Ausência de profissionais de saúde preocupa indígenas no Ceará

infraestrutura básica e os medicamentos existem, mas a falta de médicos prejudica quem precisa de atendimento e sobrecarrega outros profissionais. Comunidades aguardam respostas sobre reivindicações históricas na saúde

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br
Legenda: Sérgio Rodrigues, que vive na Comunidade Tapeba, em Caucaia, revela as dificuldades diante do número insuficiente de médicos
Foto: FOTOS: HELENE SANTOS

Extrair das folhas e cascas de árvores a cura para enfermidades rotineiras integra os saberes seculares dos povos que hoje celebram o Dia do Índio ainda repletos de demandas em áreas básicas como a saúde: alguns resistem aos remédios da medicina moderna, mas nem tudo está ao alcance da fitoterapia; ou seja, resta aguardar o diagnóstico e o conselho dos “doutores”. 

O problema é que esse serviço, de responsabilidade do Governo Federal, está com o andamento comprometido no Ceará pela ausência de profissionais de saúde em algumas comunidades indígenas.

Às margens do Rio Ceará, em Caucaia, um núcleo do povo tapeba era atendido por um clínico geral às segundas e quartas-feiras. Neste ano, porém, o médico pediu demissão. Agora, a comunidade precisa aguardar a visita semanal – somente às quintas – de outra especialista, que se desloca da área pela qual é originalmente responsável.

Mesmo “privilegiados” em relação a outros núcleos indígenas por contarem com a Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) Vitor Tapeba, alguns membros veem com preocupação a falta prolongada dos profissionais, principalmente nesta época do ano, quando viroses e febres se tornam mais frequentes – e numa comunidade com muitas crianças. “A pessoa só vem uma vez na semana, mas pode ser que ocorra algum imprevisto. Está prejudicando um pouquinho”, opina Sérgio Rodrigues (Serviços Gerais).

De acordo com o advogado Weibe Tapeba, representante do povo que conta com mais de 8 mil pessoas, as dificuldades começaram com a saída dos cubanos do Programa Mais Médicos. O Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), conveniado com o Governo Federal para prestar atendimento, está na fase de contratação de novos profissionais. Para ele, o serviço “avançou em infraestrutura, mas enfrenta problemas na atenção básica”.

“Estão fazendo seleção para enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e agentes indígenas de saneamento. Essa falta causa um desgaste muito grande. Esperamos que, com a contratação, melhore”, declara, ressaltando que há reivindicações históricas para a inclusão de fonoaudiólogos e fisioterapeutas nas equipes, além de coordenação com a medicina tradicional.

Prevenção
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Caucaia informou que a coordenação da área cabe ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), que gerencia cinco equipes de Saúde Indígena no Município. A Pasta dá suporte com alguns insumos. “Temos algumas unidades perto dos territórios indígenas e, quando precisam, eles são atendidos nelas, como as de Capuan, Matões e Tabuleiro”, diz a SMS.

Na visão de Juliana Alves, a cacique Irê, nem todos os povos do Ceará têm a estrutura dos Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz. Lá, existe uma equipe multidisciplinar de saúde com enfermeira (40 horas semanais), técnico de enfermagem, médico três vezes na semana e dentista em duas, assistente de odontologia, agente de saúde e agente indígena de saneamento. Além disso, dispõe de um carro 24 horas para atendimentos de urgência.

“Mas isso não é realidade em todas. Tem comunidade com atendimento só de 15 em 15 dias”, lamenta. “Além disso, a nossa medicina tradicional está esquecida. Não se tem um olhar para ela, não se tem a compreensão de que a presença do pajé, da parteira, do curador é importante dentro do posto de saúde, junto com a equipe multidisciplinar”.

A cacique destaca ainda a necessidade de maior atuação na saúde preventiva, especialmente no tocante à saúde mental dos indígenas. 

“Os distritos não têm cuidado com as doenças mentais e isso é muito preocupante. Nossos jovens estão adoecendo, e cuidar das lideranças também é necessário por causa de problemas de depressão. As lideranças cuidam de todo um povo, mas não temos quem cuide deles”, revela. 

Em nota, o Ministério da Saúde diz que atende a 103 aldeias no Dsei Ceará. Segundo a Pasta, o Imip opera com 292 profissionais de Saúde na região. Em 2018, o Dsei Ceará prestou 275.055 atendimentos aos indígenas, com investimentos de R$ 13,3 milhões. 

Em 2019, o número de atendimentos está em 47.961, “com previsão orçamentária de R$ 13,7 milhões para todo o ano”. Sobre o pagamento a serviços prestados por ONGs aos Dseis, o Ministério afirma “que os recursos destinados às entidades estão em trâmites para liberação”.

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