Alunos da rede pública superam gargalos e entram em universidades

Estudantes de escolas públicas de distintos bairros de Fortaleza compartilham percursos semelhantes. Nos trajetos, marcados pela perseverança, eles enfatizam os recursos e suportes para conseguir vagas no ensino superior

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: No trajeto até a escola, Leonardo Lucas fazia um percurso de 1h30. Ele foi aprovado em Medicina
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

O sonho de ser um dos nomes com bons resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sempre esteve ali acompanhado da vontade de entrar em instituições de ensino superior. Esse desejo, há alguns anos, vem se materializando, de forma mais contínua e ampla para estudantes da rede pública do Ceará. Muitos deles se tornam pioneiros da família nessa conquista. De 2017 para 2018 - dados mais recentes disponibilizado pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc) -, o ingresso de alunos da escola pública no ensino superior no Ceará cresceu 19,6%, saindo de 16.897 estudantes para 20.207.

Moradora do bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza, Iasmim Sucupira, 18 anos, precisava percorrer um trajeto de 1h20 para chegar à Escola Estadual de Educação Profissional Jaime Alencar, no bairro Luciano Carneiro. Foi na sala de aula que a jovem teve mais contato com o audiovisual e sanou algumas de suas dúvidas quanto à possível profissão. "Eu me apaixonei, me identifiquei muito, e decidi mesmo o que queria cursar", afirma.

Legenda: Foi na sala de aula que Iasmin Sucupira teve mais contato com o audiovisual, profissão que escolheu seguir
Foto: FOTO: CAMILA LIMA

No segundo semestre de 2019, a estudante, aprovada no curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Ceará (UFC), teve que conciliar as aulas e os estudos preparatórios para o Enem com o estágio obrigatório do curso de Produção de Áudio e Vídeo, que realizou no Museu da Fotografia. "Acho que é uma desvantagem. Eu moro em um local periférico, então ter que fazer todo esse trajeto do estágio para minha área leva muito tempo, que perco, quando poderia estar estudando. Então, o pouco tempo que a gente tem, temos que usar de forma perfeita", afirma.

A necessidade de percorrer longos trajetos para estudar também era uma realidade para Leonardo Lucas Oliveira Lima, 17 anos, aprovado no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para o curso de Medicina na UFC. O morador do João XXIII frequentava a Escola Juarez Távora, no bairro de Fátima e demorava 1h30 no percurso até a escola. Assim como Iasmim, também precisou se dedicar a um estágio no segundo semestre de 2019.

"Durante a semana não conseguia estudar porque era muito cansativo para mim, eu chegava exausto em casa, então, estudava muito mais no fim de semana", conta. O jovem participava do projeto Academia Enem e conseguiu conquistar o 8° lugar da seleção por cotas no Sisu, com nota 960 em redação.

Leonardo, filho de pais que não acessaram o ensino superior, espera fazer amizades e amadurecer no ambiente acadêmico. "Quero adquirir muito conhecimento, ser mais humano, me ligar com as pessoas. Evoluir como pessoa", finaliza o estudante.

Inclusão

Alguns caminhos para a entrada no ensino superior são mais longos e desafiantes que outros. As histórias de Gabriel Victor de Paiva Falcão, 18 anos, e de Henrique Sousa da Silva, 26 anos, são exemplos de superação. O mais novo conquistou a aprovação para o curso de Filosofia da UFC.

Gabriel é nadador paratleta e tem paralisia cerebral. Ele precisava equilibrar os treinos com as aulas matinais e o cursinho extra-hora aula. A rotina iniciava às 5h30. Após o almoço, o descanso era de menos de duas horas, pois precisava chegar à natação, que ia das 13h15 às 15h30.

Legenda: Gabriel Victor, nadador paratleta, passou para o curso de Filosofia
Foto: FOTO: HELENE SANTOS

Quando começou a ir ao cursinho, o cotidiano se tornou ainda mais corrido. "Eu ia do treino para o cursinho, que era durante o tempo que eu dormia, então as horas que eu tinha para descansar, troquei para poder estudar".

Já o caminho de Henrique Sousa, pessoa surda, foi mais longo. Somente aos 26 anos conseguiu finalizar o 3º ano e ser aprovado no Instituto Federal do Ceará (IFCE) para o curso de Artes Visuais. O Enem realizado em Língua Brasileira de Sinais (Libras) contribuiu para a conquista. "A gente pode compreender as questões de uma maneira muito clara e acessível", diz.

Legenda: O estudante Henrique Sousa fez o Enem em Língua Brasileira de Sinais
Foto: FOTO: JOSÉ LEOMAR

A intérprete da entrevista com Henrique e integrante do Núcleo de Acessibilidade às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) do IFCE, Nádia Ribeiro, 34 anos, acrescenta que a demora para a entrada no ensino público se deve também à formação incompleta nas escolas que nem sempre utilizam Libras. "Eu sou surdo e levo a surdez, mas sou uma pessoa que quer conhecer mais, que quer ir atrás de mais conhecimento", declara com orgulho Henrique.

Ensino público

Segundo o secretário Executivo do Ensino Médio da Seduc, Rogers Mendes, o Estado tem conseguido unir esforços tanto de professores, quanto de estudantes para o Enem. "Para além disso, há um aumento de interesse desses alunos em alcançar o ensino superior, tanto em universidades públicas quanto particulares".

Sobre as ações para garantir a democratização do acesso, Rogers ressalta que conseguir gerar oportunidades iguais para os estudantes ainda é uma questão complexa. "Temos vários alunos que são os primeiros da família a ingressar na faculdade e gerar, por meio da educação superior, uma maior equidade no acesso aos bens culturais e à continuação dos estudos", enfatiza.

Além disso, o secretário destaca que o Estado oferece vários tipos de suporte para alunos com deficiência, mas tem "ciência de que podemos fazer mais para a verdadeira inclusão educacional".

Para Iasmim, a escola pública tem papel relevante, ressalta: "na minha formação, ela foi de suma importância e eu não teria chegado onde cheguei sem a escola pública". A futura cineasta, filha de mãe professora, acredita que as ações afirmativas em educação, principalmente as cotas, têm possibilitado o acesso ao ensino e a mudanças de vida, refletindo um panorama distinto do que se via há dez anos. "Eu sempre acreditei que a educação é libertadora e que a gente tem que lutar sim por ela, porque é ela que vai libertar o nosso povo", finaliza Iasmim.

Alunos aprendem com fascículos

Através dos fascículos pré-vestibulares disponíveis no Diário do Nordeste, o professor Washington Lopes conseguiu fornecer material educativo para os alunos de escolas públicas de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará, estudarem além do horário convencional de aula em 2019. O 'LimoVest', projeto de estudos intensivos, ocorre anualmente de março a outubro e objetiva admissão dos estudantes no ensino superior, como a de Aridenio Dayvid da Silva, aprovado em 2º lugar, por cotas, em Medicina na Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Quando esse material chegou, os meninos adoraram porque é muito direto, muito dinâmico, dividido por habilidades e competência, o que facilita a aprendizagem", pontua. Além de Limoeiro, o professor explica que, em determinado momento, ainda conseguiu dividir o material para um outro curso preparatório localizado em Russas.

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