Caminho da fé

Escrito por Susy Costa , susy.costa@verdesmares.com.br
Legenda: No Sertão do Ceará, Canindé é uma terra de fé para onde convergem esperanças e gratidão

Pra chegar a Canindé tem que desbravar o Sertão. De Fortaleza, são 110 quilômetros para fazer o caminho que é seguido a pé, moto, bicicleta. Destino de milhares de romeiros que querem celebrar São Francisco das Chagas em tempo de festa. São 10 dias de rituais. Festejos que começaram dia 24 e terminam dia 4, próxima sexta-feira. Uma união de missas, novenas, procissões, para celebrar o santo de muitas virtudes e desapegos.

As festas religiosas sempre me atraíram, seja pela atmosfera alegre e de esperança que atraíam ou pelas comidas e produtos oferecidos no entorno por pessoas que veem nessas festas a oportunidade de aumentar a renda. Mas só aqui no Nordeste desenvolvi disposição para as romarias religiosas. Me encanta seguir as trilhas de peregrinos, caminhantes, romeiros...Homens e mulheres de fé que enfrentam quilômetros de chão, de quentura, de pouco conforto para venerar seu santo de estimação. Romeiro de São Francisco é aquele que não marca compromisso em outubro porque tem que ir a Canindé pagar uma promessa, seja para ele ou outra pessoa. Quem pede, alcança e tem que pagar.

Na primeira vez que fui a Canindé, menos de um mês, achei pequeno o Santuário que leva o título de segundo maior do mundo, perdendo apenas para Assis, na Itália. É uma pequena igreja, com um belo altar e pinturas e uma grande área na frente e nos fundos. Espaço para missas campais e abrigo de gruta que guarda imagem de Nossa Senhora. A pequena construção não comporta mais os milhares de devotos de São Francisco, patrono da Itália e da Ecologia, tão mitigada nos dias atuais.

Mas há um lugar que nos toma pela emoção. É a casa dos Milagres, onde entrei pela primeira vez. Decorada com ex-votos, objetos de madeira que simbolizam a parte do corpo que alcançou a graça da cura. São muitas esculturas de pernas, braços, pés, cabeças, úteros. As peças ficam penduradas como num museu ou empilhadas em caixas deixadas na porta. A cada peça, uma memória, uma narrativa. Tem o vestido de noiva para agradecer o marido arranjado, uma boneca que mostra que chegou o filho tão esperado, casa e carros em miniaturas e fotos, muitas fotos.

Um mural é todo dedicado aos animais de estimação, afinal não esqueçamos que São Francisco também é protetor deles. Em outro painel estão fotos de corpos machucados, aqueles pelos quais a reza pediu alívio para o sofrimento.

É comovente encontrar pessoas e crianças com vestes franciscanas. As túnicas em marrom, de pano grosso, sacrificam ainda mais diante do calor do sertão, símbolo de penitência e pagamento de promessa. É muito interessante o espaço de oferta de cabelo. Eles são retirados e deixados numa urna. No dia que estive lá, vi uma senhora cortar longas mechas de cabelo que ia quase até a cintura. É lindo ver o sacrifício da fé desprovida de vaidade.

Entre tantas histórias, a de uma garotinha perdida na mata amazônica é um dos milhares casos relatados como milagre de São Francisco. Nos anos de 1926, ao ver a imagem do santo, ela disse: "Mamãe, foi esse padre quem me ensinou a achar o caminho de casa". Que possamos nos lembrar disso sempre que nos acharmos perdidos em algum momento de nossa vida.

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