Bibliotecas comunitárias e sebos transformam pessoas e espaços

A busca por conhecimento como ferramenta para modificar a sociedade

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

Educação. A palavra, tão forte, nunca foi tão chave como na conjuntura atual. Em par com a leitura, forma uma dupla praticamente infalível na busca por informação - outro vocábulo transformador. Hoje, 29 de outubro, é celebrado o Dia Nacional do Livro, data que é apenas uma convenção para quem constrói diariamente, em Fortaleza, espaços de incentivo à busca pelo conhecimento - e acredita nos livros como únicas armas possíveis para um real desenvolvimento social.

Foi ancorada nessa crença que a sala de estar da casa do produtor cultural Talles Azigon, 29, tornou-se um espaço comunitário: a Biblioteca Livro Livre Curió. Em uma das mais pobres e negligenciadas áreas periféricas da Capital, marcada de vermelho na história da cidade como cenário de uma das maiores chacinas já vistas no Ceará, o acervo de aproximadamente mil títulos abriga nas entrelinhas, além de histórias, esperança.

"Quando eu era criança, brincava, colocava livros na estante e fingia que era biblioteca. Em março agora, no dia do meu aniversário, em vez de pedir presentes pra mim, pedi livros para montar esse espaço de compartilhamento", declara Talles. O acervo, que conta com livros, CDs, jornais, jogos e outras mídias, é composto pelo arquivo pessoal do produtor e por doações do projeto Livro Livre e de voluntários. Para usufruir, é só chegar: sem cadastro nem prazo para terminar o empréstimo.

Empoderamento

"Texto não é só palavra, e é por isso que nosso acervo é variado. Começamos recebendo umas 300 visitas por mês, hoje são cerca de 950, a maioria de crianças, adolescentes e jovens da comunidade", contabiliza, informando com orgulho que "a biblioteca se tornou um pólo de irradiação, já que leva atividades a escolas, abriu um espaço de livros na Floresta do Curió e alimenta uma geladeirateca em uma escola municipal da região", tudo por mobilização da comunidade. O único recurso financeiro, salienta Talles, foi ganho em um edital lançado por uma empresa privada.

Dedicar tempo e esforços a um equipamento comunitário de fomento à leitura é, para o produtor, lutar não só pelo acesso à informação e bens culturais, mas pelo empoderamento coletivo. "Pessoas da periferia são descrentes do poder público, de si próprias e de que vá acontecer algo bom na vida delas. E quando conseguimos construir uma biblioteca com o apoio da própria comunidade, ela percebe que é outra coisa, e não só a que está entre os 20 menores IDHs e três menores índices de longevidade da Cidade", pontua.

Se Talles convive entre as obras literárias há cerca de sete meses, a livreira Simone de Oliveira já dedica, pelo menos, 17 dos 52 anos de vida a incentivar a leitura gratuita ou a baixo custo na Capital. Dona de um sebo de livros herdado do tio, a "sebeira", como se autodenomina, já moveu o acervo tão vasto quanto incontável do Centro ao Parque Araxá, transportando amigos e histórias pelos caminhos. Hoje, ela anuncia as obras pela Internet e percorre a cidade para entregá-las aos donos, por valores que variam de R$ 5 até R$ 200.

Transformação

"Aqui é uma relação e um espaço muito além do comércio. Nosso público é de escritores, professores, universitários, poetas, que vêm pra cá pra fazer pesquisas ou só pra conversar, mesmo. Sobre tudo! Tem alunos que começaram a frequentar aqui no segundo grau, já se formaram e continuam vindo. É a minha paixão", declara.

Nas prateleiras, enfileiram-se inúmeros títulos de gêneros, assuntos, épocas e autores diversos: de José de Alencar a Jane Austen, de Paulo Coelho a J.K. Rowling - sem falar nas raridades, cujas páginas, de tão amareladas, se desfazem quando são folheadas.

"O livro não vai mudar o mundo, mas muda as pessoas. Se a gente ensinar o que é leitura e o poder dela a todo mundo desde criança, isso tem um impacto grande", avalia uma orgulhosa Simone, cujos filhos "são viciados em leitura". Uma herança herdada da mãe.

Enquanto o mais novo, de 5 anos, senta no chão do sebo com a mãe para ver os mapas dos atlas geográficos e ler as histórias em quadrinhos, o mais velho, de 28, não se contenta com a biblioteca própria que já montou e, sempre que pode, espalha títulos pela cidade, para quem quiser pegar.

"Tem uma coisa nova que nós vamos fazer. Vamos escolher algumas literaturas e soltar nos ônibus de Fortaleza com um papel dentro, escrito: um livro é melhor do que uma arma".

Biblioteca Comunitária Livro Livre

O espaço fica aberto ao público na Rua George Sosa, 109, no bairro Curió. Entidades ou pessoas que desejem fazer doações de obras ao equipamento ou oferecer parcerias em atividades e projetos sociais para educação podem entrar em contato por meio da página: https://www.facebook.com/livrolivrecurio/.

Sebo Cantinho do Livro

Para consultar obras disponíveis no acervo, o usuário pode ir até o sebo (Avenida José Jatahy, 1674, bairro Parque Araxá), entrar em contato pelo telefone (85) 3021-4334 ou por facebook.Com/sebocantinhodolivro. O valor das obras varia de R$ 5 a R$ 200.

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