Botão Nina: apenas 8% dos assédios em transportes chegam à Polícia

Das 930 notificações feitas no aplicativo desde março, menos de 80 foram oficializadas à Polícia Civil em Fortaleza. A ferramenta auxilia a coleta de vídeos como provas e facilita a identificação e punição dos agressores

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Maioria dos casos de assédio (56%) aconteceu dentro de veículos de transporte público, segundo a Prefeitura de Fortaleza
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Uma viagem de ônibus ou metrô superlotado, com espaço tão apertado que torna difícil até se movimentar, já é desconfortável por si, e para as mulheres, além de incômodo, o cenário é ameaçador. Simplesmente ser mulher carrega riscos reais de perseguição dentro do coletivo, ter a viagem interrompida por uma mão nas partes íntimas (uma das violações mais extremas) ou outros tipos de assédio.

Em Fortaleza, 930 denúncias foram realizadas entre 6 de março e 26 de junho por meio do Botão Nina, ferramenta integrada ao aplicativo Meu Ônibus que facilita os relatos de importunação dentro dos coletivos urbanos, nas paradas e nos terminais de integração. Do total, 56% dos assédios ocorreram nos veículos, 26% em paradas e 16% em algum terminal. Contudo, apenas 77 casos tiveram o cadastro finalizado no app e chegaram ao conhecimento da Polícia Civil do Estado. 

O número de denúncias é alto, corresponde a uma média de mais de oito assédios por dia na Capital, mas ainda reflete uma subnotificação. Isso porque muitas mulheres (no período, nenhum homem sofreu assédio) sequer têm conhecimento da ferramenta nem suporte para prosseguir com a queixa. Foi o caso da pedagoga Ariane Rodrigues, 23, importunada sexualmente no dia 9 deste mês, dentro de um veículo da linha 072 - Antônio Bezerra/Parangaba.

“O ônibus estava superlotado, e no aperto você não consegue diferenciar o que está encostando em você. Perto de descer no terminal do Antônio Bezerra, pensei que era uma bolsa de alguém, mas quando vi era a mão de um senhor passando entre as minhas pernas. Quando olhei pra trás, assustada, ele tava pegando nas minhas partes íntimas. Ainda consegui perguntar se ele ia continuar e ameacei gritar. Depois disso, não tive reação”, relata Ariane, com a voz ainda embargada.

Denúncia

Ao desembarcarem do coletivo, vítima e agressor foram em sentidos opostos: ele à fuga, correndo; ela ao socorro, chorando. “Eu queria ter reagido, mas fiquei paralisada pelo medo. Às vezes, sinto que as mulheres ficam muito acanhadas e se sentem impotentes diante dessas situações. Procurei um posto da Polícia no terminal, uma policial me atendeu e disse que só poderia me ajudar se eu fosse pra Delegacia da Mulher. Mas no fim da tarde eu tinha um casamento pra ir, era madrinha, não tinha tempo. Enquanto a policial fazia perguntas, ele fugiu”, relata a pedagoga.

Uma das principais propostas do Botão Nina é facilitar a coleta de vídeos do circuito interno de câmeras dos ônibus, a fim de identificar o agressor.

Para isso, a arquiteta e planejadora urbana da Prefeitura de Fortaleza, Mariana Gomes, alerta que concluir o cadastro na plataforma é indispensável. “É uma forma tanto de conseguirmos todas as informações sobre a violência como de evitarmos trotes, fraudes e denúncias incorretas. A intenção é proteger quem precisa de proteção”, salienta.

Apesar de considerar os números positivos, no sentido de que são “um reflexo de que está aberto um canal para as mulheres poderem denunciar”, Mariana reforça a necessidade de divulgação. “Sairemos com uma segunda rodada de campanha com vídeos explicando sobre o aplicativo, para tentar ampliar a cobertura. Também estamos melhorando a interlocução com as delegacias especializadas, para melhorar a continuidade dos processos”.

Punição

Segundo a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), os dados da ligação do Nina com a Polícia Civil “estão sendo avaliados para estudo dos problemas e planejamento de ações de combate e prevenção”. A titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, Danielle Mendonça, porém, confirma que vídeos dos coletivos já foram utilizados em inquéritos policiais para elucidação de crimes sexuais e salienta a importância de dar prosseguimento às queixas.

“Quando a denúncia não é efetivada na Delegacia, a identificação e responsabilização criminal por inquérito policial não vai acontecer. Divulgar também tem efeito pedagógico: se o agressor importunou uma mulher dentro do ônibus e a lei funcionou, outros evitarão essa conduta”, pontua a delegada. Segundo ela, a quantidade de denúncias de casos de assédio tem crescido. “Quando as mulheres percebem que há mais ferramentas e que a legislação está ali para protegê-las, elas denunciam com mais segurança. E o Nina tem essa perspectiva: mostrar que deve haver responsabilização sobre essa demanda”.

Atualmente, conforme a SCSP, o Botão Nina tem 144 usuários, entre homens e mulheres – mas 66% das denúncias são feitas por elas. Dos 930 casos informados, 54% foram relatados por quem sofreu o assédio, todas mulheres, e 52% por quem presenciou as agressões. De acordo com a Pasta, as queixas ocorreram, principalmente, entre 12h e 21h, com pico às 20h.

Ações

A planejadora urbana da Prefeitura adianta que estão sendo estudadas “oportunidades de usar o Nina em outros ambientes além do transporte público”, mas não deu detalhes.

Outra ação do Programa de Combate ao Assédio Sexual no Transporte Público é a melhoria da iluminação de pontos de parada considerados perigosos pelas fortalezenses. “Consultamos lideranças e já identificamos 40% dos 200 pontos que queremos mapear. Em agosto, mais ou menos, vamos divulgar um mapa colaborativo para que o público ajude nesse levantamento. Com o Nina, a gente tenta melhorar a segurança da mulher dentro do ônibus, mas temos de olhar também para fora”, avalia Mariana.

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