados.

A instabilidade dos pacientes, contudo, ficou para trás junto com as incertezas e o medo da ligeira progressão da doença. Três anos mais tarde do início do tratamento, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a Darolutamida adia a migração do tumor pelo organismo. É que, com o uso da droga, os homens portadores de câncer de próstata levaram 40 meses para desenvolver metástase, enquanto os que não utilizaram o comprimido alcançaram essa fase da doença em 18 meses, além da redução do PSA em 90% dos casos analisados.

O aposentado Luís Carneiro Filho, de 82 anos, viu sua rotina mudar para melhor uma década depois do diagnóstico do câncer de próstata. Há 21 meses usando o remédio, as dores que sentia deram lugar ao bem-estar.

Graças a Deus, eu estou me sentindo muito bem. Tenho feito todos os exames e têm dado certo. Espero que daqui para frente eu fique cada vez melhor."

Segundo Larissa Mont'Alverne, o medicamento apresenta baixa penetração no sistema nervoso central, o que reduz ou até anula os efeitos colaterais comparado a duas outras drogas aprovadas em 2018. "A Enzalutamida e a Apalutamida começaram a ser usadas no ano passado somente para pacientes de convênio. Os resultados são parecidos, mas a grande diferença é que a Darolutamida ultrapassa bem menos a barreira hematoencefálica, ou seja, diferente dos outros dois remédios, ela causa menos adversidades cognitivas, como alteração de memória, convulsões, fraqueza e quedas", aponta a oncologista, diferenciando o perfil de toxicidade das drogas usadas na etapa em que a patologia está agravada.

Distribuição

O remédio continua em estágio experimental. Conforme o coordenador do Centro de Pesquisa do ICC, Nelson Belarmino, o novo fármaco será encaminhado para o processo de aprovação no Brasil mediante liberação nos Estados Unidos, país de origem da pesquisa. "Aqui, a Anvisa faz a precificação e disponibiliza para venda, mas a gente sabe que tem um caminho de três, quatro, cinco anos até finalizar a pesquisa e conseguir a liberação desse medicamento. Acredito que até lá não tenhamos isso em nível de Anvisa fechado", antecipa.

Embora traga resultados positivos, a Darolutamida deve seguir o mesmo caminho dos remédios descobertos para o tratamento do câncer de próstata resistente à castração: não ser oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas a usuários de plano de saúde via decisão judicial.

"É uma droga de alto custo. Quando aprovada, e ainda não tem previsão, as operadoras são obrigadas a liberar a medicação. O médico prescreve e o paciente recebe. Já os do SUS continuam em tratamento padrão", lamenta a oncologista.

Cinco pacientes do Instituto do Câncer do Ceará (ICC) participam voluntariamente do estudo que avalia as condições clínicas após o uso da Darolutamida, a nova aposta para o tratamento da doença

Os pesquisadores concluíram que o remédio adia para 40 meses a migração do tumor pelo organismo do paciente

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