Alfabetização supera falta de incentivo e resgata cidadania

Na urgência por inclusão, cearenses analfabetos buscam, cada vez mais, retomar a educação

Escrito por Vanessa Madeira - Repórter ,

Nas idas e vindas que marcam a história da costureira Ana Minervina Silva, 46, a educação nunca pôde ser prioridade. Saiu da casa dos pais, em Tauá, aos 8 anos, sem saber ler e nem escrever, para morar em Fortaleza, onde teria mais oportunidades. Mas, já na Capital, acabou abandonando a escola no 3º ano do Ensino Fundamental. Aos 14 anos, começou a trabalhar em casas de família. Aos 22, teve a primeira filha. Outros três vieram em seguida. E os estudos deixaram de ser prioridade.

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O anseio por retomar a educação foi despertando na medida em que os filhos iam crescendo. "Quando iam fazer a tarefa, eu não sabia ensinar. Os via estudando, aprendendo coisas novas e ficava pensando que também queria isso", diz a costureira. Um ano atrás, decidiu matricular-se em uma turma inicial de Educação para Jovens e Adultos (EJA) na Capital e recomeçar o processo do zero. "As pessoas ficam criticando, dizendo que, depois de velha, não vai aprender. Mas agora eu estou estudando e aprendendo Matemática, que era o que eu mais queria, porque não sabia nada. Agora, eu me sinto bem", conta.

Enquanto o Ceará se consolida como referência nacional em Educação, pessoas como Ana Minervina fazem parte de gerações que, ao contrário das atuais, não se alfabetizaram na idade certa. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2017, 14,2% dos cearenses com 15 anos ou mais ainda não eram alfabetizados. No ano anterior, 26,8% da população nessa mesma faixa etária possuía menos de quatro anos de escolaridade.

"São pessoas que sempre vão ficar à margem da população ativa, sem conseguir se inserir. Temos uma sociedade totalmente letrada. Usar um caixa eletrônico, preencher uma ficha no posto de saúde, tudo isso requer esse conhecimento. Como essas pessoas não têm, sempre vão necessitar de outros para que possam ter acesso", observa Maria José Barbosa, professora do setor de Estudos, Letramento e Alfabetização da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Vulnerabilidade

Afastados da escola na infância em consequência de vulnerabilidades econômicas e sociais, grande parte dos homens e mulheres nesse perfil só reencontram os estudos na fase adulta, seja pela necessidade de inserção no mercado de trabalho ou pela simples urgência de se sentir incluído na sociedade.

Somente em Fortaleza, a Educação para Jovens e Adultos (EJA) da rede municipal de ensino soma 12.299 alunos, com cerca de 6.000 matrículas apenas nas turmas dos anos iniciais. Do total, 7.636 estudantes possuem entre 15 e 29 anos de idade, 4.212 têm entre 30 e 59 anos, e 451 já contabilizam 60 anos de idade ou mais.

Para o secretário-adjunto de Educação do Município, Jefferson Maia, a busca pela EJA também tem aumentado na medida em que a oferta de unidade com o serviço amplia na Capital. Hoje, a cidade conta com 86 polos, distribuídos pelas seis regionais.

"Muitas vezes, essas pessoas tinham vontade de aprender, mas não tinham oportunidade. O Plano de Educação de Jovens e Adultos possibilita isso. Além disso, existe a própria exigência do mercado de trabalho, que faz com que a população busque completar o Ensino Fundamental, se capacite melhor. Acaba sendo um resgate da inserção e da cidadania", destaca.

Evasão

Se, na modalidade regular de ensino, combater a evasão já é tarefa diária de diretores e professores, na EJA, evitar que os alunos abandonem os estudos ao longo do ano letivo é ainda mais desafiador. Em Fortaleza, a taxa de abandono em 2017 foi de 39,7%.

Na idade adulta, a escola concorre com o emprego e as atribuições familiares. Mesmo com a oferta de aulas em horários especiais e currículos diferenciados, nem todos os alunos conseguem acompanhar a demanda. Outro fator que contribui para a evasão de jovens e adultos, conforme explica a professora Maria José Barbosa, é a falta de incentivo. "Vemos muitas pessoas achando que 'papagaio velho não aprende a falar'. Isso é muito presente na fala das pessoas. Nós não temos a visão da escola como espaço de apropriação de saber, e sim como trampolim para o mercado de trabalho. Isso faz a gente dizer 'O que um velho quer estudando? O que ele vai fazer com isso?'. O desestímulo é grande", ressalta.

Currículo diferenciado

Jefferson Maia afirma que, entre 2016 e 2017, a Secretaria Municipal de Educação (SME) conseguiu reduzir o índice de abandono em 10% graças à elaboração de uma estrutura curricular diferenciada. Segundo ele, são disponibilizadas turmas pela manhã e pela noite, para evitar o choque com a carga horária profissional, e todo o ciclo do Ensino Fundamental é concluído em quatro anos. "É um público diferenciado, que foi castigado pelo tempo e as adversidades, passou muito tempo fora da escola e agora está voltando. É um desafio que se impõe, por isso é preciso que o currículo seja mais flexível, voltado para a realidade dele", afirma o secretário-adjunto.

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