Bairros sem esgotamento são suscetíveis a dengue e chikungunya

Mosquito transmissor das doenças é capaz de se adaptar às condições urbanas e se reproduzir em água com altos níveis de poluição. Fortaleza, com 38% do território ainda sem cobertura de esgoto, é um prato cheio

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

Numa Fortaleza com 62% de cobertura de esgotamento sanitário, segundo a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), resta aos outros 38%, principalmente as comunidades economicamente vulneráveis, o lado mais difícil da carência da infraestrutura de saneamento. Entre os problemas, estão insalubridade e exposição permanente à contaminação por vetores de doenças - incluindo o mosquito Aedes aegypti, carrasco que transmitiu a dengue e a chikungunya para mais de 75 mil, em 2017, na Capital.

A situação é reconhecida pela própria Cidade, cujo Plano Plurianual 2018-2021 descreve que "setores periféricos" nas Regionais V e VI são estigmatizados por vulnerabilidades socioeconômicas e sofrem com a incidência de doenças típicas da falta de saneamento básico - cuja formação engloba abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem de águas pluviais.

A Regional V ainda é apontada pelo coordenador de Vigilância à Saúde de Fortaleza, Nélio Morais, como a mais comprometida nesse setor, não só pela falta de saneamento, mas também pelo baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A área foi a mais penalizada pela transmissão das arboviroses, em 2017, com 18.985 casos confirmados, ou 25% de toda a metrópole. Neste ano, apesar da redução drástica de casos, ela se mantém no topo da lista, com 319 ocorrências.

Numa ronda por parte dos bairros da região, não é difícil encontrar os porquês. Em ruas do Planalto Ayrton Senna, onde menos de 10% das residências estão conectadas à rede de esgoto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a água corre livre às margens das vias, arrastando areia, lixo e, segundo moradores, até urina e fezes. A matéria orgânica em decomposição causa um mau cheiro constante - "a gente se acostuma", resigna-se uma mulher.

O problema é que, concomitante às muriçocas, também pode haver a presença do Aedes aegypti. "Esse mosquito é de uma competência enorme. A preferência dele é por água limpa e parada, sombreada, mas, havendo uma necessidade, podemos ver o desenvolvimento do ciclo reprodutivo também em águas usadas", informa Nélio Morais.

Obstruções

O sistema de esgoto, denuncia Francisco Nascimento, morador do Conjunto Palmeiras, é improvisado pela vizinhança. Os encanamentos desembocam nas calçadas, vomitando água, detergente e alimentos jogados nas pias. "Como é uma área de ocupação e já faz 28 anos, nunca houve esse tratamento de saneamento. Temos vários pontos de esgoto a céu aberto", lamenta Davi Favela, educador da Central Única das Favelas (Cufa).

A Cagece explica que o descarte inadequado de resíduos sólidos, areia, gordura e águas pluviais na rede de esgotamento compromete o funcionamento da mesma. O mau uso do sistema pode provocar obstruções e extravasamentos e comprometer o funcionamento da rede de uma rua inteira. Por outro lado, a interligação correta à rede de esgoto ajuda na preservação de mananciais, além de diminuir a propagação de doenças de veiculação hídrica.

O Plano Fortaleza 2040 quer, em 22 anos, "garantir saneamento básico e água potável de fluxo contínuo para 100% da população", mesmo reconhecendo que a universalização do serviço "em curto prazo" é seu maior desafio. A rapidez, contudo, pode melhorar a eficiência das contas públicas: cálculos da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam que, para cada R$ 1 investido em saneamento, economizam-se R$ 4 em saúde.

Inverno

Enquanto isso não ocorre e nem a lodacenta rua de Francisco Nascimento ganha drenagem, o ideal mesmo é a prevenção. O coordenador Nélio Morais recomenda o engajamento da população na Operação Inverno 2019, que se estende até dezembro, como forma de preparação para a quadra chuvosa do próximo ano. A iniciativa envolve limpeza de pontos de lixo e canais, visitas de agentes de saúde e endemias e ações educativas na rede municipal de ensino.

A operação "de guerra" tem uma razão. "Tivemos uma circulação muito intensa do sorotipo 1 da dengue, nos últimos cinco anos, e ele praticamente se exauriu. O que se espera agora, ou não se espera, é a entrada de um novo sorotipo, 2, 3 ou 4, que pode ter um risco de transmissibilidade mais intensa. No caso da chikungunya, não temos muitas ferramentas para falar porque é uma enfermidade nova, então ainda estamos vendo qual será o comportamento dela".

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